Cristiano Bodart em manifestação por demandas locais. Junho de 2013. Piúma/ES |
Existe uma “lógica” nos principais protestos que vivenciamos no Brasil? Reformulando a pergunta de forma mais precisa: “ existe(m) padrão(ões) de atuação nesses movimentos sociais? Tal indagação geralmente é a base para a reflexão sociológica entorno dessa temática. Tentarei introduzir, preliminarmente, uma reflexão a respeito.
O sociólogo americano Sidney Tarrow, em seu livro “Power in Movement”, de 1998, apontou brilhantemente que “o que varia muito no tempo e no espaço são os níveis e tipos de oportunidades com que as pessoas se deparam, as restrições em sua liberdade de ação e a percepção de ameaças a seus interesses e ações”. A partir dessas premissas encontramos a “Teoria das Oportunidades Políticas”, cujo pilar está nessas variações apontadas por Tarrow.
A “Teoria das Oportunidades Políticas” corrobora para compreendermos que os
movimentos sociais afloram em contextos históricos propícios ao confronto político. No caso do Brasil, vive-se um momento de oportunidade política marcado por características construídas nos últimos anos, as quais são fundamentais para que os protestos ocorram e se multiplique. Apresento algumas das características que compõem o contexto de oportunidades: 1) maior liberdade de expressão, seja nas artes, nas ruas ou nas redes sociais; 2) maior acesso a informação, especialmente motivado pela ampliação do acesso a internet e ao sistema educacional, ainda que de qualidades duvidosas; 3) a “grande mídia”, embora ainda conservadora, colabora para a visibilidade dos movimentos, o que incentiva outros grupos; 4) maior tolerância do Estado em relação aos movimentos de protestos; 5) o desenvolvimento de protestos pacíficos.
Essas características da realidade atual contribuem para que os movimentos surjam e se multipliquem. Não é a corrupção, os altos impostos, o valor da passagem, a falta de representatividade política e a desigualdade social que possibilitaram tais movimentos eclodirem e se manterem, mas as oportunidades políticas; haja visto que tais problemas já estavam postos.
A lógica de atuação dos movimentos está ligada as oportunidades políticas atuais. Atualmente tais oportunidades abrem caminhos para a ações pacíficas e de cunho bastante coletivo. Ainda que grupos sejam afetados negativamente por tais protestos, o cenário é favorável à tolerância e ao discurso de “um mundo mais justo” e “uma política mais limpa”. Tal tolerância se limita à determinadas atuações, o que a literatura especializada chama de “repertórios de confronto político”.
O conceito de “repertórios de confronto político” remete a um jogo que envolve tradição e inovação na definição da ação coletiva, uma vez que as ações de confrontos políticos representam o acúmulo de lutas passadas que são continuamente re-significadas no presente de acordo com as necessidades que os grupos julgarem existir. Há repertórios que são eficazes em determinados contextos de oportunidades políticas, outros não. O caso do conflito violento parece não ser “bem visto” atualmente no Brasil, nem mesmo pelos agentes dos movimentos sociais.
Os repertórios têm se re-significados a partir de experiências passadas, especialmente das pacifistas e dos movimentos pós-materiais, tais como os movimentos contra o preconceito e em defesa do meio ambiente. Os movimentos pós-materiais anteriores tinham a capacidade de agregar indivíduos de classes sociais diferentes em uma mesma luta, porém quase sempre não se caracterizando como um embate com o Estado, tratando-se de ações de conscientização dos cidadãos. Esses movimentos criaram redes agora acionadas, utilizando-se do aprendizado em agregar indivíduos de diversas classes sociais.
Grosso modo, os atuais movimentos sociais são marcados por repertórios forjados anteriormente, somados às condições atuais de mobilizações “permitidas” pelas oportunidades políticas, tais como passeatas pacíficas, uso de cartazes, faixas, pinturas nos corpos, palavras de ordem e bloqueios temporários de avenidas.
Não sabemos até onde ou quando se dará esse ciclo de confronto, mas certamente estamos em um contexto que pode e deve ser aproveitado para que consigamos ganhos sociais e políticos substantivos, seja na esfera local, estadual ou federal.