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Dica de aula: O museu como espaço de aprendizagem de Sociologia

Museu é uma das melhores experiências de pesquisa para estudantes do Ensino Médio

O museu como espaço de aprendizagem de Sociologia

Por Cristiano das Neves Bodart*

 

Sair do espaço escolar muitas vezes é visto pelos alunos como uma agradável quebra na rotina e isso pode ser aproveitado pelo docente para desenvolver atividades de Sociologia mais significativas para os alunos. Nessa postagem buscarei, a partir de uma experiência realizada com alunos do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas, apresentar possibilidades de uso do museu enquanto espaço frutífero para aulas de Sociologia. Relatarei a seguir como se deu essa visita e de que forma a aula de Sociologia se desenvolveu.

Os alunos chegaram ao museu apenas sabendo que eu iria mostrar a eles como dar aula de Sociologia em um museu. Ao chegar o guia os conduziu pelos espaços do museu narrando as histórias ali contidas e descrevendo as importantes peças expostas. Após a visita guiada, fomos para uma sala com cadeiras onde pudemos iniciar um diálogo. Nesse momento o guia foi dispensado e ficamos sós, alunos e professor (isso já havia sido previamente combinado com o guia). A aula de Sociologia deu-se início a partir desse momento.

Perguntei aos alunos como eles fariam para lecionar Sociologia naquele museu. As propostas que surgiram estavam mais próximas para uma aula de História, pois afirmaram que falariam do que foi exposto pelo guia. Mas não era uma aula de História que deveríamos ter, ainda que esta seja importante.

A partir desse momento comecei a problematizar algumas coisas, tais como:

  • Quem organiza o museu?
  • Quem escolhe o que deve estar ali presente e o que não deve estar?
  • Quem determina a ordem de importância dos fatos narrados?
  • Em outros termos, qual é o discurso presente no museu? Quem discursa?
  • Com quais interesses de quem produziu e organizou o discurso presente no museu?
  • A história contada poderia ser outra?
  • Se outros grupos não representados no museu fossem convidados a montar uma exposição histórica, o discurso seria o mesmo?

Como eu estava lecionando para alunos que serão futuros professores de Sociologia, enfatizei a importância de manter um olhar sociológico mesmo em espaços tradicionalmente propícios a aula de História ou de outra disciplina. A Sociologia tem seus interesses e abordagem próprias que precisam ser pauta das aulas. 

A partir dessas questões tratei com os alunos questões relacionadas a dominação, a estratificação social, a “invenção da história”, e o papel do discurso na legitimação de uma dada disposição social.

Feito essa abordagem fiz a leitura do poema de Bertolt Brecht, “Perguntas de um trabalhador que lê” para encerrar a aula. Segue o poema:

Perguntas de um trabalhador que lê

Autor: Bertolt Brecht

Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas?

Nos livros estão nomes de reis; os reis carregaram pedras?

E Babilônia, tantas vezes destruída, quem a reconstruía sempre?

Em que casas da dourada Lima viviam aqueles que a edificaram?

No dia em que a Muralha da China ficou pronta,

para onde foram os pedreiros?

A grande Roma está cheia de arcos-do-triunfo:

quem os erigiu? Quem eram

aqueles que foram vencidos pelos césares? Bizâncio, tão famosa, tinha somente palácios para seus moradores?

Na legendária Atlântida, quando o mar a engoliu, os afogados continuaram a dar ordens a seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.

Sozinho?

César ocupou a Gália.

Não estava com ele nem mesmo um cozinheiro? Felipe da Espanha chorou quando sua frota

naufragou. Foi o ú́nico a chorar?

Frederico Segundo venceu a guerra dos sete anos. Quem partilhou da vitória?

A cada página uma vitória.

Quem preparava os banquetes comemorativos? A cada dez anos um grande homem.

Quem pagava as despesas?

Tantas informações.

Tantas questões.

***

* Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), atuando no curso de Licenciatura em Ciências Sociais e na Pós-graduação em Sociologia dessa mesma instituição. Dedica-se aos estudos dos Movimentos Sociais e ao Ensino de Sociologia.

 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

2 Comments

  1. Saudações!
    Muito legal o seu artigo! Gostaria de compartilhar com o professor e com os leitores desse blog um artigo que eu (sociólogo) e uma colega antropóloga fizemos sobre essa temática (sociologia e museu). Mas falamos, mais especificamente, sobre museu militar. Segue ele:

    https://www.academia.edu/31805694/O_PATRIM%C3%94NIO_E_O_ENSINO_DE_SOCIOLOGIA_APONTAMENTOS_A_PARTIR_DA_TEM%C3%81TICA_VIOL%C3%8ANCIA_E_O_MUSEU_MILITAR

    Atenciosamente,

    Ricardo

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