Interdisciplinaridade e o cão sem raça definida

interdisciplinaridade
Interdisciplinaridade é a integração de ideias, métodos e teorias de diferentes disciplinas ou campos de conhecimento para a compreensão de problemas complexos ou questões amplas. Ela envolve a colaboração entre profissionais de diferentes áreas de especialização e a utilização de uma ampla variedade de perspectivas e abordagens para abordar um problema ou questão. A interdisciplinaridade pode ser usada em muitos contextos, incluindo a pesquisa, a educação e a resolução de problemas práticos na vida cotidiana. Para refletir sobre essa questão, elaborei uma pequena crônica sobre o assunto.
Por Roniel Sampaio Silva
Certa feita, um cão rumava às margens das convenções. Este era determinado, astuto e experiente, porém o canino tinha uma trajetória, para muitos, conturbada. Tal flâneur – filho de pastores alemães premiados e conhecidos – era desdenhado tão somente porque não se reconhecia nem como Pastor Alemão, nem Fila Brasileira, nem Terrier ou Chihuahua. Embora não tivesse aberto mão da referência de seus pais, buscou reconhecer-se como cão. O seu cosmopolitismo não lhe deixava isolar-se em si ou entre o exotismo. Era muito solícito e conversava com todos independentemente de raça ou matilha, entretanto, os demais cães – territorialistas – o viam com desconfiança e ameaça. Sempre que seus espaços eram visitados pelo andarilho, este era prontamente enxotado sob alegação de não pertencer àquela matilha.
Embora suas raízes fossem de pastor alemão, ele poderia transcendê-las de maneira a comungar de várias matilhas simultaneamente à medida que peregrinava. Indubitavelmente sua felicidade estava no nomadismo. Afinal, ser pastor alemão implicava numa religião e uma nacionalidade. Ele queria apenas ser um cão e trilhar seu caminho ao caminhar. Inventar e reinventar percepções e habilidades: caçar, pescar, correr e farejar sem especializar-se na habilidade da raça, cujo competência era pautada no crivo disciplinar da matilha.
Desse modo, para cada necessidade e vontade far-se-ia uma visita para cada matilha diferente.Paradoxalmente, na medida em que ele passeava e sentia-se integrantes as elas mas estas o boicotavam. Sua condição de vida lhe tendencia a reconhecer-se “Canino” em condição de vida simular aos outros. Ele reconhecia as diferenças e também o elo canino que os caracterizava.
No mundo havia muitas matilhas, cada uma com sua singularidade. Tais matilhas dedicavam-se demasiado tempo ao combate entre si uma vez que não se reconheciam mais como cães, reconheciam-se tão somente como dálmata, labrador etc.
O Fato do canino não se associar a uma matilha o fez pagar o preço do ostracismo. Afinal, não existia maior estigma do que ser conhecido como “CSRD”: Cão Sem Raça Definida. Lamentavelmente, foi assim que o “Canino” ficou conhecido. Embora ele quisesse existencialmente ser o mais cosmopolita dos cães, passear entre todas as matilhas para entranhar experiências, habilidades e impressões sob os vários pontos de vista, o preço pago por ele foi ficar à margem nas taxonomias de modo que acabou por ser categorizado pelo afã dos outros como “cão sem raça definida” ou vira-latas por não se enquadrar em nenhuma raça. Interdisciplinaridade.
Tamanho foi o estigma que ele passou a ser o perseguido pela inquisidora carrocinha, cujo trabalho fatídico se resumia a capturá-lo, categorizá-lo, encarcerá-lo junto aos demais cães de outras raças na esperança que um dia ele se fidelizasse restritamente à este grupo. Num desses momentos de perseguição, a leitura das contradições da realidade fez o cãozinho perceber que havia forças externas as quais subjugavam os cães…
O cão se reafirmou cão pela sua labuta, diferente dos lobos, dos homens e dos cordeiros. Ele entendia que era diferente dos outros animais, mas ao mesmo tempo semelhante aos caninos. A suposta “vagabuntagem” lhe fez entender a totalidade da relação entre homens e cães.
Tanto mais os cães se fechavam em si, tanto mais eram presas fáceis para seus algozes até então ocultos.
Ao que parece, o cãozinho ainda sob ameaça de prisão, alguém está disposto a adotá-lo? Adore a interdisciplinaridade

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

4 Comments

  1. Obrigado pelo espaço Cristiano,
    Graças a seu blog tenho reavivado minha paixão pela escrita. Estou bem antenado ao seu blog. Ele têm me ajudado bastante e pensar como trabalhar a sociologia no Ensino Médio.

    Um abraço

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