Como vencer a pobreza e a desigualdade

Premiada pela UNESCO, Clarice Zeitel, de 26 anos, estudante que termina faculdade de direito da UFRJ em julho, concorreu com outros 50 mil estudantes universitários. Ela acaba de voltar de Paris, onde recebeu um prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por uma redação sobre ‘Como vencer a pobreza e a desigualdade’
A redação de Clarice intitulada `Pátria Madrasta Vil´ foi incluída num livro, com outros cem textos selecionados no concurso. A publicação está disponível no site da Biblioteca Virtual da UNESCO.
pobreza e desigualdade social
Cartunista CASSO

 

Abaixo a redação e alguns comentários:
Tema:’Como vencer a pobreza e a desigualdade’
Por Clarice Zeitel Vianna Silva
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – RJ
‘PÁTRIA MADRASTA VIL’
Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência. .. Exagero de escassez… Contraditórios? ? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.
O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada – e friamente sistematizada – de contradições.
Há quem diga que ‘dos filhos deste solo és mãe gentil.’, mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil está mais para madrasta vil.
A minha mãe não ‘tapa o sol com a peneira’. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.
E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra… Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!
A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.
Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta – tão confortavelmente situadas na pirâmide social – terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)… Mas estão elas preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos.
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou excluído? Como gente… Ou como bicho?
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Alguns comentários:
Gostaria de tecer algumas críticas a texto de Clarice Zeitel Vianna Silva. Trata-se de um belo texto (digno da premiação), mas com alguns exageros e enganos (talvés, fruto do senso comum). Vejamos:

Ao afirmar que existe no Brasil uma “abundância de inexistência de solidariedade” ela acaba criando uma ideia que não observamos na prática. Bastamos ver a solidariedade dos brasileiros frente as catástrofes nos últimos anos ocorridas em Santa Catarina, no Nordeste e na região serrana do Rio de Janeiro. Bastamos assistir TV e notarmos o quanto programas como o “Criança Esperança”, por exemplo, arrecadam. Na verdade, o brasileiro chega ser até ser invejado por outros povos.

A Clarice escreveu:

“Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta – tão confortavelmente situadas na pirâmide social – terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)… Mas estão elas preparadas para isso?”

Ao falar de participação ela acaba não dizendo muita coisa. Participação em que? Onde?
Ela afirma que as classes média e alta devem fazer mais do que reclamar. Reclamar do que? É justamente a elas que interessa a taual situação do país. Vemos tais classes reclamar apenas de coisas que lhes afetam, como temos visto no caso da criminalidade no Rio, que desceu das favelas e estão no asfalto.

A Clarice escreveu:
“Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil”.

Falar em revolução estrutuaral sem definir que tipo de revolução é muito vazio. Gostaria de lembrar que existem revoluções que conduz a estados piores.

Por fim, ela, em meio a uma indagação, acaba realizando uma afirmação:
“Afinal, de que serve um governo que não administra?”

Dizer que o governo não administra é inocência. A pergunta seria, administra para quem?

Embora aponto tais críticas ao texto de Clarice, acredito que teremos em breve uma advogada e tanto! O Brasil precisa.
Clarice, Parabéns!!!

por Cristiano Bodart

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

2 Comments

  1. Concordo, Cristiano, com as tuas observações sobre o texto que, em alguns momentos, se mostra muito inocente (sabemos que ele foi produzido por uma jovem que em sua vontade crítica ultrapassará esse limite). É importante a tua questão: administrar para quem? As montadoras, de carro, por exemplo, devem ter achado em 2009 que o Brasil é realmente uma pátria-mãe e gentil. Acrescento que também é ingênuo achar que é possível acabar com a desigualdade no sistema capitalista (selvagem ou social-democrata). Um abraço!

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