Música Disparada (1966) – Geraldo Vandré – Análise

música Disparada
música Disparada
música Disparada
Por Roniel Sampaio Silva*
As músicas trazem uma grande possibilidade de interpretações. Neste sentido, trazemos uma possibilidade, dentre tantas para a Música Disparada de Geraldo Vandré. Tal música pode ser associada a um importante personagem brasileiro, Presidente Jango.
Contexto Histórico:

As músicas de Geraldo Vandré fazem parte de uma Brasil marcado pela contracultura juvenil num  contexto de contestação política, perseguições, anseios de mudança, num mix de medo e esperança. É impossível disvincular a música Disparada (1966) ao contexto do golpe civil-militar daquela período.

Em linhas gerais, a música se refere a histórico de exôdo rural em que os jovens filhos das elites rurais buscavam de estudos nos grandes centros urbanos. Assim, estes passaram a dialogar mais com outros jovens e conhecer as ideias progressistas que desencaderam um projeto estrutural de mudança o qual não era bem visto pelos setores conservadores:

Prepare o seu coração prás coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar

A música disparada pode ser vista também como a experiência particular de Jango que teve irmãos e pai vítimas de enfermidade logo na juventude. A música também pode fazer alusão ao contexto de perseguição de jovens da época e a resistência dos transgressores do regime militar que não se intimidavam com as prisões, torturas e militaram juntamente com os movimentos sociais em favor das reformas de base:

Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar, eu vivo prá consertar

 

É possível que o protagonista da música seja o presidente Jango, filho de família rica passa a capitanear as terras do pai quando este falece:

Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu

Como chefe das propriedades rurais do pai, passou a tornar-se homem influente na região antes dos anos 1930. Ingressou na política logo após a renúncia de Vargas que era amigo pessoal de seu pai, Vicente vargas. O trecho abaixo revela a habilidade de Jango em lidar com a política e com os negócios. A metáfora da “visão se clareando” pode fazer alusão à percepção de Jango sobre os problemas pontuais da nação naquela época. Foi então que se lançou candidato à vice-presidência da República. Com sua ascenção ao poder, seus sonhos de governar o país e implantar seus projetos de nação foram frustrados pelo golpe de 1964:

Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente, pela vida segurei
Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei

Mesmo com seus projetos estruturais e suas contribuições marcantes para consolidação dos direitos sociais no Brasil, havia uma conspiração para tirá-lo do poder, em razão de Jango reconhecer algumas das bandeiras dos movimentos sociais. Infelizmente Jango não conseguiu reconhecimento das suas reformas de base juntas camadas médias da população brasileira…”não pude seguir valente em lugar tenente” . Com o golpe, Jango teve que buscar o exílio e “cantar noutro lugar”:

Não canto prá enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar

Pra mim há uma forte alusão à desistituição do Presidente Jango, um país sem um governante eleito pelo povo e usurpado por forças civil-militares:

Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém, que junto comigo houvesse

*Reconheço que a canção têm múltiplas interpretações e essa é apenas uma interpretação baseadas na história do Brasil e na biografia dos personagens. A análise feita aqui foi aprofundada a partir de análise feita por  Hyago em 9 de dezembro de 2011 no site https://analisedeletras.com.br

Para se aprofundar na análise de músicas, recomendo:
Bodart, Cristiano das Neves. O uso de letras de músicas nas aulas de Sociologia. In Revista Café com sociologia.
v. 1, n. 1 (2012). Disponível em < https://revistacafecomsociologia.com/revista/index.php/revista/article/view/1>

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

12 Comments

  1. Interpretação ruim. Obviamente uma reflexão sobre a psicologia interna de uma pessoa q amadurece na medida q lhe é exigido, deixando das visões pueris até as visões mais eternas em que eu sou dono apenas de minha individualidade, minha viola que canto onde quero.

    Enfiar Jango e a votação q elegeu militares no meio da música é muito desespero.
    Gente, não deu. Não teve e nunca vai ter socialismo. Parem de enfiar essas coisas nas cabeças de crisnças nessa forçação de barra terrível.
    Abraços

  2. Oi,
    Antes de tudo, sei que é um post antigo, mas achei, fazendo uma pesquisa

    “E a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo
    Estava fora do lugar, eu vivo prá consertar”

    Com o Golpe dado em 1964, o Eu Lírico vê um caos se instaurando, e se sente compelido a alguma ação “Consertar”

    Boiada – Seriam pessoas na visão dele alienadas ao que ocorria. Ele se via como tal, mas por algo “mais forte que ele” teve que agir

    Dono de uma Boiada – Me parece algo abstrato, tipo “uma ordem vigente”, a organização das pessoas dentro do “Reino”, algo que visava mostrar o empoderamento das pessoas
    Vaqueiro que morre – Aí Sim, Acho que ele s refere a Jango

    “Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte
    Muito gado, muita gente, pela vida segurei
    Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei
    Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
    E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
    As visões se clareando, até que um dia acordei”

    Ele estava alienado, em alguns pontos, até mesmo ajudou o sistema mas foi sabendo de coisas, se conscientizando, e cada vez mais sabendo como funcionava o sistema, até que um dia ele percebe que não dava pra saber daquele jeito

    “Então não pude seguir valente em lugar tenente
    E dono de gado e gente, porque gado a gente marca
    Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente
    Se você não concordar não posso me desculpar
    Não canto prá enganar, vou pegar minha viola
    Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar”

    Não pude mais me omitir, porque envolvia a vida de pessoas (e não de propriedades). Agora se você não acha, não posso ficar no “Lero Lero” contigo, vou tentar conscientizar quem estava disposto a me ouvir

    “Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei
    Não por mim nem por ninguém, que junto comigo houvesse
    Que quisesse ou que pudesse, por qualquer coisa de seu
    Por qualquer coisa de seu querer ir mais longe do que eu

    Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
    já que um dia montei agora sou cavaleiro
    Laço firme e braço forte num reino que não tem rei”

    Talvez, uma motivação que vá além das propriedades ou do individualismo (uma ideia coletivista talvez) em que ele está lutando
    o final pra mim é uma idealização após vencer o sistema e colocar o novo poder instaurado (Até mesmo o comunismo, entendendo que Vandré era uma homem de forte convicção de esquerda!)

    É como eu entendo essa música
    Abraços
    Paulo

  3. Olá Roniel, não seria Síndrome de Estocolmo, que descreve a situação em que a vítima se identifica com o seu agressor, passando a ter com este uma relação de lealdade e de solidariedade? E que, de acordo com os especialista, tem como causa os mecanismos de defesa que o inconsciente da vítima cria para lhe proteger da situação?

    Pois bem, não sei dizer se é o caso de Geraldo Vandré e de Théo Barros, compositores da canção. Mas não é a primeira vez que vejo a interpretação dessa canção associada ao golpe militar de 64. Se não estou engando, o ano de composição dessa música não é anterior ao golpe? E mesmo que não fosse, não seria muito pouco tempo de ditadura para referências tão profundas?

    Digo isso, porque, na minha interpretação, a letra dessa música está mais associada ao trabalho escravo, que vem de longa data por este país, e que, pasmem assombrado, persiste até os dias de hoje.

    Desculpe-me comentar tanto tempo depois, mas é que achei este site fazendo uma pesquisa sobre a música.

    • oi Fabricio, obrigado pelo seu comentário. Consta que a a canção é de 1966, o golpe foi 4 anos antes.
      Sua interpretação também é válida. Como disse no post, uma canção como essa pode ter várias interpretações.
      Não precisa se desculpar, é um prazer ler seu comentário Fabrício.
      Um grande abraço

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