Conceitos Sociológicos em Expressões Cotidianas: as Classes sociais

 

Por Cristiano Bodart

Maria não tem classe! Ao gritar com João, perdeu, de vez, a classe que tinha”. Quem nunca ouviu afirmações como essa? Alguém poderia dizer que esta frase não faz sentido nos termos sociológicos. Que trata-se de uma expressão cotidiana que deriva do conceito de classe, porém de forma completamente deturpada. Eu diria que embora imprecisa, está estreitamente vinculada ao pensamento sociológico.

A primeira afirmativa [“Maria não tem classe!”], nos induz a afirmar que há um equívoco teórico-conceitual. É certo que todos os indivíduos inseridos na sociedade têm uma classe, ou seja, estão classificados socialmente. Nesse sentido, ter classe independe de comportamento ou qualquer outra coisas. Classe é uma categoria de “classificação” da sociedade de capitalista.
Existe mais de um critério de classificação de “classes sociais”. Na interpretação de corrente marxista*, os indivíduos, grosso modo, são classificados em classes sociais de acordo com sua posse ou não dos meios de produção. Tal classificação é mais usual, dentre outros motivos, pela maior facilidade de mensuração e classificação dos indivíduos, embora seja amplamente criticada. Numa interpretação de cunho weberiano a classificação dos indivíduos está ligado a questões para além da renda; considerando, por exemplo, a fama, “nome de família”, a educação.  Alguns weberianos se apropriaram do critério “poder” como critério de classificação. Se tomarmos diretamente as contribuições de Max Weber notaremos que a posição social está diretamente ligada a posição do indivíduo no mercado, ou seja, de seu controle relativo sobre bens e habilidades, assim como sua capacidade de produzir renda (WEBER, Max. Economia e Sociedade. 1922, p. 302 – 305).
Uma grande colaboração teórica para a classificação dos indivíduos, embora menos usual devido sua complexidade, vem do sociólogo, já falecido, Pierre Bourdieu. Para esse estudioso a classe social de um indivíduo é perceptível a partir de seu habitus. Por habitus entende, grosso modo, como a socialização mais duradoura e marcante na vida do indivíduo, a qual lhe dará uma predisposição à determinadas atitudes/ações [gosto, comportamento, valores, etc.].
A colaboração de Bourdieu nos fornece elementos para a compreensão da frase inicial, a qual atesta que Maria não tem classe devido ao fato de ter gritado com João.  O ponto inicial para compreendermos que tal afirmativa não é por completo descabida é entender que o locutor fala de um lugar; fala de dentro da classe que pertence. Ele, ao contrário do sociólogo, não se distancia dela [ou busca se distanciar]. Logo está querendo dizer que Maria está agindo de maneira inadequada à classe que ele pertence. Para esse indivíduo [locutor], o critério adotado para classificação está marcado pelo que Bourdieu percebeu ao estudar a sociedade capitalista: o habitus de classe.
Nesse sentido, notamos que afirmar que “Maria não tem classe” seria, na verdade, um julgamento de que Maria não pertence, por suas atitudes demonstradas, a classe do locutor. Este possivelmente pertencente a classe média ou alta da sociedade, já que dentre os indivíduos dessas classes gritar não seria resultado de seu habitus de classe.
A forma mais precisa seria dizer: “Maria não pertence a minha classe social, pois demonstra, ao gritar, ter outro habitus de classe!” De qualquer forma, notamos que mesmo em expressões cotidianas a Sociologia faz-se presente, ainda que imprecisa.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

8 Comments

  1. É, como um papel social…pensar no que as pessoas falam e reproduzem antes de entender o sentido, se tem sentido ou não me faz pensar de quando adquirimos percepções bem mais amplas sobre filosofia ou sociologia. Como por exemplo, na minha aula passada tivemos uma conversa bem legal na turma sobre o positivismo que esta ainda enraizado nos costumes do povo brasileiro, aquela vertente assistencialista que o positivismo abriu ao povo como um leque ainda mantém as pessoas presas em comodidades assistenciais e sem saber que isso tem origem de uma corrente filosófica. Tipo a parcela da população que se mantem vinculada por exemplo ao bolsa família e complementa sua renda de forma informal simplesmente para não perder o beneficio porque ele é de graça e isso ao mesmo tempo que mantem a pessoa presa a uma realidade que ela mesmo poderia modificar no ponto em que adquirisse o conhecimento minimo para impulsiona-la, também beneficia o governo atual que patrocina essa "distribuição de indignidade" ao povo que vai ficar feliz acreditando que já estão recebendo muito (a final o que é dado de graça que é considerado pouco para aqueles que vivem em constante humilhação social)e mantem os mesmos representantes no poder.
    Retomando o foco, achei muito bom o texto, porque faz com que a gente reflita em duas coisas:
    *A importância de saber a origem do pensamento;
    *A importância de refletir sobre a origem do pensamento que ficamos sabendo.

    Talvez se as pessoas tivessem condições ou buscassem saber porque as coisas são como são, acontecem como acontecem, em fim a origem do que elas mesmas pensam e se esta origem é o suficiente poderiam modificar até mesmo a curto e longo prazo os cenários pelos quais passam e pelos quais seus filhos passarão.

    Só o conhecimento e a reflexão podem transformar "a coisa".

    Mais uma vez parabéns pelo blog.

  2. Este assunto é muito importante e porém muito utilizado no vocabulário das pessoas. Primeiramente todas pessoas têm uma classe, independentemente da sua condição financeira. Podem ser ricos ou pobres, também "não ter classe social" está ligado a educação e cultura, por apenas não lhe dar-se bem, socialmente com este indivíduo.

  3. Em minha opinião ao dizer que Maria não tem classe, esta tendo um preoconceito, pois todos tem uma classe, mesmo sendo diferentes, eu acredito que porque ela gritou com aguém nao perderia a classe dependendo da situação em que ela se encontra, eu penso que dentro da nossa sociedade não deveria existir essa divisão de classes, porque todos são iguais e merecem respeito.

  4. esse assunto e muito importante pois trata de igualdade social não e só porque ela grito com o João ela não vai ter uma classe ou ser inferior que alguém todos nos temos classe sendo pobre ou rico somos todos iguais .

  5. Às pessoas ás vezes esquecem que todos nós pertencemos a uma classe! Só que no sentido do texto acima ele quis dizer, e eu pude entender que a mulher só por está gritando com o "João" perdeu a classe, ou seja, ela não poderia se expressar de acordo com as atitudes a ela apresentadas! E è isso, uma bobagem só, pois se a pessoas não tiver um respeito com o próximo como ela vai agir diante a uma sociedade?

  6. Hoje nos prendemos muito as classes sociais, ficamos muito ligados no que as pessoas demonstram ser, mesmo não sendo exatamente aquilo, no caso de Maria, ela pode realmente ser de uma classe social alta, mas devido ao seu comportamento, ela se dá os status de uma pessoa de baixa classe social.

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