Democracia sim. Participação da sociedade não! Eis a lógica da elite.

Por Cristiano Bodart

 

O jornal Estado de São Paulo publicou um texto sem autoria identificável lançando ao vento aberrações típicas de uma elite que pouco se importa com maior parte do brasileiros. Me refiro ao texto “Mudança de regime por decreto”(ver aqui).
O texto afirma que a presidenta quer mudar o regime. Igualmente afirma que ela não deixou para o parlamento a decisão se devemos ou não ampliar a participação social na esfera federal, sobretudo de movimentos sociais. Afirma que a presidenta quer dar um golpe ao buscar via decreto ações de reforma política. Todas essas afirmativas me parecem ser verdadeiras. Que bom! Ruins são os interesses por trás dos que criticam tal ação.
Tenho muitas críticas a presidenta e a seu partido político, mas sua atuação nesse caso é de retirar de mim palmas. Palmas por se tratar de mudanças, ainda que pequenas, que maximizam a Democracia. O autor do texto, em síntese, defende uma coisa: A democracia representativa (exercida apenas pelo voto). Tal regime, em realidades como a brasileira, só beneficia a elite que possui condições financeiras de influenciar as decisões sem perder muito tempo com reuniões participativas e deliberativas com o povo. Deixar as decisões para o Parlamento é um caminho mais seguros para os lobbystas.
O incômodo que tal decreto (ver aqui o decreto) causa à elite está, basicamente, em dois pontos centrais:
1. No sistema puramente representativo a elite é beneficiada. Em um regime onde o financiamento de campanha é a base do sistema eleitoral, a representação da elite estará sempre garantida junto ao Parlamento. Mudar isso, pode vir a ser danoso aos seus interesses;
2. Participação direta e movimentos sociais “é coisa de pobre e classe média baixa desfavorecida”. A elite quer continuar participando das decisões políticas via lobby político. Ampliar a participação direta significaria ter que deixar as atividades da vida individualista para participar das questões coletivas e isso seria, na concepção de quem está em situação confortável, perder tempo e dinheiro.
Manter uma democracia sem a efetiva participação do povo é o que defendem os grupos [econômicos] de interesses que governam nosso país há anos. Aprofundar a democracia via maior participação é possibilitar a sociedade ter voz e aprender a ser mais politizada… o que não interessa a alguns, não é mesmo? Para que mudar o status quo, não é? Dizem defender a democracia, mas sem a participação do povo [se é que isso seja possível]. Pior que temos desfavorecidos concordando com tais aberrações. Esses são perdoáveis, porque não sabem o que fazem [a si mesmo].

 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

5 Comments

  1. O fato das elites repudiarem a participação popular remete as ideias de Tocquevile e Stuart Mill o qual remete a ideia de "ditadura da maioria". Para esses autores, a democracia precisava ser policiada para que as camadas populares não usassem do seu poder de maioria para atentar contra a propriedade privada e colocar em cheque os privilégios da minoria.

  2. No texto o que se repudia é tema jurídico, i.e. vulneração do princípio básico da igualdade democrática, especialmente via subvenção e controle de alguns movimentos sociais.

  3. Se você está levando em conta a realidade brasileira para criticar a democracia representativa, então deve-se levar em conta a realidade brasileira também ao analisar essa nova lei.
    Por que a democracia representativa não funciona? Porque a população, por N motivos, não fiscaliza o poder público. Quantas vezes você já marcou audiência com algum vereador de sua cidade ou prefeito apenas para perguntar o que ele anda fazendo? Se pelo menos 100 pessoas fizessem isso por semana, enchendo o saco deles, eles iriam fazer algo para mostrar serviço. Muita pouca gente trabalha por amor, geralmente tem que ter algo em troca, nem que seja pressão. Nos países onde a coisa funciona, como os nórdicos, funciona porque qualquer coisinha o povo tá batendo da porta do prefeito ou governador. Surgiu um buraco na rua, no mesmo dia tem gente na prefeitura para reclamar, e por aí vai.

    Pois bem, observando essa realidade brasileira, onde a população apenas reclama em facebook, ou os que reclamam fazem da maneira errada (como um movimento do PSTU aqui na minha cidade que estavam fazendo uma passeata contra o "capitalismo burgues imperialista dominante das elites" na frente da prefeitura, como se o prefeito fosse fazer alguma coisa em relação a isso), você acha que a população vai realmente participar disso, ou apenas pequenos grupinhos? No final das contas, o poder, que atualmente é da elite, vai ser dividido com esses pequenos grupinhos, e a população irá continuar a margem dessa porra toda…

  4. ..gostaria de saber se teria como me responderem essas duas perguntas…
    *é possível uma revolução e a criação de uma nova sociedade por meio da ação dos trabalhadores explorados?
    * é possível uma mudança na sociedade mediante açoes lentas e graduais por parte das instituições políticas existentes?

Deixe uma resposta