Dar-te-ei: Elementos simbólicos nos relacionamentos capitalistas

A música “Dar-te-ei”, de Marcelo Jeneci, é bem oportuna para compreendermos os elementos representativos simbólicos nos relacionamentos da sociedade capitalista.  Atentando para a letra da música sob uma perspectiva capitalista somos levados a pensar que o personagem pode ser interpretado como um “tipo pão-duro”, que utilizando-se de elementos sentimentais estaria justificando a sua indisposição em ofertar a amada presentes materiais demonstradores e comprovadores de seus sentimentos. Assim, concluiríamos que trata-se de um “malandro” que não quer, ou não pode, ofertar tais presentes  e que o mesmo estaria recorrendo a um discurso romântico não pautado em ações supostamente concretas para justificar sua indisposição ou incapacidade.
Nos afastando da perspectiva capitalista, torna-se possível compreender a música de outra forma. Desta, o personagem estaria desejando ofertar à amada elementos mais duradouros, que, segundo ele, seriam elementos que “ficam”. Sob esta perspectiva poderíamos estar sendo acusados de ideólogo romancista. Mas não se trata de romancismo, mas de um olhar focado na representação simbólica. O valor do presente deixa de estar pautado no objeto em sim, mas na intenção e na sua representação. Sob esta ótica o presente enquanto materialidade pouco importa,
antes importando o significado que ele carrega. No caso do personagem da música sua preocupação está em ofertar algo duradouro, para ele mais significativo…
permanente.
Temos, assim, duas formas de compreendermos a letra da música. Ambas tendo como centralidade o símbolo “presente”; porém, uma forma marcada pela representação material, no valor monetário, em “coisas perecíveis” característico da sociedade capitalista, e outra que, ignorando o valor material/monetário, preocupa-se em ofertar algo fundamentado no argumento de que o melhor presente seria aquele mais duradouro tendo seu significado desvinculado dos elementos materiais, buscando fazer alusão ao seu sentimento supostamente permanente.
Segue abaixo um vídeo da música.

Segue a letra da música:

Não te darei flores não te darei elas murcham, elas morrem
Não te darei presentes não te darei pois envelhecem e se desbotam
Não te darei bombons não te darei eles acabam, eles derretem
Não te darei festas não te darei elas terminam, elas choram, elas se vão

Dar-te-ei finalmente os beijos meus
Deixarei que esses lábios sejam meus, sejam teus.
Esses embalam…esses secam…mas esses ficam.

Não te darei bichinhos não te darei,pois eles querem, eles comem
Não te darei papeis não te darei, esses rasgam, esses borram
Não te darei discos não,eles repetem,eles arranham
Não te darei casacos não te darei, nem essas coisas que te resgardam e que se vão

Dar-te-ei a mim mesmo agora
E serei mais que alguém que vai correndo pro fim
Esse morre…envelhece…acaba e chora…ama e quer…desespera esse vai… mas esse volta

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

4 Comments

  1. Gente, que demais esse blog! Que achado! Tava aqui pesquisando pra preparar uma aula e olha o que eu achei!!! Assim que der vou querer contribuir com o blog também hein! Abraços, parabéns pela iniciativva!

  2. Gostei muito do blog. Parabéns! Pois eu queria que você postasse mais declarações de músicas brasileiras… Opções de músicas que possam nos fazer refletir. Ficarei grata se fizeres isso.

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