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Definição de saúde para a OMS

A definição de saúde proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é amplamente reconhecida como uma referência global para a compreensão do conceito. Segundo a OMS (1948), saúde não é apenas a ausência de doenças ou enfermidades, mas um estado de completo bem-estar físico, mental e social. Essa definição revolucionou a forma como a saúde é percebida, saindo de uma abordagem meramente biológica para uma visão mais holística e interdisciplinar.

Este artigo explora a definição de saúde da OMS sob uma perspectiva das ciências sociais, destacando suas implicações para políticas públicas, práticas médicas e a vida cotidiana. Serão discutidos os fundamentos dessa definição, suas críticas e desafios, além de sua relevância no contexto contemporâneo.


A Definição de Saúde da OMS: Um Marco Histórico

A definição de saúde adotada pela OMS em 1948 foi um marco histórico que refletiu mudanças significativas na forma como a saúde era entendida. Até então, o conceito de saúde estava predominantemente associado à ausência de doenças físicas, sendo tratado principalmente por meio de intervenções médicas e curativas (Czeresnia, 2003).

A nova definição trouxe uma abordagem mais abrangente, considerando não apenas aspectos biológicos, mas também psicológicos e sociais. Esse enfoque foi influenciado pelas transformações sociais e econômicas do pós-Segunda Guerra Mundial, quando questões como bem-estar coletivo, direitos humanos e equidade começaram a ganhar destaque nas agendas internacionais (Porto, 2010).

De acordo com Canguilhem (1995), a saúde deve ser entendida como uma condição dinâmica, que varia de acordo com as circunstâncias individuais e sociais. Essa visão alinha-se à definição da OMS, que enfatiza a importância de um estado de bem-estar integral, indo além da mera ausência de patologias.


Dimensões da Saúde: Física, Mental e Social

A definição da OMS destaca três dimensões fundamentais da saúde: física, mental e social. Essas dimensões são interdependentes e refletem a complexidade das experiências humanas em relação ao bem-estar.

1. Saúde Física

A saúde física refere-se ao funcionamento adequado dos sistemas corporais, incluindo órgãos, tecidos e processos metabólicos. No entanto, essa dimensão não pode ser compreendida isoladamente, pois está profundamente influenciada por fatores externos, como condições ambientais, acesso a serviços de saúde e estilo de vida (Mendes, 2007).

Por exemplo, indivíduos que vivem em áreas com alta poluição ou falta de saneamento básico tendem a apresentar maior incidência de doenças respiratórias e infecciosas. Isso demonstra que a saúde física está intrinsecamente ligada às condições socioeconômicas e ambientais.

2. Saúde Mental

A saúde mental é outra dimensão crucial da definição da OMS. Ela engloba o bem-estar emocional, psicológico e cognitivo, sendo essencial para a qualidade de vida e a capacidade de enfrentar desafios diários. De acordo com Foucault (2014), a saúde mental tem sido historicamente moldada por normas sociais e culturais que definem o que é considerado “normal” ou “patológico”.

Na contemporaneidade, questões como estresse, ansiedade e depressão têm ganhado destaque, especialmente em contextos urbanos e competitivos. A pandemia de COVID-19, por exemplo, exacerbou problemas de saúde mental em escala global, evidenciando a necessidade de políticas públicas que promovam o bem-estar psicológico (WHO, 2021).

3. Saúde Social

A saúde social refere-se à capacidade de um indivíduo se relacionar de forma positiva com sua comunidade e ambiente. Bourdieu (2007) argumenta que as relações sociais são mediadas por capital cultural, econômico e social, que influenciam diretamente o acesso a recursos e oportunidades.

Desigualdades sociais, como pobreza, discriminação e exclusão, podem comprometer significativamente a saúde social. Por exemplo, populações marginalizadas, como minorias étnicas e LGBTQIA+, frequentemente enfrentam barreiras que limitam sua integração social e, consequentemente, seu bem-estar geral.


Críticas à Definição da OMS

Apesar de sua influência, a definição de saúde da OMS tem sido alvo de críticas. Alguns autores argumentam que o conceito de “completo bem-estar” é utópico e impraticável, pois ninguém pode alcançar um estado perfeito de saúde em todas as dimensões simultaneamente (Callahan, 1973).

Outra crítica é que a definição não leva suficientemente em conta as limitações impostas por condições crônicas ou deficiências. Para Boorse (1977), a saúde deve ser entendida como a capacidade funcional normal de um organismo, independentemente de sua subjetividade ou contexto social.

No entanto, defensores da definição da OMS argumentam que ela serve como uma aspiração ética, destacando a importância de promover equidade e qualidade de vida para todos, independentemente de suas condições específicas (Porto, 2010).


Implicações para Políticas Públicas

A definição de saúde da OMS tem importantes implicações para políticas públicas, especialmente no campo da saúde pública e da promoção da equidade. Segundo Lalonde (1974), a saúde de uma população depende de quatro fatores principais: biologia humana, ambiente, estilo de vida e sistema de saúde.

Essa visão multidimensional orienta a implementação de programas que vão além da assistência médica tradicional, abrangendo áreas como educação, habitação, transporte e segurança alimentar. Por exemplo, políticas que promovem atividades físicas em espaços públicos ou que incentivam hábitos alimentares saudáveis contribuem diretamente para a saúde física e mental da população (Marmot, 2016).

Além disso, a definição da OMS reforça a necessidade de abordagens participativas, envolvendo comunidades locais na formulação e execução de políticas de saúde. De acordo com Freire (2017), a participação popular é essencial para garantir que as intervenções sejam culturalmente relevantes e eficazes.


Saúde e Determinantes Sociais

Os determinantes sociais da saúde são fatores que influenciam as condições de vida e bem-estar de indivíduos e populações. Segundo Wilkinson e Pickett (2015), desigualdades socioeconômicas estão diretamente relacionadas a disparidades em saúde, com populações mais pobres apresentando maior incidência de doenças e menor expectativa de vida.

A definição da OMS ressalta a importância de abordar esses determinantes para promover saúde de forma equitativa. Por exemplo, políticas que reduzem a pobreza, melhoram o acesso à educação e combatem a discriminação racial e de gênero têm impactos positivos diretos sobre a saúde física, mental e social (Braveman, 2011).

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorpora princípios alinhados à definição da OMS, como universalidade, integralidade e equidade. Esses princípios buscam garantir que todos tenham acesso a serviços de saúde de qualidade, independentemente de sua condição socioeconômica (Paim, 2012).


Desafios Contemporâneos

Na era contemporânea, a definição de saúde da OMS enfrenta novos desafios decorrentes de transformações globais, como mudanças climáticas, urbanização acelerada e avanços tecnológicos. As crises ambientais, por exemplo, têm impactos diretos sobre a saúde física e mental, aumentando a incidência de doenças transmitidas por vetores e causando estresse relacionado a eventos climáticos extremos (Harvey, 2018).

Além disso, as tecnologias digitais têm transformado a forma como a saúde é gerida e acessada. Aplicativos de monitoramento de saúde, telemedicina e inteligência artificial oferecem novas possibilidades para diagnóstico e tratamento, mas também levantam questões éticas e de privacidade (Floridi, 2015).

Finalmente, a pandemia de COVID-19 evidenciou a fragilidade dos sistemas de saúde globais e a necessidade de abordagens integradas que considerem as múltiplas dimensões da saúde. A crise destacou a importância de solidariedade, cooperação internacional e políticas baseadas em evidências científicas (WHO, 2021).


Considerações finais

A definição de saúde proposta pela OMS continua sendo um referencial fundamental para a compreensão e promoção do bem-estar humano. Ao enfatizar as dimensões física, mental e social, ela desafia abordagens reducionistas e promove uma visão holística e interdisciplinar da saúde.

No entanto, a implementação dessa definição enfrenta desafios significativos, especialmente em contextos marcados por desigualdades e transformações globais. Para superar esses obstáculos, é essencial adotar políticas públicas inclusivas, baseadas em evidências e sensíveis aos determinantes sociais da saúde.

Ao reconhecer a saúde como um direito humano fundamental, podemos trabalhar coletivamente para construir sociedades mais justas, resilientes e saudáveis, onde todos tenham a oportunidade de viver com dignidade e bem-estar.


Referências Bibliográficas

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