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Conselho de Classe: uma análise sociológica do ritual secreto

 

Por Lisandro Lucas de Lima Moura[1]

Para quem não sabe, o Conselho de Classe é um ritual secreto e soberano que acontece ao final do período letivo das escolas. É quando nós, professores, munidos de documentos, planilhas, números enigmáticos, classificações diversas, nos reunimos para decidir a vida escolar, profissional e afetiva de jovens adolescentes matriculados na escola. Nesse caso, o poder do cerimonial serve para legitimar o professor como o indivíduo mais poderoso da hierarquia dessa micro-sociedade que é a escola. Por isso nós somos os únicos habilitados a participar do Conselho de classe. Esse mérito advém de algumas provas iniciáticas pelas quais passamos em nossa trajetória profissional.

Assim, sob as influências mágicas do ritual e do recital de Notas, podemos avaliar secretamente a trajetória acadêmica dos alunos e proferir algumas palavras depreciativas ou elogiosas de acordo com o desempenho do neófito. Raramente temos sucesso nas nossas evangelizações ou missões educativas, mas exigimos o máximo do aluno. Este é considerado um ser sem luz, aquele que não sabe, enfim, um bárbaro a quem devemos educar em troca de dádivas substanciais (também chamadas de salário). Educar significa, aqui, inculcar valores normatizantes provenientes dos saberes especializados da divindade superior chamada Ciência. Esses saberes são reorganizados pelo Ministério da Educação, uma espécie de divindade inferior, e transmitidos aos iniciados pelos professores, por meio de “aulas” ou slides em Power Point. Todo o ritual é protegido e garantido pelo Deus Instituição, a quem servimos com muita devoção. Todo professor que afronta o poder das divindades Instituição, Ciência e/ou Ministério, sofrerá algumas sanções. Por isso obedecemos e somos fiéis.

 

Normalmente, no Conselho de classe, sentamos em forma de círculo sagrado, de portas fechadas, e evocamos o nome do aluno para, com a ajuda dos computadores, classificá-los de acordo com valores morais: bom, ruim, fraco, forte, preguiçoso, interessado, participativo, inteligente, querido, chato, burro, bonito, sujo, e assim por diante. Classificamos também de acordo com os modos de agir, além de critérios psicologizantes: “tem dificuldade”, “problemas de atenção”, “não consegue aprender” etc.

Nossa arma simbólica e sagrada, a mais poderosa de todas, chama-se Reprovação Escolar. Ela corresponde ao nosso Totem. Quando alguém anuncia a reprovação de um neófito, nosso olho brilha, nosso poder aumenta, pois essa arma é a única que nos assegura algum tipo de status frente à completa falta de autoridade social que o nosso clã enfrenta na atual sociedade. Queremos que o nosso Totem vire Tabu, pois ele nos protege diante da genialidade dos estudantes, que resistem ao sistema de todas as formas. A violação do interdito provocaria um castigo divino. Por isso, a Reprovação é a nossa única garantia para nos mantermos na hierarquia superior do processo de ensino, diante dos poderes influentes da vida lá fora, que também educa.

A Reprovação é, hoje, a única razão de existência e de reconhecimento desses profissionais do Ministério da Educação, que servem ao Deus Instituição, contra as forças emergentes dos jovens estudantes. Estes estão cada vez mais bem sintonizados com o fluxo da vida contemporânea, e são possuidores de habilidades sociais refinadas e de muita sensibilidade. Esses jovens também são chamados de Rebeldes, Futuro do país, Índigos, Cristal, Geração Y, Z etc. Mas nós, professores, preferimos dizer “bárbaros”. Estudamos muito para chegarmos até aqui. Mas nosso salário (ou dádiva) não condiz com o importante trabalho que fazemos para a Nação e para o povo. Eis a nossa crença.

 

 

 

[1] Professor de Sociologia do IFSul Câmpus Bagé. Graduado em Ciências Sociais pela UFRGS e Mestre em Educação pela UFPel.

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