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A sociologia no conta-gotas: a questão da carga horária da disciplina

A sociologia no conta-gotas…a disciplina Sociologia, recém-incluída no currículo em caráter obrigatório, tem sido implantada de maneiras diferentes em vários sistemas de ensino.  Em muitas regiões, tal disciplina tem sua carga reduzida a apenas uma aula por semana em cada série do Ensino Médio, ou seja, vem sido dosada a conta-gotas. Pretendo discutir neste texto qual a o impacto da carga horária reduzida da referida disciplina no processo de ensino-aprendizagem e quais seriam as consequências para o desenvolvimento do pensar sociológico.
Em primeiro lugar, a disciplina não está isolada no currículo. Ela é componente curricular de um perfil de formação que se deseja para o aluno. Em alguns lugares, ela teve carga horária reduzida. Creio eu que reduzir sua carga horária não constitui estratégia de valorizar as demais matérias ditas “mais importantes”, uma vez em aulas de sociologia é também trabalhado questões de expressão, escrita, argumentação e lógica. Assim, o líquido dessa conta-cotas também se mistura com outras substâncias (as outras disciplinas) e não é heterogêneo.
Em segundo lugar, o desenvolvimento do pensamento crítico demanda um intervalo de tempo. Ao meu ver,  a quantidade de aulas destinadas a sociologia é insuficiente para tal em razão do ciclo de pensamento dever ser encadeado de maneira progressiva, sistemática e continuada.  Uma aula “perdida” por semana faz com que o aprendizado seja truncado, interrompido e mecânico, paradoxalmente, lógica de pensamento a qual tanto criticamos ao nos debruçarmos na escola de Frankfurt. Em outras palavras, analisamos que o discurso fragmentado traz prejuízos a comunicação e estamos inseridos neste contexto.
Outra implicação do pouco tempo para disciplina repercute na esfera do trabalho. Alguns professores, como no meu caso, para cumprir toda a carga horária a qual foi contratado, precisa lecionar em 18 turmas. Além de cansativa rotina em sala de aula, o professor acaba tendo seu trabalho precarizado por ter que prestar auxílio individual para quase 500 alunos, preencher diários, corrigir atividades individuais, provas, etc. O professor, por conta da sua condição de trabalho tem  sua motivação comprometida e, por conseguinte, comprometendo o processo de ensino-aprendizado.
Com todas as questões técnicas, burocráticas e administrativas inerentes do cargo de professor o seu tempo de leitura fica comprometido. Como se não bastasse a demanda de tempo para atividades dentro de sala de aula, a enxurrada de atividades tecnicistas extra-classe que exaure boa parte da criatividade do professor. A demasia de aulas de duração reguladas a conta-cotas faz com que a rotina funcione como uma esteira de produção a qual não dá oportunidade para criatividade. Nesse sentido, o tecnicismo passa ser o grande senhor do processo.
Então como ter imaginação sociológica sem ensejo para criatividade? Como arrumar tempo até para fazer uma pós-graduação e aprimorar sua qualificação? Pensando Domenico De Masi, tal
sujeito, sem nenhum ócio criativo, acaba se decepcionando com sua profissão, correndo o risco de findar sua identidade por conta da sua própria condição precária de trabalho e ao mesmo tempo tendo o relógio como grande algoz e objeto de reflexão. Tal relógio é justamente contado a partir das gotas controladas neste processo. A sociologia no conta-gotas estaria sendo controlada para que não tenhamos nenhuma overdose de reflexão?
Por Roniel Sampaio Silva
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