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A ciência também pode ser usada para naturalizar as desigualdades sociais. Saiba como.


Teoria da Curva do Sino e a naturalização das desigualdades sociais
 
 
Você já ouviu falar da “Teoria da Curva do Sino”? Tal teoria defende, grosso modo, que negros e brancos têm QIs diferentes. Aponta que judeus têm, em média, um Quoficiente de Inteligência (QI) maior em relação as demais “raças”.  Afirma ainda que o QI dos brancos seria, em média, maior que dos negros. A teoria foi apresentada por James Watson e, posteriormente (em 1994), por Charles Murray e Richard Herrnstein na obra “The Bell Curve” (A Curva do Sino, Free Press, 1994). Em 2007, a Folha de São Paulo fez uma entrevista com Charles Murray (aqui), que apresentou suas ideias ligadas a eugenia.
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Nessa entrevista notamos contradições à teoria sociológica culturalista, aquela que defende que somos fruto de nossa construção cultural, a qual se dá por meio do processo de aculturação. A “Teoria da Curva do Sino”, herdeira do etnocentrismo e do eurocentrismo, utiliza-se de testes de QIs, os quais estão influenciados pelo estado de pobreza. Aqui consiste o erro metodológico: testar a capacidade intelectual de pessoas que viveram em contextos sociais diferentes (contextos degradantes e contextos abastados, com acesso a cultura, saúde e esporte) e depois comparar os resultados.

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Na entrevista dada a Folha de São Paulo, nota-se que o teórico se contradiz por várias vezes, reconhecendo a importância do contextos social e da experiência de vida de cada pessoa. Em sua entrevista existe, ao meu entender, um ponto merece ser levado em consideração: a questão de cotas raciais. Se reconhecemos que os problemas sociais estão ligados a situação social, não há motivos para termos cotas raciais, apenas. As cotas devem ser sociais (em primeira momento) e raciais (em segundo momento, mas não como definidor da cota). Ou seja, o indivíduo só poderá ser definido como cotista se sua condição social for desfavorável e a questão da cor da pele ser usado como um peso favorável sobre os brancos pobres, já que ser pobre negro é muito mais difícil do que ser pobre branco. Mas tal sistema de cota deve ser encarada como temporária e parte de outras políticas corretivas das disparidades de condições de acesso.
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Teorias como essa têm sido utilizada para justificar históricas explorações do homem sobre o homem. Para justificar o status quonaturalizando as desigualdades sociais, como se estas não fossem resultados de nossa excludente história política.

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Como citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. Teoria da Curva do Sino e a naturalização das desigualdades sociais. Blog Café com Sociologia. 2016. Disponível em:<https://cafecomsociologia.com/a-ciencia-tambem…e-ser-usada-para/>. Acessado em: dia, mês, ano.

 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

2 Comments

  1. Na maioria das vezes tentamos disfarçar nosso preconceito com teorias, frases religiosas e entre outras coisas, é interessante ver outros pontos de vista e tentar entender o que os outros pensam. Portanto devemos entender o mundo contemporâneo e nele não há mais sistema escravocata em que o negro é inferior ao branco e também a mulher submissa ao homem, precisamos quebrar pensamentos baseados em seno comum.

  2. Na maioria das vezes tentamos disfarçar nosso preconceito com teorias, frases religiosas e entre outras coisas, é interessante ver outros pontos de vista e tentar entender o que os outros pensam. Portanto devemos entender o mundo contemporâneo e nele não há mais sistema escravocata em que o negro é inferior ao branco e também a mulher submissa ao homem, precisamos quebrar pensamentos baseados em seno comum.

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