Caso Charlie Hebdo: imperialismo, contracultura e resistência

Por Vanessa Mutti*
 
Contracultura diz respeito ao movimento de mobilização e contestação social que utiliza meios de comunicação de massa, para denunciar atitudes e situações que ferem a liberdade individual, a liberdade de expressão e a liberdade artística.
Alguns autores consideram historicamente o movimento hippie e o festival de Woodstock, que surgiram nos anos 60, como importantes movimentos que contestavam a ordem e os valores consumistas, mas também questionavam os valores etnocêntricos presentes nas políticas de guerra e na submissão econômica e cultural dos países desenvolvidos sobre as demais civilizações. Desde então é possível perceber diferentes movimentos de contestação e resistência em diversos lugares do planeta.
Dentro do processo globalizante das economias pelo Capital, assim como as economias nacionais, os valores e as subjetividades culturais veem sofrendo constante aniquilamento em prol de uma padronização de comportamentos e dados estatísticos. Cada vez mais é preciso atingir metas e índices conforme os princípios originários pelo american way life.
A falácia da existência de uma aldeia global, confirma o que fora denunciado pelo pensador e professor Milton Santos. De forma que a influência perversa e homogeneizante da cultura de massa enlatada e introjetada sobre as culturas locais reluzem nos novos movimentos sociais e populares de resistência e subversão cultural.
Hoobsbawn, nem o próprio Milton Santos, e tantos outros pensadores não puderam presenciar a revanche da contracultura através das mídias livres e redes sociais. (Provavelmente estejam em algum panteão a presenciar esse fio libertador e intragável na goela de todo tipo de conservadorismo).
Inúmeros foram os retrocessos, mas também foram os avanços.
O recente atentado ao escritório da revista Charlie Hebdo, revela a investida contra a liberdade de expressão e liberdade artística. Muito mais que um ataque à ousadia e subversão dos editores, o episódio mostra a ferida e a fragilidade dos valores ocidentais das nações herdeiras do iluminismo. É uma denúncia à vigente xenofobia que se revigora na armada reforma conservadora política das “principais” nações europeias e dos Estados Unidos.
O fenômeno foi assustador! Pulverizou um sentimento de insegurança e medo, mas também assinalou o ódio e a intolerância ao Islão e o povo árabe.
Ora, legitimamente (tsc), utilizamos a lente etnocêntrica para julgar o outro. Esse é o fundamento que está presente nos atentados terroristas. Porém, por outro lado, essa mesma lente, que converge ao meu cerne e minha noção de pertencimento e valores, é que chancela as ações dos Estados centrais a invadirem e interferirem diretamente nas nações fora de um padrão, dissidentes, desviantes por aspectos religiosos, sociais, culturais e econômicos.
Eles assinalam que é preciso reforçar a xenofobia, a homofobia, o preconceito de classe, o racismo e tantos outros preconceitos que desmerecem as minorias culturais e todo tipo de contrapadrão.
O neoimperialismo, presente e virtuoso, permanece como tábua de salvação para essas nações e povos desviantes. Essa preciosa justificativa esteve presente nas investidas contra o Vietnã, na ocasião dos movimentos de contracultura mencionados no início do texto. Entretanto, faz-se presente nas investidas contra o Golfo em 2001, na constante ocupação do Afeganistão, do Iraque, nas agressões à Síria…
Ao debruçar sobre o atentado e a repercussão da islamofobia, que agora parece ser um sentimento legítimo e terrestre, penso o que quão frágil e ameaçadas estão as nações e povos dissidentes. A intolerância é aviltada! A violência é justificada!
Somente os movimentos de contracultura, o ativismo, a deserção parecem ser formas de romper com a lógica imperialista. Mas em nome de que? Em nome de quem? Que sabedoria é essa que parece tão escassa ao julgar o outro? O estranho? O alheio? O feio?
Reiterar as ações abusivas e desrespeitosa contra as nações é reagir com a mesma cegueira é compactuar com o etnocentrismo e a intolerância.
Julgar, criticar ou defender Charlie Habdo? Que diferenças faz? Inocentes foram mortos. Civis, inclusive crianças, são mortos diariamente. Escolas e hospitais são alvejados. Como se apoiar numa ética super humana e dizer quem deve ser castigado? Qual povo é menos merecedor da vida? Da infância de suas crianças ou da velhice e história de seus antepassados?
 
*Professora de Sociologia – IFBA Campus Jequié

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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