Crônica de um empregado desqualificado, mas coalizado

 

Por Cristiano Bodart

Acordou cedo, como não era de costume, e foi em busca de um emprego. Às 10 horas, madruga para Marcinho*.

Entrou em um escritório para uma entrevista agendada. Tratava-se de um contrato de 4 anos.
Senhor
Márcio, o senhor é formado em qual das ciências? És das Humanas, exatas ou
biológicas? Perguntou o entrevistador. Marcinho fica pensativo, a fim de
compreender a pergunta e então responde:

Sou formado não! Fiz apenas o Ensino Médio com
certa dificuldades, ficando algumas vezes de recuperação.

Mas faz leituras assiduamente para adquirir
conhecimento especializado?

Não senhor. Na verdade nunca li um livro
inteiro.

Domina algum outro idioma?

Não senhor.

É conhecedor da História e da cultura do Brasil
e da cidade?

Só sei o que aprendi na escola, quando garoto.
O
entrevistador passa a mão sobre a cabeça e lhe diz: Senhor Marcio infelizmente
o senhor não tem o perfil desejável para a função de guia turístico da empresa.
Lamento! Nossa preocupação é contratarmos pessoas qualificadas.
Passado
um ano, Marcinho arrumou alguns colegas, os quais foram o centro dos elogios
dele por dois meses.
Janeiro
do ano posterior, Marcinho acorda cedo, como não era de costume, e foi em busca
de um emprego na mesma cidade. Às 10 horas, madruga para Macinho.
Entrou
em um escritório para uma entrevista agendada desde agosto do ano anterior.Tratava-se
também de um contrato de

4 anos.
Senhor
Márcio, o senhor é integrante em qual dos partidos? És da coligação, oposição
ou indiferente? Perguntou o entrevistador. Marcinho fica pensativo, a fim de
compreender a pergunta e então responde:

Sou da situação! Fiz campanha ainda que com
certa dificuldades, ficando algumas vezes horas distribuindo panfletos  sobre o palanque.

Mas fez campanhas assiduamente para adquirir
conhecidos votantes?

Sim senhor. Na verdade fiz campanha para o
bairro inteiro.

Domina algum outro curral eleitoral?

Claro senhor.

É conhecedor da História e da cultura do Brasil
e da cidade?

Só sei o que aprendi na escola, quando garoto.
O
entrevistador aperta a sua mão e lhe diz: Senhor Marcio felizmente o senhor tem
o perfil desejável para a função de Secretário Municipal. É seu momento! Nossa
preocupação é contratarmos pessoas coalizadas.
* Em quase todo o município brasileiro tem um “Marcinho”. 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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