10% do PIB PARA EDUCAÇÃO

 

 
Valdemir Pires.

 

Perdoem-me os que estão comemorando, mas, neste 1/4 de século em que atuo como professor, não vejo mais do que demagogia e falta de conhecimento da situação educacional na proposta de “irrigar” o setor educacional com mais dinheiro público.

 

Não há recurso financeiro que possa modificar o quase-menosprezo mútuo que foi se acumulando nas relações professores-alunos, tornando-os quase-inimigos hoje em dia.

Não há grana que possa tapar o buraco profundo cavado pela subordinação da escola quase que exclusivamente à busca de emprego (da parte dos alunos) e de avanços tecnológicos altamente lucrativos (da parte dos atores que, indevidamente, assumiram, por meio de “laranjas” ilustrados, o controle de parte significativa das verbas disponíveis).

Não há moeda que possa promover o resgate de instituições e práticas pedagógicas cujas características defasadas em relação à cultura, à economia e à sociedade aceleradamente mutantes são nostalgicamente defendidas pelos indivíduos, acriticamente, sem perceber as contradições estruturais e conjunturais envolvidas.

Dinheiro pode melhorar infraestrutura? Sim. Pode levar à remuneração mais digna dos professores? Sim. Pode viabilizar à melhora da capacitação dos agentes e gestores educacionais? Sim. Mas isto, só, não basta, embora ajude. Qual o papel que a educação formal ainda joga na sociedade atual? Para cumprir este papel, que projetos educacionais (nacionais, estaduais, municipais e em cada unidade educacional) são necessários? Qual deve ser o perfil dos professores? E dos alunos? O que é necessário fazer, e onde, para que alunos e professores adquiram o perfil próximo do ideal para, ao se relacionarem, produzirem as transformações esperadas das trajetórias formativas? Até que ponto a Educação pode auxiliar a sociedade a suprir suas necessidades de capacitação para os fazeres e de difusão de valores para a convivência?

Educação rima com chavão, mas só rima, não combina. É preciso debater seriamente e com compromisso. Mas parece que já não sabemos discutir e esquecemos o que é compromisso.

Desculpem-me pela acidez, inevitável diante de tanto alarde otimista, quando, quotidianamente o que se vê são retrocessos inimagináveis há uma década.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

4 Comments

  1. Penso isso desde que comecei a ouvir e ver o chavão "10% do PIB para educação" em todo tipo de manifestações… ajuda, mas a escola (principalmente a pública) está muito aquém da nosso realidade. Ousaria dizer que nossa escola está presa na modernidade numa sociedade já pós-moderna, mas não tenho cabedal teórico o bastante para defender o conceito de pós-modernidade, essa é uma opinião pessoal e um tanto leiga.
    Gostei do texto. Abraço.

  2. O pior é detectar as falhas e não saber o que fazer nem o que mudar. Temos uma infeliz herança daqueles que nos mandaram calar a boca.

  3. Antes o dinheiro ir para a educação, mesmo que não baste, do que ir para as mãos de banqueiros, por isso, temos que COMEMORAR SIM!!! Concordo em partes com as palavras do Valdemir Pires, em partes, pois, elas flertão com o discurso neoliberal, talvez pelo momento, talvez por um certo ressentimento pela euforia dos que lutaram e comemoram, talvez pela sua aproximação política com um determinado partido.

    Resumindo: a comemoração é MUITO válida e agora cabe lutarmos para melhor utilização possível desse valor! Haja vista, que se isso não basta, já um grande passo: " Dinheiro pode melhorar infraestrutura? Sim. Pode levar à remuneração mais digna dos professores? Sim. Pode viabilizar à melhora da capacitação dos agentes e gestores educacionais? Sim." OU Alguém dúvida?

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