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Letícia Spiller: Carta-resposta aberta de alguém que gostaria de responder em lugar da Letícia Spiller

Leticia Spille
Rodrigo Constantino escreveu uma carta aberta a Letícia Spiller. Como ela certamente tem mais o que fazer e eu estou, nesse momento, de bobeira, resolvi responder por ela.
Prezado Rodrigo Constantino,
Antes de mais nada, gostaria de dizer que não admiro seu talento como escritor e também te considero muito feio (mas isso não me incomoda como aquilo). Infelizmente, você tem endossado certas ideias um tanto estapafúrdias, aplaudido regimes nefastos como o brasileiro, e criticando quem se arrepende de ter usado uma camisa com a bandeira americana no passado, sobretudo os que afirmaram que se fosse hoje usariam uma com o Che Guevara. Primeiro ponto, “prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.
Ontem, a casa da Letícia, no Itanhangá foi assaltada por bandidos armados, que a fizeram refém enquanto sua filha dormia logo ao lado. Acredito que até gente como você lamenta o ocorrido, embora seja, sem dúvida, uma oportunidade para tentar usar a emoção das pessoas para impor algo que foge a razão. De fato nossa casa é nosso castelo, e se sentir inseguro nela é terrível, especialmente quando temos filhos menores morando com a gente. Rodrigo, peço que deixe de olhar para o umbigo e ver ao redor a realidade de milhões de brasileiro que nem casa têm, isso porque a lógica especulativa imobiliária impede que esses tenham seu lugar seguro. Em situações de risco, é claro que a sensação de impotência é avassaladora, mas, ao contrário de você, a grande maioria da população brasileira não tem a possibilidade de decidir se mudar de bairro, quanto mais de país. Muitos não sabem nem mesmo o que é um país. Não estou querendo dizer com isso que quem comete crime esteja correto (muito pelo contrário), apenas dizendo que usar um abalo psicológico para defender o sistema econômico me parece bastante apelativo. Use outros argumentos.
O que eu, Letícia Spiller,  gostaria, entretanto, é que você fosse capaz de fazer uma limonada desse limão que é sua retórica, ou seja, que pudesse extrair lições importantes dessa sua confusão analítica e que isso te ajudassem a transformá-lo em uma pessoa melhor, mais consciente dos reais problemas que nosso país enfrenta. Se isso acontecesse, então aquelas horas de profunda insensatez deixariam de ocupar seu tempo.
Como você certamente não sabia, sou um cientista social que estuda quase que exatamente grupos sociais com seu perfil (aproveito para lhe indicar bons livros, bem melhores do que o que escreveu recentemente, se assim desejar). Grupos sociais compostos de escritores e “intelectuais” ricos, que vivem no conforto que só a concentração de renda do capitalismo pode oferecer, protegidos pela polícia que está a seu serviço, grupos que adoram pregar o capitalismo selvagem, a competição sob a desigualdade de condições ou tratar a criminalidade como culpa exclusiva do indivíduo que a sociedade desigual produz: eis o alvo de minhas reflexões.
Essa campanha ideológica feita por escritores como você acaba tendo influência em nossa cultura, pois, para o bem ou para o mal (quase sempre para o mal), escritores são formadores de opinião por aqui. Quando um coxinha, por exemplo, abraça a privatização, ele se presta a um sistema nefasto, ignorando todo o sofrimento do povo brasileiro. Isso é algo bastante abjeto.
No Brasil, vários escritores de direita têm elogiado o sistema capitalista, beneficiando as empresas que buscam lucrar mais de forma legal, já que ela controla a política e consequentemente o legislativo que lhe proporciona legitimidade. Muitos chegaram a enaltecer empresários que contratam mão-de-obra quase escrava, cuja ação já resultou na morte de milhares de pessoas por fome e outras causas relacionadas a ela.
Pois bem: a impunidade é o maior convite ao crime que existe. Nisso concordo. Porém quando vocês tratam bandidos de colarinho branco como bem feitores da sociedade, como se fossem intocáveis, como se esses não tivessem culpa da existência da pobreza e que esta não é um mal que afeta outras esferas da sociedade estão sendo coniventes com a situação que nos encontramos. Nisso não tenho como concordar.
Pense nisso, Rodrigo. Gostaria de perguntar uma coisa: quando você se viu ali, escrevendo a carta a Letícia Spiller, com sua cabecinha confusa, com armas de tinta apontadas para a cabeça dos leitores, você realmente acreditou que estava falando algo que tenha sentido real? Ou você escreveu para que o texto fossem aceito em uma revista que não faz mais do que isso?
Tio Sam, que você parece idolatrar por falta de conhecimento, achava que era absolutamente justo explorar a força de trabalho e os países vizinhos (basta olhar para a América Latina). Afinal, o capitalismo é isso: tirar dos que não têm para dar aos que têm muito, como se alguém ganhasse sem alguém perder. Você se enxerga como um serviente dos exploradores? Ou acha que seus argumentos marcados pelo “olhar ao umbigo” colabora para a felicidade da maioria da sociedade?
Nunca é tarde para aprender, para tomar a decisão correta. Por isso, Rodrigo, faço votos para que esse momento de insensatez que você teve se transforme em um chamado para uma mudança. Abandone a direita caviar e qualquer extremismo (entre o branco e o preto há uma escala infinita de cinzas), pois ela não presta, é hipócrita por ser extremista, e chega a ser cúmplice desse tipo de crime que milhares de pessoas são vítimas. Saia das sombras do capitalismo selvagem e passe a defender um mundo mais justo, humano e igual, o fim da impunidade e o combate ao crime, sobretudo o político, e a nobre missão dos que se colocam no lugar dos menos favorecidos.
Eu, Letícia Spiller, Não te espero de um “lado de cá”, pois o endeusamento da ideia de “lados” só interessa aos políticos partidárias. Quem sabe passa a desejar ser, de fato, “altruísta” com base na realidade social. Será bem-vindo, como tantos outros que já acordaram e tiveram a coragem de reconhecer o enorme equívoco das lutas de classe no formato que temos hoje, sobretudo em países tão desiguais como o Brasil.
Um abraço,
Cristiano Bodart
Ops: não sou comunista nem socialista, apenas alguém que conhece a face do sistema capitalista. Alguém que, como o saudoso e sano Milton Santos, pensa que carecemos de um outro capitalismo, uma outra globalização. Já ia me esquecendo: odeio caviar.
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