Entrevista Joel Formiga*: Corrupção e Democracia

O Café com Sociologia, com exclusividade, entrevistou o mestre em Ciência Político/USP, Joel Formiga.

  

Café
com Sociologia: 
Professor Joel Formiga, inicialmente, o senhor pode falar um pouco da sua
trajetória acadêmica e política e como se deu seu interesse em estudar temas
relacionados à corrupção?
JOEL FORMIGA: Originalmente, sou
engenheiro mecânico pelo IME. Fiz uma carreira executiva, inclusive com um MBA
pela USP, e trabalhei em corporação multinacional. Quando alcancei um cargo de
direção na área de setor público, decidi iniciar uma migração para uma carreira
pública, um mix de gestão e política. O mestrado em Ciência Política foi
planejado como uma ponte entre essas duas carreiras, e aproveitei para estudar
o que mais me preocupava na vida pública: a corrupção política. Aí descobri
todo um mundo acadêmico, em que venho habitando hoje.
Café com Sociologia: A
corrupção é um tema amplamente estudado no Brasil? Como o senhor avalia a
relação entre intelectuais e a corrupção?
JOEL FORMIGA: Na verdade é pouco
estudado. Encontrei inclusive resistência ao eleger a corrupção como tema de
estudo – muitos professores me diziam que não dá para estudar um assunto tão
oculto, para o qual não existem dados. Ainda mais que eu me propus a estudar
corrupção em conjunto com Caixa 2 de campanha… mas eu insisti, e acredito ter
sido possível dar uma contribuição relevante, apesar de reconhecer hoje as
dificuldades que esses colegas me apontavam.
Café com Sociologia: É comum se falar que no Brasil há uma cultura da corrupção, ela
realmente existe do ponto de vista da ciência política? Em caso afirmativo,
como ela se desenvolve?


JOEL FORMIGA: Eu discordo da
linha de pensamento que atribui peso preponderante a essa questão cultural,
como se as instituições, entendidas como o conjunto de regras e a cobrança
sobre elas, não tivessem quase importância na prática da corrupção política.
Muitos políticos e partidos parecem inclusive querer acentuar essa percepção,
ao declarar que “isso sempre aconteceu no Brasil”, ou que “nosso partido é
igual a qualquer outro”, quer dizer, reforçam a percepção de que não há
alternativas viáveis. Desse modo, o descontentamento e desconfiança diante da
corrupção levam à apatia, ao
desinteresse pela política. Quer dizer, o
Brasileiro é sim tolerante à corrupção, mas na minha opinião não é porque ele a
aprove ou não ligue pra isso, mas apenas porque, pelo menos no presente momento,
não vê saída.
Café com Sociologia: Se por um lado as instituições políticas tem se mostrado
ineficientes para punir a corrupção a nível macro; a nível micro, as ações
cotidianas reforçam tacitamente a esfera macro. Qual dessas esferas tem mais
peso na dinâmica da corrupção no Brasil?
JOEL FORMIGA: É difícil
quantificar. Pensando por exemplo no orçamento da saúde, quanto chega realmente
em benefício para os pacientes da rede pública, na forma de médicos, leitos,
remédios e  tratamentos a preços justos, versus
o quanto é desviado em esquemas de corrupção ? 
E desse montante, quanto fica perdido no topo da cadeia, vítima de
grandes esquemas, e quanto acontece em pequenos roubos nas enfermarias ?  Embora não haja dados, é de se supor que seja
grande a perda, e que aconteça nos diversos níveis. Agora, quanto mais no alto,
no topo da pirâmide de poder, mais danosa é a corrupção para a qualidade da democracia,
pois distorce as políticas públicas como um todo, de forma mais abrangente. 
Café com Sociologia: Estamos com mais de 20 anos de democracia recente, como o senhor
avalia essa democracia? Ela tem contribuído para se combater a corrupção?
JOEL FORMIGA: Nossa democracia
não é mais tão recente. Já não podemos encontrar conforto e esperança nos
argumentos dos anos 90 de que a “corrupção era natural do processo de transição
democrática, e que com o tempo e continuidade da democracia ela iria diminuir.
Isso não aconteceu, e o que vivemos hoje é uma democracia defeituosa,
imperfeita, mas estável. Os mecanismos de depuração da qualidade democrática
não estão funcionando, muito porque as eleições no geral não têm servido para
punir os corruptos e prestigiar os políticos honestos, como seria de se esperar
que acontecesse. E isso se dá em grande parte pelos altos custos das campanhas,
pelo peso do dinheiro no sucesso dos candidatos e pelo uso de Caixa 2 de
campanha, através do qual o dinheiro da corrupção política alimenta os
candidatos, que quanto mais desonestos, mais dinheiro tem para concorrer, e
mais chances de ganhar.
Café com Sociologia: Como o senhor avalia o desenvolvimento das instituições
brasileiras de combate à corrupção?
JOEL FORMIGA: Há alguns avanços e
mais retrocessos. A lei da ficha limpa foi uma mudança positiva, não só pelo
seu efeito prático, mas pela forma como foi criada, por iniciativa popular. Não
é o que vai resolver o problema, mas ajuda. Em tramitação, a PEC 37, que retira
do Ministério Público o poder de investigar, e as alterações propostas à lei de
improbidade administrativa, descaracterizando-a a ponto de torná-la inócua, são
duas ameaças consideráveis à capacidade das instituições de controlar e punir
os maus políticos. A atuação do TSE no combate 
ao Caixa 2 de campanha está muito aquém do desejável, tendo publicado
alguns acórdãos que praticamente abençoam a sua prática, quando sob a
presidência do Ministro Levandowski. Acredito que sob a atual direção da
Ministra Carmen Lúcia podemos esperar uma atuação mais combativa, que é
essencial para nossa democracia. Ela tem dado declarações que evidenciam um
claro entendimento da relação entre Caixa 2 e Corrupção, que eu defendo existir.
E por fim, decepciona grandemente a incapacidade da classe política em produzir
uma reforma política que reduza os custos das campanhas, melhorando a
representatividade dos eleitos e desestimulando a prática da corrupção
política.
Café com Sociologia: Política está muito associada no Brasil à corrupção,
especialmente a política eleitoral. Nesse sentido, qual sua opinião sobre o
financiamento público eleitoral?
JOEL FORMIGA: Uma coisa é certa:
não faz nenhum sentido uma empresa, que não vota, doar para campanhas políticas.
E isso distorce nossa democracia, seja doação declarada, e pior ainda via Caixa
2. Mas ao mesmo tempo não sou favorável ao financiamento exclusivamente público
de campanha, como defendem alguns, entre eles o ex presidente Lula, porque ele
tende a congelar as estruturas atuais de poder, à medida em que o dinheiro é
distribuído aos partidos de acordo com seus assentos no congresso, e dentro dos
partidos aos candidatos e candidaturas de acordo com as preferências dos
líderes partidários, nem sempre democraticamente escolhidos. Alguém que, como
eu, acredite que precisamos de renovação na política, não pode apoiar o
financiamento exclusivamente público. Eu defendo um modelo misto – público e
privado de pessoa física, com limite máximo por doador. Combinando isso a
regras eleitorais que permitam que campanhas mais baratas tenham sucesso, você
tem um sistema mais equilibrado, menos engessado que permite renovação com
participação popular.
Café com Sociologia: Atualmente, o Ministério Público está sendo ameaça de perder
suas prerrogativas de investigação de possíveis irregularidades de gestores,
como o senhor avalia essa problemática?
JOEL FORMIGA: Vejo isso como uma
grande ameaça às instituições que atuam no combate à corrupção política no
Brasil. Não posso imaginar outra motivação do Congresso para tal alteração na
Constituição que não seja a busca para impunidade de seus próprios crimes. E
listo ainda como ameaça, conforme citei acima, as recentes alterações propostas
à lei de improbidade administrativa. 
Café com Sociologia: Tem se tornado cada vez mais evidente o combate político e jurídico
do poder judiciário, através do STF e os demais poderes. Com o advento de
Joaquim Barbosa na presidência da Suprema Corte, a instituição passou a
posicionar-se de maneira mais incisiva. Nesse sentido qual sua opinião sobre o
trabalho desenvolvido pelo Supremo? Ele tem deixado a desejar ou está tomando
pra si atribuições além de suas competências?

JOEL FORMIGA: Por um lado, o Supremo tem sim
tomado para si atribuições para além do seu papel fundamental de Corte Máxima do
país. Mas isso parece se dar mais pelo vácuo deixado pelo Legislativo do que
por uma intenção expansionista do próprio Supremo. A verdade é que questões
complexas que deveriam ser resolvidas por meio de legislação acabam sendo
judicializadas. Apenas para citar alguns exemplos, o aborto de anencéfalos, a
lei da ficha limpa, fidelidade partidária, royalties
do pré sal. Até agora, vejo essa intromissão mais como uma solução do que um
problema, dada a incapacidade do Congresso em resolver questões nacionais
relevantes. Mas é importante ficar atento para que não haja um excessivo
desequilíbrio entre os poderes em algum momento do futuro. 
Café com Sociologia: Quais seriam os possíveis caminhos para o Brasil contornar a
corrupção?
JOEL FORMIGA: Embora seja uma
democracia defeituosa e incompleta, o Brasil tem um sistema eleitoral muito bom.
O processo, a mecânica das nossas eleições são de boa qualidade, ainda que os
resultados dos pleitos sejam grandemente distorcidos pelo peso do dinheiro
oriundo de corrupção política. Os candidatos são livre para concorrer e os
eleitores para votar, o sigilo do voto é respeitado, a contagem é confiável e
os resultados são aceitos sem grandes contestações, mesmo em corridas
eleitorais bastante acirradas e controversas. Isso é muito mais do que se pode
dizer de outros países com democracias falhas como a nossa, como por exemplo México,
Irã ou Venezuela, e mesmo de alguns países que estão na nossa frente em
desenvolvimento democrático. E é por aí que está a saída, se conseguirmos
erguer o que eu chamo de o “tripé da reversão de tendência: 1) menos dinheiro
entrando nas campanhas e influenciando menos os resultados; 2)  Um combate mais efetivos ao Caixa 2 de
campanha pelo TSE, revendo seu posicionamento até agora mais para liberal; e 3)
O surgimento de alternativas viáveis, que tirem o povo da apatia e transformem
descontentamento em ação, engajamento, revolta. Se os eleitores voltarem a
punir os políticos corruptos e a recompensar os honestos nas urnas, com o
processo eleitoral que temos e eleições a cada 2 anos,
teremos muito menos corrupção e uma democracia de maior qualidade em pouco
tempo.
Obrigado pela entrevista
professor Joel Formiga, em nome do Café com Sociologia. 
* Mestre em Ciência Política pela FFLCH/USP. Possui MBA executivo pela FIA/FEA/USP com viés internacional, em convênio com a Vanderbilt University, nos EUA. Para conhecer mais sobre seu trabalho visite https://www.joelformiga.com.br/

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

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