Desenvolvimento para quem?

 

Por Ana Nery Correia Lima

Hoje, ao entrar na minha página no facebook, me deparei com uma foto que me motivou a escrever esse texto. A frase que antecede a foto é a seguinte: “expansão mobiliária constrói periferia desigual”.

Fiquei refletindo então sobre os ideais de progresso a que estamos inseridos nesse país dito “em desenvolvimento”. Será que as iniciativas governamentais em direção ao desenvolvimento do país estão realmente preocupadas com a maior parte da população? Penso que já sabemos a resposta e não é de hoje….




 
 
 

 

A foto me fez refletir também sobre esse ideal desenvolvimentista iniciado no país, de forma mais intensa, na década de 70 e que acarretou problemas como o ilustrado na imagem acima. Sabemos, obviamente, que no caso brasileiro esses problemas advêm também e, sobretudo, do período pós “abolição” da escravidão, contudo gostaria de me deter no momento a esse ideal de desenvolvimento que tanto se propaga…

Essa categoria desenvolvimento começou a ser discutida após a Segunda Guerra Mundial, no final da década de 1940, trazendo como consequência para o mundo a bipolarização dos países em desenvolvidos, aqueles que possuíam progresso tecnológico e baixos índices de pobreza e, os subdesenvolvidos, que eram representados pelos chamados países do “terceiro mundo”, discurso influenciado, sobretudo, pelo presidente norte-americano Henry Truman, o qual categorizou como subdesenvolvidos os povos que não se encontravam no mesmo patamar de crescimento industrial e tecnológico dos Estados Unidos.
Após a Segunda Guerra a noção de desenvolvimento foi influenciada pelas teorias desenvolvimentistas encabeçadas, principalmente, por economistas que visavam promover desenvolvimento tecnológico, sendo isso visto como requisito prévio de uma democracia plena. A partir da década de 1970 as ideias neoliberais deram um maior fôlego às teorias de desenvolvimento. Estas eram orientadas por um caráter técnico circunscrito no âmbito econômico, mas que tinham consequências na área social.
Para além dessas questões discutidas no plano teórico, as reflexões sobre o desenvolvimento se afinaram fortemente no seio dos movimentos sociais. A influência dos chamados novos movimentos sociais que eclodiram na década de 70 foram fundamentais para se pensar outras reivindicações, novas formas de militância e outras reflexões sobre as necessidades dos grupos sociais diferenciados. Juntamente com essas novas configurações outras teorias a respeito do termo desenvolvimento surgiram como alternativas mais “coerentes” para se estruturar políticas que atendessem às particularidades dos grupos em questão.
Nese contexto surgem as adjetivações sustentável e responsável, para tentar dar conta das reivindicações e reflexões em questão. Nesse sentido o foco principal, a partir de então, seria o acréscimo do capital social, do fortalecimento das identidade étnica, ampliação do respeito às liberdades individuais e os projetos e políticas que visam o desenvolvimento. Desenvolvimento sustentável… hã????
Para tanto, analisar, construir ou reformular políticas de desenvolvimento, edificadas pelo Estado, consiste em perceber que elementos foram utilizados para construção desta, bem como perceber que sentido de desenvolvimento se pretende chegar com tal investida. Nesse aspecto deve-se colocar em questão o próprio conceito do termo desenvolvimento e em que contexto ele é utilizado, pois suas demandas devem estar entrelaçadas e ligadas às dimensões espacial, social, cultural e econômica.
Mas, então, se o fator humano deve ser levado em conta a partir desse novo movimento teórico e da pressão social, onde estão os elementos pensados a partir de uma prática de desenvolvimento responsável? Protocolo de Kioto, Rio 92, Rio + 20 e tantas outras investidas na tentativa de pensar o desenvolvimento mundial de forma mais qualitativa ficam onde quando olhamos com uma lupa para nossas cidades?
Percebemos, a cada dia, que políticas de desenvolvimento que sempre estão atreladas ao bom e antigo ideal de progresso não estão conectadas às necessidades da maioria da população. Estes vivem à margem de um ideal econômico ou inseridos nele, mas de forma equivocada e não benéfica. Somos levados a pensar que essas políticas nos beneficiam e que os programas assistencialistas são capazes de redimir as tensões causadas por esse sistema tão desigual ao qual estamos inseridos.
Festejamos a expansão mobiliária que fomenta o crescimento econômico e esquecemos de que muitas vezes vivemos nos “cortiços da vida” [para relembrar Aluísio de Azevedo], amontoados nas grandes ou médias cidades, engolidos pelos ideais e ideologias do sistema econômico vigente. Penso que a questão da ideia de desenvolvimento está longe de ser esgotada, mas que as iniciativas populares são importantes para tentar formar um contra discurso ao que está posto.
Em épocas de decisão “democrática” é preciso pensar que projeto de desenvolvimento os representantes pensam para nossas cidades…. a foto mencionada acima com certeza é fruto de um projeto desses, mas claro que beneficia uma parcela pouco numerosa de cidadãos.
REFERÊNCIAS
CUÉLLAR, javier Perez de. (org). Nossa diversidade criadora: Realtório da comissão Mundial de cultura e desenvolvimento. Campinas, SP: Papirus: Unesco, 1997.
BOTTMORE, Thomas. As elites e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1965
SILVA, Christian Luiz da, MENDES, Judas Tadeus Grassi (orgs.). Reflexões sobre o Desenvolvimento Sustentável: agentes e interações sob a ótica multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 2005.
HERMET, Guy. Cultura e Desenvolvimento. São Paulo: Vozes, 2002.
SILVA, José Domingos Cantanhede. Pobreza e desenvolvimento: o PCPR nas comunidades quilombolas. São Luís, s/a.
* Graduada em Ciências Sociais/UFM. Atualmente cursa o mestre em Ciências Sociais nessa mesma instituição. É editora do blog “Andarilha”.

 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

2 Comments

  1. Olá Ana primeiramente, parabéns pelo texto tenho que dizer que ressaltar que na minha opinião o paragrafo abaixo ficou perfeito em sua simplicidade:
    "Percebemos, a cada dia, que políticas de desenvolvimento que sempre estão atreladas ao bom e antigo ideal de progresso não estão conectadas às necessidades da maioria da população. Estes vivem à margem de um ideal econômico ou inseridos nele, mas de forma equivocada e não benéfica. Somos levados a pensar que essas políticas nos beneficiam e que os programas assistencialistas são capazes de redimir as tensões causadas por esse sistema tão desigual ao qual estamos inseridos."
    Digno de uma citação em trabalhos acadêmicos sobre "Questão Social" e outro assuntos.

    No que diz respeito a habitação popular gostaria de contribuir falando da minha experiencia pessoal, quando eu e meu marido decidimos morar juntos e alugamos vou falar de novo ALUGAMOS uma casa que teve sua origem financiada por um projeto de habitação popular em um bairro de periferia de uma cidade da grande Porto Alegre. A casa nos serviu por muito tempo até que notamos que já não cabíamos mais nela, (como disse a recém estávamos começando uma vida então para um casal com uma televisão, um fogão, uma geladeira, um colchão e alguns pertences pessoais estava maravilhosa)enfim, era uma casa de dois quartos sala cozinha e banheiro com uma pequena área na frente e mais ou menos um metro de corredores para circular em volta da casa, ficava no fim de um beco que possuía apenas duas casas. Tirando as violências domesticas que ocorriam "entre" alguns vizinhos com quem não tínhamos muita intimidade tivemos a sorte de não morar em uma das ruas mais violentas do Bairro (era uma das poucas ruas em que podia-se deixar a porta da casa aberta quando se estava em casa- embora os vizinhos mais antigos não recomenda-sem). Conforme o tempo foi passando e fomos adquirindo alguns bens materiais básicos começamos a fazer reflexões sobre as moradias populares desses programas assistencialistas, como por exemplo, na nossa cozinha cabia exatamente a geladeira, o fogão e o balcão da pia que já estava embutido e não cabia mais de uma pessoa nós nos perguntávamos: "onde a gente coloca o micro-ondas, o forno elétrico, onde podemos guardar o liquidificador? Onde vamos colocar um armário para guardar esses eletrodomésticos?" então vinha a constatação verbalizada em tom de brincadeira mas falando muito sério: " essa casa é feita para pobre e na época em que foi construída, pobre não tinha fogão, não tinha mesa, então não precisava de um espaço na cozinha maior do que aquele para colocar o fogareiro e um espaço em baixo da pia para colocar comida que de certo não seria muito", na sala com a chegada do sofá, da mesa da estante e do chiqueirinho do nosso primeiro filho também já não era possível ou posso dizer até mesmo agradável receber mais do que um casal de amigos, porque o espaço se tornava sufocante, o quarto que planejamos ser o quarto de nosso filho virou despensa e lavanderia, pois no resto da casa já não havia lugar para colocar computador, armários, maquina de lavar e essas coisas e o nosso quarto se resumiu a um corredor de acesso a um armário uma cama de casal e um berço. Já o carro posso dizer que não consta nenhuma cicatriz na lataria dele porque modéstia a parte meu marido era um ótimo manobrista e não entendo como conseguia guarda-lo sem arranhões naquela área minuscula da frente da casa… mas não esqueço o quanto tínhamos que nos espremer para passarmos por ele.


  2. Como você pode notar, das coisas que adquirimos e que nos obrigaram a nos mudarmos de lá, não está incluso nenhum item de luxo. São coisas que toda ou quase toda a população tem acesso hoje em dia. Essa casa foi construída a cerca de 30 anos atras quando a realidade das pessoas pobres no Brasil era outra mas no entanto vejo constantemente a construção de casas muito semelhantes aquelas (porém tenho a certeza pelas constantes reclamações que não vão ter uma durabilidade tão longa)enfim, qual real beneficio há uma família que sai de um lote invadido para morar em um lugar assim, estou falando de uma família, não de um casal como eu e meu marido, família já com seus dois ou três filhos. Não considero que o período que morei lá foi uma forma de vida indigna, mas com certeza se tivesse mais de um filho e os tivesse de submeter a uma moradia assim porque preciso da "ajuda" do governo para morar em um lugar que não tem esgoto a céu aberto como o lote invadido ou que não alaga no inverno enfim… acho que me compreendem se eu estivesse na situação de muitas famílias, com certeza me sentiria triste, humilhada socialmente por ter a mim sido dado um lugar de moradia onde já pre julgaram o espaço que eu preciso por subestimarem aquilo que eu posso ou não alcançar.

    Não tenho como ver essas habitações populares como um deposito de gente. Gente que incomoda alguém por estar onde está. Gente que tem que ser tirada da vista do turista, Gente que é vista como pessoas sem importância, capacidade e discernimento. Não tenho como não ver isso como ato de má fé, como moeda de troca de voto e jogo de interesse.

    Quero saber porque que nesses bairros o posto de saúde vem (ou começa a funcionar) anos depois que as pessoas já estão morando nas casas? Porque que os centros comunitários só vem depois do alto índice de violência? Porque que as casas se despedaçam em alguns anos de moradia?

    Queria saber porque entregam casas como sonhos realizados para depois esfarela- los por conta do cimento vagabundo e superfaturado?

    Isso é falta de respeito aos direitos básicos do ser humano.

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