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Revolucionários de vitrine?! Desconexão entre redes sociais e práticas

Revolucionários de vitrine é um texto que discute sobre a apatia da cultura política de um certo grupo social que busca fazer críticas nas redes sociais, porém não conseguem materializar tais críticas em ações políticas mais concretas.

Por Cristiano das Neves Bodart

 Parece incoerente o título dessa pequena reflexão, mas acredito “caber como uma luva” em muitos casos que tenho visto nos últimos dias*. Soa como devaneio relacionar “revolucionário” com algo bastante típico do Capitalismo – de fato, espero que seja devaneio meu e que eu esteja errado, embora acho improvável…

Tenho me deparado no facebook – isso por várias vezes – com jovens se manifestando em prol ou contrários à “n-coisas”. Ora usando no perfil sobrenomes indígenas, ora compartilhando pensamentos revolucionários; outras vezes postando vídeos em defesa ao “rolezinho”; demonstrando indignação contra a pobreza, a corrupção e as desigualdades sociais. Isso é sinal que as coisas estão mudando, porém “nem tudo são flores”.

À primeira impressão é que temos uma sociedade repleta de pessoas críticas, sobretudo jovens. Embora isso possua um caráter político-pedagógico bastante significativo, observando de forma atenta e pensando um pouco mais sobre a questão me vem à incerteza… a preocupação. Será que todos eles, ou a maioria, sabe de fato o que querem? Entendem a realidade social brasileira? Essas perguntas surgem devido ao fato de termos uma sociedade que não lê, onde Educação não é prioridade, onde cursos “para inglês vê” estão por todos os lados e em todos os níveis. A descrença (ainda que não por completa) nessa “onda de jovens revolucionários de vitrine” está na minha desconfiança de que a maioria deles não conhece nem mesmo as obras básicas para a compreensão da sociedade brasileira. Jovens que não sabem quem foi Caio Prado Junior, Sérgio Buarque de Holanda” (não confundam com o filho, que é o cantor), Gilberto Freire, e outros. Muito menos leram Marx, Weber, Bourdieu; embora seus perfis sejam repletos de frases destes grandes pensadores do século XX.

revolucionários de vitrine

A impressão que tenho é que temos um número grande de jovens que erguem bandeiras anarquistas, marxistas, feministas etc., sem nunca ter lido uma única obra dessas vertentes. Falam de discriminação racial, mas nunca leram “A integração do negro na sociedade de classes”, de Florestan Fernandes, ou outro trabalho substancial sobre o tema. Se intitulam marxistas sem nunca terem lido nem mesmo o Manifesto Comunista. Se considerarmos a incoerência que existe entre o que postam em seus perfis no facebook e o padrão de consumo em que se imergem vemos o quanto não passam de uma criação de um “produto” exposto na vitrine. Se perguntar-lhes sobre o “fetichismo da mercadoria” muitos poderão responder com uma indagação corriqueira: o que é isso?

 

Parece que ser de esquerda (seja lá o que isso significa para cada um) está na moda entre os “semi-intelectualizados”. Criticam os que se intitulam “reacionários”, chamando-os de “coxinha” (em seu sentido pejorativo), para assim “vender” a imagem de revolucionários. “Interpretam” e julgam as posições dos outros como “revolucionários” ou “reacionários”, em outros termos, “preto” ou “branco”, como se entre essas duas cores não existisse uma infinidade de escalas de cinzas.

 

Temo que tenhamos produzido jovens que, ao invés de verdadeiros revolucionários, são meros indivíduos que “seguem à onda”, à tendência… à moda. Jovens que estão mais preocupados em expor-se na vitrine do que mudar o mundo.

 

Corremos o risco de termos criado e multiplicado “jovens produtos”. Daqueles que pensam apenas em se expor, seja na vitrine das redes sociais ou da TV. Daqueles que compram a camisa de Ernesto Che Guevara com a mesada do pai. Que adora ir ao shopping, mas nunca entrou na livraria para escolher um bom livro. Verdadeiros “revolucionários” de vitrine.

 

Como disse Boaventura Sousa Santos, precisamos de revolucionários competentes.

 

* Não tenho nenhuma pretensão de generalização. É certo que temos muitos jovens conscientes de suas realidades sociais e conhecedores de suas causas e com grande repertório teórico interpretativo.

 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

8 Comments

  1. Cristiano,

    No meu ponto de vista, nem na primeira impressão eu vejo uma sociedade repleta de pessoas críticas. A mídia trabalha dia e noite para reproduzir e proliferar o senso comum. Por outro lado, infelizmente, não somos surpreendidos quando deparamos com pessoas que não tem sequer noção da situação social, econômica e política da sociedade brasileira, afinal, a educação é como aparelho ideológico do Estado (Louis Althusser). O sistema educacional molda os alunos para o mercado de trabalho, precisamos tirar o aluno da condição de aluno (sem luz) e torna-lo estudante. Não parto da concepção que a educação vai resolver todos os males, até porque a nossa estrutura é capitalista, no entanto, a educação também é ato político, cabe a nos, professores, iniciar uma revolução na sala de aula, se trabalharmos conscientemente.

    Abraços

    Aline de Sousa

  2. "Falam de discriminação racial, mas nunca leram “A integração do negro na sociedade de classes”, de Florestan Fernandes, ou outro trabalho substancial sobre o tema."

    Não vou falar sobre Marx, pq de fato nunca me intitulei Marxista, obras sobre o tema por interesse, mas n é algo que eu discuto justamente por reconhecer minha ignorância sobre o tema. Mas a parte de falar sobre discriminação racial faz parte da minha vida, então vamos lá.
    Não é preciso nenhum livro para saber que a sociedade brasileira é profundamente racista. Ou para experimentar desse racismo. Basta olhar para o lado. Eu n preciso ler Florestan Fernandes para entender que está errado quando eu vou a algum restaurante com as minhas amigas e observo que eu sou a única cliente negra no local. N preciso de ler nada para entender que, quando a recrutadora da entrevista reclama que a minha pele é mais escura do que a foto que enviei junto com o currículo, que está profundamente errado e que , apesar de ter ido bem em provas de inglês, redação e afins, estou sendo segregada por algo que não tem relação nenhuma com a minha competência , e sim pelo meu tom de pele. Que quando eu vejo uma vaga que pede "boa aparência" eu posso ter uma mínima chance de ser chamada porque as pessoas consideram que meus traços são diferentes dos traços esterotipados como "traços negróides" – como se um continente inteiro tivesse apenas um grupo populacional de características uniformes, ao invés de vários grupos humanos vivendo ali, com diferentes características. Eu vivo. Eu sou negra, eu sou mulher e vivo as dificuldades e opressões de uma sociedade racista e machista.
    Fora que livros não são a única fonte de conhecimento. Meus pais nunca leram Florestam Fernandes e me iniciaram politicamente sobre as questões de negritude. Viveram. Conversaram. Leram jornais, revistas, enfim. MInha avó, semi analfabeta , sobre as questões da terra. Ela viveu. Foi explorada durante infância e adolescência na terra e fugiu para a "cidade grande" para escapar do marido violento e dar uma oportunidade mellhor aos filhos. N leu Simone de Beauvoir, Naomi Wolf ou qualquer outra escritora feminista. Não tem direito a fala? Nãoconhece o assunto?

    Ler, saber sobre algum assunto através de livros, ter ensino superior é privilégio ainda no Brasil, que poucos tem. Sim, há jovens que simplesmente pulam e defendem qualquer assunto que esteja na moda, há pessoas assim de maneira geral.Porém, o fato de ter arcabouço teórico ou n, n inviabiliza nem deslegitima a luta e as vivências de ngm. Tampouco o direito a fala. Aliás, esse seu discurso de "n leram obras x" ou "são pessoas semi intelectualizadas" me lembra exatamente o velho debate sobre o q é cultura ou n em nossa sociedade. è o mesmo raciocínio. O q é elitizado é bom, digno. O que não é assim considerado, naõ. O conhecimento e esse tipo de obra ainda é elitizado, apesar de isso estar mudando aos poucos com a popularização da internet, mas o caminho é longo. Até porque, pouco adianta a obra estar disponível na internet, se não há compreensão da serventia dela, ou de sua existência. Isso ainda é restrito. Mas n impede que as pessoas notem que há algo muito errado, e partam , cada um, para as suas lutas.

    • O grande problema é ser revolucionário via perspectiva do senso comum ou ser um revolucionário como os proletariados em Marx, movidos apenas pelo sofrimento e longe de uma verdadeira compreensão substancial da exploração, suas raízes e estruturas.

    • concordo com a miss m. não sei se era a intenção do autor, mas achei o texto em si elitista pra caralho. qdo eu era adolescente um dia caiu o manifesto comunista na minha mão. até então nunca tinha lido um livro "de esquerda" ou libertário. mas já participava do movimento estudantil, e lá as discussões valiam muito mais que ficar uma tarde toda na biblioteca e não ter contato com a realidade brasileira. leitura é fundamental, mas não só a de obras "renomadas", incluo também uma leitura crítica da nossa sociedade, que não possibilita à imensa maioria da população aprendizado profundo e nem reflexão

    • O texto em nada se propoe ser elitista, apenas denuncia que temos revolucionários que nem sabem o que é revolução, que não sabem o que é uma ideologia. Os livros são experiências fundamentais para o amadurecimento desses, assim como as experiências empíricas. Sem uma "lente" para além do senso comum estamos fadados a termos "mais do mesmo".

  3. Muito bom o texto.Eu sou marxista e amo ler livros, não apenas livros marxistas, mas também literários, políticos, de economia e de outras ideologias mesmo que divergentes, é importante o nosso repertório cultural. Como você mesmo disse: "não tenho nenhum pretensão de generalização", muitos de nós, jovens, conhecemos nossas causas. Sou pré-vestibulando e quero fazer ciências sociais.

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