Quando a identidade da “não identidade” possibilita o indivíduo se auto-classificar pertencente a outra identidade.

Festa da comunidade deAlto Pongal, Anchieta/ES.
Fonte da Imagem: https://intl.feedfury.com

Gostaria de tratar uma questão um tanto curiosa de nossa [brasileira] peculiaridade. Chamo, a princípio, tal fenômeno de “a identidade da não identidade”. Essa “identidade” possibilita, de certa forma e grau, o brasileiro se denominar não brasileiro. O que quero dizer com isso?
Antes de explanar o que chamo de “identidade da não identidade” torna-se necessário para a compreensão de meu raciocínio algumas poucas questões. Primeiro é importante colocar que  todo o povo tem identidade, uso essa expressão para me referir a ideia de uma falta de clareza identitária. Segundo, os descendentes de imigrantes no Brasil podem ser tanto reconhecidos como descendente de imigrantes quanto brasileiros e isso sem nenhum problema de reconhecimento por parte dos demais grupos [diferentemente de outras sociedades, como a Norte-americana, onde o imigrante e seu descendente é sempre imigrante e

descendente de imigrante, respectivamente].

O descendente de imigrante se integra a cultura brasileira com muita facilidade, mesmo que sua família tenha preservado hábitos culturais de suas origens e rapidamente adquirido nossa cultura. Assim, este pode possuir dois reconhecimentos identitários. No caso de descendentes de terceira e quarta geração, muito embora não tenham [na maioria das vezes] vínculos objetivos e pouquíssimos subjetivos, tendem a negar sua história social e pessoal (como brasileiro) em prol da busca do reconhecimento de que é descendente de imigrante.
Dito essas coisas, nota-se que o descendente de imigrante pode ter como identidade a origem de sua família, assim como pode ser brasileiro. Por que nos Estados Unidos isso não seria possível? Os norte-americanos tem uma cultura muito própria e bem definida (com menos pluralidade), diferentemente do Brasil.
Nós, brasileiros, não temos uma identidade definida e clara. Somos um povo multicultural. E isso não é fruto da globalização que hora se desenvolve. Não temos “uma” identidade desde as origens do Estado Nacional. Darcy Ribeiro já dizia que somos a “mistura de ninguéns”. Não que isso fosse ruim. Para ele, muito pelo contrário, essa mistura torna o Brasil um dos países mais rico culturalmente. Em outras palavras, o brasileiro surge de misturas entre brancos , negros e índios. Esses que nasciam de tal mistura não era nem branco, nem negro e nem índio – era o “ninguém”, em um sentido de falta de uma clara identidade com os grupos existentes.
A mistura desses “ninguéns” dá origem ao que entendemos hoje por brasileiro. O fato de não termos uma identidade [pelo menos clara e coesa] cria um cenário propício para o indivíduo, que aqui nasceu e aqui adquiriu cultura, se intitule como não brasileiro, ou melhor, descendente de italiano, de alemão, de russo, etc.
Desta forma, a identidade dos brasileiros é não ter “uma” identidade [pelo menos única e coesa]. Essa realidade cria a possibilidade da existência de grupos étnicos se autodenominarem imigrante e não brasileiro e isso de forma muito bem aceita, vide as festas “italianas” e “alemãs” e o orgulho em portar sobrenomes de seus bisavós. De forma sintética, poderíamos dizer que cria-se novas identidades (descendente de alemã, de italiano, de russo, etc.,) a partir da “não identidade” clara, única e coesa. O mais interessante é que o Brasil permite “co-identidades” sem, contudo, uma excluir a outra.
Obs: caso deseje acrescentar ou descordar com esta reflexão, sinta-se convidado para enriquece-la por meio de comentários. Esse é o objetivo de eu lançar reflexões embionárias neste blog.
Visite também os blogs  Mangue Sociológico e Ciência Social Ceará

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

11 Comments

  1. MUITO INTERESSANTE ESSA COLOCAÇÃO SOBRE A INDENIDADE "NÃO INDENIDADE" ISSO NOS TRAIS A ALGUMAS REFLEXÕES TIPO AS QUAIS SE NA COLONIZAÇÃO DO BRASIL OS COLONIZADORES TIVESSEM EXTERMINADOS A POPULAÇÃO INDÍGENA, E NÃO HOUVESSE ESCRAVIDÃO ENTÃO NÃO EXISTIRIA OS BRASILEIROS E SIM OS DESCENDENTES DOS PAÍSES COLONIZADORES E QUE MESMO DEPOIS DI GERAÇÕES PASSADA AINDA SIM SERIAMOS DESCENDENTES DESSES COLONIZADORES.

  2. Acredito que o que acontece com nós brasileiros é a não aceitação, da maioria, de uma identidade sem termos uma identificação sólida. A questão da identificação é a base de uma identidade, e acredito que aquela quando internalizada por força da imposição desconstroi a possibilidade de uma identidade coerente. E no caso de um povo multicultural essa questão torna-se mais complexa

  3. Acredito que a diversidade brasileira permite essa aceitação. Toda essa interação tão peculiar é que faz com que sejamos um povo, com essa alegria, essa vivacidade esse poder de vencer as adversidades. Nem tudo são flores, ainda temos muita luta contra o preconceito e o racismo, mas a aceitação já é um ótimo passo rumo a uma sociedade mais justa. A colocação sobre a não-identidade só reforça que somos fruto de muitos não cabendo em nossa sociedade o pensamento de supremacia racial.

  4. De certa forma faz uma crítica, principalmente ao Brasil, por causa de "identidades", entendi que quis dizer que qualquer pessoa(imigrantes),podem ser tanto reconhecidos como descendente de imigrantes quanto brasileiros. Isso nos traz uma falha, uma falha ao nosso país, e também ressalta o nome de outros nações que este problema lá é realmente ao contrário.

  5. A diversidade Brasileira permite essa aceitação,pois o Brasil e um país diversificado pois a muitos imigrantes no Brasil,isso acaba fazendo que o Brasil e um País onde habita muitas pessoas com cultural diferentes,nessa diversidades de culturas muitas pessoas acaba tendo preconceito com os imigrantes que Habita no Brasil.

  6. O Brasil e um pais onde muitas pessoas estrangeira que vem pra cá para tentar ganha a vida trabalhando mas até hoje ha pessoas q tem preconceito co essas pessoas que tem uma cultura diferente uma lingua diferente eu acho o preconceito uma coisa muito terrível pois a pessoa não esta respeitando o outro.

  7. O blogueiro faz uma critica aos descendentes de estrangeiros que se denominam não brasileiro, por cerem descendentes de alemão, italiano etc, as vezes até de quarta geração. Na minha opinião a critica é interessante, sendo que nos somos um povo diversificado multicultural, uma mistura de brancos, negros e índios.

  8. Excelente colocação! Penso que o multiculturalismo no Brasil "mata" qualquer regime de monoculturalismo ou o país de uma só etnia. Percebemos que em algumas sociedades, há o forte rigor de manter as tradições e costumes de seus países fora dos domínios da nação. É o exemplo de comunidades orientais que não aceitam de comum acordo a mistura de raças e costumes. Mesmo que um desses descendentes jamais tenha residido no país mater de seus pais e ancestrais, há um colossal esforço para que seus filhos e netos passem a diante a cultura ao qual receberam. Sem contar comunidades que membros não falam o idioma do pais ao qual residem(exemplo: Comunidades Pomeranas aqui no ES) obrigando sob a ideia de não deixar morrer a cultura, brasileiros a falarem a lingua da comunidade. Mas voltando ao artigo, exatamente pelo brasileiro não ter essa identidade cultural fixa abre fissuras para uma sub-identidade ou a não identidade conforme o autor suscitou o debate! Parabéns!

  9. Excelente colocação! Penso que o multiculturalismo no Brasil "mata" qualquer regime de monoculturalismo ou o país de uma só etnia. Percebemos que em algumas sociedades, há o forte rigor de manter as tradições e costumes de seus países fora dos domínios da nação. É o exemplo de comunidades orientais que não aceitam de comum acordo a mistura de raças e costumes. Mesmo que um desses descendentes jamais tenha residido no país mater de seus pais e ancestrais, há um colossal esforço para que seus filhos e netos passem a diante a cultura ao qual receberam. Sem contar comunidades que membros não falam o idioma do pais ao qual residem(exemplo: Comunidades Pomeranas aqui no ES) obrigando sob a ideia de não deixar morrer a cultura, brasileiros a falarem a lingua da comunidade. Mas voltando ao artigo, exatamente pelo brasileiro não ter essa identidade cultural fixa abre fissuras para uma sub-identidade ou a não identidade conforme o autor suscitou o debate! Parabéns!

  10. Acredito que por fatores históricos existe uma certa rejeição por parte de alguns brasileiros em se identificar com culturas cujo os povos da mesma socialmente eram conhecidos como subdesenvolvidos, primitivos, e todo um processo de colonização buscava extinguir o “atraso” mas na prática diferente dos EUA aqui só usufruirão. A Antropologia como ciência trouxe a luz novas ideias, a identidade eurocêntrica mediado pelo estilo de vida (lifestyle) e padrões de auto poder econômico e suas cidades modernas reluz na cabeça das novas indenidades aversão ao sentimento de pertencimento quando põem em crise as grandes desigualdades sociais.
    Os costumes de um povo jamais pode ser julgado pelos princípios e valores do outro, pois o etnocentrismo pode causar uma doença chamada racismo.

Deixe uma resposta