Ser universitário negro

 O relato abaixo ocorreu na Universidade Estadual de Londrina, em julho de 2010. Não se refere ao passado de nosso país, mas a um exemplo – infelismente – cotidiando. O irônico é o nome do livro que estava sendo entregue “O genocídio do negro brasileiro”. Trata-de de um relato denúncia realizada pelo Blog Coletivo pró-cotas. (coletivoprocotasuel.blogspot.com)
No dia 27 de julho de 2010, no campus da Universidade Estadual de Londrina, André Luis Barbosa dos Santos, negro, após entregar o livro O Genocídio do Negro Brasileiro, na biblioteca setorial do CLCH emprestado por Mariana Ap. dos Santos Panta, profissional do Projeto LEAFRO – Laboratório de Estudos e Cultura Afrobrasileiros, da mesma Universidade, percebeu uma movimentação por parte dos seguranças e ouviu pelo rádio dos mesmos “O suspeito acaba de sair da biblioteca”. Sendo abordado por 12 seguranças que estavam de motocicleta, carro e a pé. Um dos seguranças de nome Mauro questionou André acerca do que ele estaria fazendo na Universidade, nesse momento surgiu um aglomerado de pessoas incluindo um funcionário da UEL que tentou intervir naquela situação e ouviu do mesmo segurança para calar a boca e voltar ao trabalho. André começou argumentar que ele poderia, sim, estar dentro da universidade, disse aos seguranças “Eu não posso ser um negro dentro da universidade? Eu só vim entregar um livro; eu poderia ser um estudante, mas por que fui confundido com um bandido? Por que sou negro?”. Os seguranças afirmaram que havia acontecido o roubo de um celular dentro do campus e que André se encaixava no perfil do assaltante, essa afirmação se deu em um tom de acusação, fazendo a situação vexatória, humilhante e constrangedora. Os seguranças se confundiram ao tentar enquadrá-lo no perfil, dizendo que a bicicleta do assaltante era amarela como a de André, mesmo a bicicleta de André sendo vermelha. Quando André tentou ligar para a polícia, um dos seguranças retirou seu crachá do bolso, colocando-o no rosto de André, no sentido de intimidá-lo, dizendo “se quiser fazer alguma coisa, ta aqui meu nome, corra atrás de seus direitos. Eu estava fazendo meu trabalho.” Mesmo muito nervoso e até mesmo chorando, André continuou a argumentação, então, os seguranças perceberam a dimensão do ocorrido e dispersaram sem pronunciar nenhuma palavra mais. André foi chamado para conversar dentro da biblioteca, recebeu apoio de alguns funcionários que concordaram que aquela situação havia sido grave e se dispuseram a testemunhar. Outra funcionária da biblioteca, mesmo mostrando ter compreendido a situação, pediu a André que este não tornasse público o ocorrido e para que o caso fosse abafado.
Indignado, André se dirigiu à delegacia para registrar o fato. No caminho, recebeu uma ligação da Reitora da Universidade, Nadina, pedindo desculpas pela situação e pedindo para que eles se encontrassem em seu gabinete, no mesmo dia, para uma conversa. Essa conversa se deu no sentido de um pedido de desculpas por parte da Instituição e a Reitora mostrou-se compromissada com o caso.
Por meio deste relato gostaríamos de tornar público o ocorrido, para que a comunidade interna e externa possa estar ciente de que problemas de racismo ainda existem na nossa Universidade; gostaríamos também de propor que, a partir desse fato, as pessoas façam a seguinte reflexão: até que ponto essa universidade está preparada para receber os negros?!

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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