Jeffrey Williamson: “A vontade política é crucial para reduzir a desigualdade

Em entrevista a ÉPOCA, o historiador econômico, professor emérito da Universidade Harvard, analisa a realidade e as perspectivas da desigualdade social na América Latina. AULA O historiador econômico Jeffrey Williamson dá palestra na FEA, em São Paulo. Ele defende que o investimento na educação seja um dos principais no combate à desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres.
O historiador econômico Jeffrey Williamson é um fenômeno de produção literária. Em 47 anos lecionando nas universidades Vanderbilt (1961 a 1963), Wisconsin (1963 a 1983) e Harvard (1983 a 2008), ele escreveu 24 livros e publicou mais de 200 artigos. Em julho de 2008, aposentou-se como professor emérito das últimas instituições, mas continua pesquisando e ministrando palestras e cursos em diversos países.Aos 74 anos, esse nativo de New England se diz um “liberal reclamão”, mostra descrença sobre a possibilidade de a economia americana e mundial ser reformada após a crise e lamenta não ter estudado “a vida toda” a desigualdade social, assunto ao qual tem se dedicado.Na semana passada, enquanto ministrava o curso “Crescimento, Desigualdade e Globalização em Perspectiva Histórica” na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), Williamson conversou com ÉPOCA sobre a situação e as perspectivas da desigualdade social na América Latina e no Brasil.
ÉPOCA – No artigo “Cinco Séculos de Desigualdade na América Latina” o senhor contraria a tese de que a região sempre foi uma campeã da desigualdade e diz que a diferença de renda entre os mais ricos e os mais pobres era menor que a da Europa antes da Revolução Industrial. A desigualdade só teria começado a crescer no fim do século 19 e explodido no início do século 20. O que causou o crescimento da desigualdade?Jeffrey Williamson – Essa é a pergunta mais difícil. O que distingue a América Latina de seus competidores da América do Norte e da Europa é que estes locais viveram uma revolução com o surgimento do Estado de bem-estar social e com a queda abrupta da desigualdade social nos anos 40, 50 e 60. Foi um período de mudanças dramáticas, que a América Latina perdeu.
ÉPOCA – Por que a região não participou dessas mudanças?Williamson – São duas razões. A primeira é que não havia a mesma vontade política, ou demanda política se você preferir, para instituir essas mudanças, afinal na Europa e na América do Norte as classes trabalhadoras tinham poder de voto e pressionavam muito pelas reformas, que foram favoráveis àqueles que estavam no patamar mais baixo da distribuição. Enquanto isso, o Brasil, o México e outros países não escolheram essa rota. Agora as diferenças estão claras. As nações industrializadas têm, por exemplo, uma distribuição de educação muito mais igualitária que os latino-americanos, e sabemos que isso é muito importante na distribuição de renda. A segunda razão tem a ver com as estratégias políticas e econômicas daquele período. A política de Industrialização de Substituição de Importações era antiglobal, mas também antimercado dentro do país. Isso tendia a favorecer sindicatos e burocratas e tendia a aumentar os ganhos dos que já estavam em posições muito favoráveis, como grandes produtores rurais. Isso aumentou ainda mais a distância entre ricos e pobres. Para piorar, a América Latina chegou ao século 20 com um nível de desigualdade incrivelmente alto.
ÉPOCA – Como o senhor vê o futuro da desigualdade?Williamson – Se você me perguntar sobre a desigualdade entre os países, a resposta é que vai diminuir. Com nações como China, Índia, Brasil e Indonésia, com grandes populações, crescendo de forma significativa, a tendência é que a diferença de renda caia. Mas dentro dos países a situação é diferente. Os Estados Unidos, por exemplo, desde os anos 70 têm visto a desigualdade crescer e isso deixou uma marca na política. A política afeta a desigualdade social e a questão é como você vai mudar isso? É complicado. Basta ver como o presidente Barack Obama, presidente do país mais rico do mundo, tem dificuldades para aprovar uma legislação que propõe um sistema de seguro de saúde para os mais pobres, como o que existe na Europa. O debate é dirigido politicamente, ele não vai conseguir o que quer e terá que esperar alguns anos. Essas coisas demoram para mudar. Você é brasileiro e eu não, mas a política é sempre igual. É difícil mudar as atitudes e criar, por exemplo, um sistema de educação que seja acessível aos mais pobres e aos moradores das áreas rurais. Se essas crianças não tiverem boa educação, não chegarão a lugar algum.
ÉPOCA – O Brasil é um grande exportador, pode se tornar um grande produtor de petróleo, a economia parece mais confiável, mas a desigualdade ainda é um problema gravíssimo. O senhor diria que esse é um momento ideal para agir contra a desigualdade?Williamson – É um país mais rico, que está crescendo e o impacto da recessão foi menor do que na maioria dos países. Isso mostra que o Brasil está em uma posição para agir contra esse problema, mas ter os recursos não é crucial. O que é crucial é ter vontade política. O Brasil tem vontade política para isso? Eu não sei.
ÉPOCA – O Brasil convive com o ditado irônico de que “é o país do futuro e sempre vai ser”. O senhor acha que o Brasil tem, finalmente, a chance de ser o “país do futuro”?Williamson – O Brasil já é o país do futuro. O Brasil e o México são, como sempre foram, os líderes da América Latina. Como turista, após visitar a Cidade do México, ao vir para São Paulo é possível ver que a cidade é muito mais rica do que a capital mexicana. É mais vibrante, a economia funciona melhor. Eu não conheço tão bem o resto do país, mas essa comparação sugere que o Brasil está em uma posição mais favorável. Além disso, o Brasil não tem os fardos de ter os Estados Unidos como vizinho. Outra comparação importante é sobre o petróleo. O México nacionalizou sua indústria petrolífera há muito tempo, e não deu muito certo. Ela é muito improdutiva e a renda, que é crítica para o governo, está desaparecendo. O Brasil deve ter muito cuidado para não fazer a mesma coisa. É preciso tirar partido das forças privadas para ter certeza de que o Estado e a população ganhem o máximo possível desses recursos e que eles sejam distribuídos, em vez de ficarem nas mãos de alguns poucos.
ÉPOCA – Existe uma receita para reduzir a desigualdade?Williamson – Não, não existe. Cada país fez de sua maneira, alguns nunca fizeram. Para vários países, principalmente entre os industrializados, houve reversões nas últimas décadas, muitas motivadas por forças do mercado, que acabam por premiar algumas pessoas em detrimento de outras, criando mais desigualdade. Em alguns países as pessoas dizem: ‘a desigualdade é uma pena, mas temos que deixar o mercado funcionar’ e outros dizem ‘eu não confio tanto no mercado, e quero intervir para redistribuir’. Mas o ponto é que há forças sobre as quais o país não tem controle que podem influenciar. No caso do Brasil, por exemplo, quando há um boom no preço da soja, quem ganha é o grande produtor, e não o pequeno agricultor. É bom para a economia do país, pois amplia a entrada de moeda estrangeira, aumenta a arrecadação do governo, mas a maior parte dos ganhos vai para quem está no topo. Mas se houver um boom na demanda pelos manufaturados feitos no Brasil, o emprego cresce e há uma influência um pouco mais igualitária. Há vários fatores internos, como a qualidade da educação e o nível de intervenção, que atuam sobre a desigualdade, assim como fatores externos como os citados. ÉPOCA – O senhor sempre cita a educação como fator importante neste debate. Qual é o papel dela para reduzir a desigualdade?Williamson – É fundamental, especialmente a longo prazo, em um período de duas, três gerações. Se a educação for correta, ela capacita jovens para migrar, ir para as cidades, procurar empregos melhores. Eles podem melhorar suas habilidades e ganhar melhores salários, em vez de serem excluídos do mercado por serem analfabetos. Mas apenas manter as crianças na escola não é suficiente. Por acaso estamos mandando os melhores professores para dar aulas às crianças mais pobres? Acho que não. Como você muda isso? É muito difícil.
ÉPOCA – Existe um grande exemplo de um país que reduziu muito a desigualdade?Williamson – Há as revoluções sangrentas, como as de Rússia, Vietnã e China, mas é possível fazer isso sem banhos de sangue! Os grandes exemplos foram os que ocorreram entre as décadas de 1920 e 1950 na América do Norte, na Europa e na Austrália. Foram mudanças muito profundas de distribuição de renda, implementadas por sistemas progressivos de impostos, intervenção pública na educação para torná-la acessível. Todos esses dispositivos que hoje muitos desprezam foram introduzidos em um determinado período de tempo na primeira metade do século 20 e tiveram um resultado espetacular. Não ocorreu da noite para o dia, levou três décadas. E as taxas de crescimento eram espetaculares, então parece que esse tipo de prática não afeta o crescimento, pelo contrário.
ÉPOCA – Como o senhor avalia os governos de esquerda da América Latina, como os de Hugo Chávez, na Venezuela, e Evo Morales, na Bolívia? Eles fazem algo para diminuir a desigualdade?Williamson – Chávez… eu não sei. Mas é claro que a América Latina se lembra do fim da era Substituição de Importações, quando foi persuadida pelo resto do mundo a mudar seu posicionamento político-econômico. Os países fizeram isso a partir dos anos 1970, se abriram, se tornaram pró-mercado e os resultados não foram positivos como todos esperavam. Por isso é possível entender que exista preocupação com os efeitos da globalização. E essa era uma reação previsível que emergiu. Eu não me surpreendo pelo fato de vários países terem trocado governos de direita pela extrema esquerda, mas não acho que a América Latina vai nessa direção. O Brasil certamente não vai virar a Venezuela. E ninguém vai assumir a posição de Cuba, que é um fracasso social. Vai ser algo no meio do caminho. Na América Latina vai emergir uma mistura que é latina e que serve à América Latina, diferente da que existe nos Estados Unidos e na Europa. E não há problema nenhum com isso.
ÉPOCA – Os líderes mundiais estão tendo dificuldades para implantar novas normas de regulação para a economia, aspecto apontado como fundamental para a crise atual. O senhor acha que há um risco de nada ser feito para prevenir futuras crises?Williamson – Eu tenho uma visão desanimadora sobre isso. O impacto dos lobistas é tão forte que às vezes eu penso que estamos perdendo a democracia como resultado disso. Vamos novamente ao exemplo do novo sistema de saúde que Obama quer implementar nos EUA. A legislação foi proposta pelo partido Democrata, que está no governo, então seria correto imaginar que eles conseguiriam aprovar a lei. Mas os lobistas, desde o início, têm atirado contra a nova lei. Os lobistas são os médicos, que temem que sua renda será corroída. Bom, é óbvio que ela vai ser corroída [se o plano for aprovado]! É isso que queremos! Também fazem lobby as empresas de plano de saúde, que verão seus lucros diminuírem. Essas duas forças se mostraram muito fortes e o que vai ser aprovado é muito mais modesto do que o projeto inicial. Estou pessimista sobre todas as possíveis políticas que poderiam ser colocadas em prática para mudar o rumo dos Estados Unidos.Fonte: Revista Época

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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