Sob o resquício da Ditadura e o avanço da Democracia

Sob o resquício da Ditadura


Por Cristiano das Neves Bodart*
Sob resquícios da ditadura
Cristiano das Neves Bodart, editor do Café com Sociologia
Sob resquício da Ditadura e avanço da Democracia, professores foram agredidos no estado do Paraná. Esse fato evidencia o quanto estamos em um “campo cinza”, onde avanços e retrocessos estão imbricados.
O governador da Paraná, Beto Richa (PSDB), sob o argumento de que as contas públicas estaduais não estão em “boa saúde”, realizou mudanças previdenciárias no fundo estadual (ParanaPrevidência), o que vem provocando o descontentamento dos servidores públicos, sobretudo entre os professores da rede pública estadual de Ensino Básico. Essa situação poderia ter outros desfechos caso não estivesse o Brasil em um momento de cisão com seu passado recente, marcado pela repressão, e se não fosse a prática democrática, ora experimentada, pedagógica (participação social gerando mais participação).
Há 20 anos o Brasil oficialmente deixava de ser uma Ditadura Militar, dando seus primeiros passos rumo à democracia. Não oficialmente, a classe política manteve as práticas do militarismo (aperfeiçoada durante os “Anos de Chumbo”) sob sua tutela. Ao sinal de ameaças a seus interesses, coloca-se a Polícia Militar nas ruas para garantir a “ordem das coisas”. Por outro lado, desenvolveu-se uma cultura política entre os cidadãos, os quais, a cada participação em ações coletivas, aprendem participar ainda mais das questões coletivas. Desta forma, temos hoje um processo de mudanças que imbrica o “velho” e o “novo”. Há dois “momentos” que formam o momento atual brasileiro, uma espécie de dialética onde o velho e o novo se encontram e se desafiam. Com a oficialização do fim da Ditadura, e a Reforma Política, os partidos políticos e seus integrantes se depararam com uma nova situação. Passaram a ver os movimentos sociais e as ações coletivas tomarem as ruas e ganharem força e mais adeptos. A esfera pública se esticou, abarcando mais atores e novas demandas. Até os partidos de esquerda se viram em uma situação onde tiveram que rever a ideia de que eram o único meio de realizar mudanças sociais mais profundas. Alguns partidos e/ou políticos em parte se adequaram, criando espaços institucionalizado de participação social, tais como conselhos, fóruns e Orçamento Participativo. O contexto atual é de aprofundamento democrático e a sociedade quer ser ouvida e, obviamente, beneficiada por meio de políticas estatais, afinal, para isso existe o Estado: provê benefícios coletivos.
O governador do Paraná, ignorando esse contexto, tenta “colocar de goela à baixo” medidas impopulares. O resultado é uma multidão nas ruas protestando. No início deste ano eclodiu-se a primeira manifestação dos professores daquele estado, que na ocasião levou deputados a deixarem a Assembleia Legislativa em camburões da Polícia Militar e escoltados. Agora, o pacote de mudanças reaparece com uma nova maquiagem e é colocada em pauta novamente na Assembleia. Se o governador não aprendeu com a experiência de fevereiro, os professores aprenderam. Ignoram Beto Richa, e os deputados da situação, que há um caráter pedagógica em cada ação coletiva e que nesses 20 anos de processo de aprofundamento da democracia brasileira, esses últimos anos têm sido uma “pós-graduação” para os professores daquele estado. Pena que o aprendizado parece não ser o mesmo para os políticos como Beto Richa, que ao invés de buscar o diálogo, quer mesmo é aprofundar a “rincha” e usar as velhas armas, resquício da Ditadura. Assim, sob esses resquícios, professores são atacados como se fossem grupos paramilitares. O pior é que a grande mídia fala em “confronto”, quando na verdade o que vemos é um ataque da PM sobre aqueles que só aprenderam a lançar ideias, utopias e esperanças de uma país melhor para os nossos jovens.
* Doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo/USP. Tem os movimentos sociais como tema de estudo em seu doutoramento.
 
 
 
 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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