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Música, Ideologia e Sociologia [texto + atividade pedagógica]

Música, Ideologia e Sociologia

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Por Cristiano das Neves Bodart[1]

“Essa canção é mais que mais uma canção”

(Pablo Milanés, Yolanda, 1979)

Cristiano das Neves Bodart é editor do Café com Sociologia

Muitas coisas são contadas pelas músicas.

A música é uma manifestação cultural e liga-se às diversas realidades sociais nas quais está inserida/produzida; de maneira que toda música reflete uma posição ou perspectiva de mundo. Há músicas que voltam-se aos fenômenos naturais, outras sociais (inclusive psicossociais) e, há aquelas que tratam das duas coisas ao mesmo tempo.

Assim, por refletir a cultura (em seu no sentido amplo) que muitas músicas[2] e músicos[3] tornam-se objetos de estudos da Sociologia, mais especificamente do que denominou-se “Sociologia da Música”; mesmo que o volume de pesquisa ainda seja reduzido (CAMPOS, 2007). Mas não só. Há muitos estilos musicais que integram as agendas de pesquisas das Ciências Sociais, isso por trazerem representações e manifestações culturais, sociais e políticas características de pequenos ou grandes grupos. A preocupação sistemática da Sociologia em estudar a música remonta à primeira metade do século XX e vem ganhando espaço na sociologia contemporânea[4]. Por meio da música o cientista social pode buscar compreender comportamentos coletivos, práticas sociais, linguagens, divisões de classes sociais, relações de poder, ideologias, consumo, fatos históricos, etc.

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De antemão, chamamos atenção para o fato de que as músicas com letras que tratam de fenômenos sociais e que “não se posicionam” politicamente[5] estão, na verdade, posicionadas. Até aquelas tidas como românticas e aparentemente “apolíticas” reforçam ou questionam tipologias de amor, de relacionamentos interpessoais e/ou de casamentos. Por exemplo, músicas que abordam a vida na cidade ou no campo são marcadas por um posicionamento ideológico específico favoráveis a um estilo de vida. Há músicas que criticam o racismo, outras o reproduz. Reproduz porque a música é estruturada, mas também estruturante, como se referiu Bourdieu ao tratar de habitus (BOURDIEU, 1983). A música pode reforçar e confirmar uma dada cultura, sendo – ao mesmo tempo – uma ideologia de um determinado grupo e seu veículo de disseminação/distribuição, portanto, provocadora de condicionamentos sociais.

O fato é que músicas que tratam de questões e fenômenos sociais carregam ideologias. Porquanto, por ideologia entendemos, com Ricouer (1977), a partir de três instâncias, sendo elas: i) função geral; ii) função de dominação e; iii) função de deformação.

Como sintetizamos em outro texto,

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A função geral, para Ricouer (1977), é sua função de mediadora na integração social, na coesão do grupo. [Já] a função de dominação está ligada a produção de crenças legitimadoras da dominação. [Quanto] a função deformadora trata-se da concepção marxista, sendo o fenômeno ideológico aquilo que torna a imagem pelo real, o reflexo pelo original, ou seja, a deturpação da realidade a fim de manipular os dominados (BODART, 2012).

É certo que a música traz em si essas três instâncias da ideologia. Ela promove coerção, unindo os indivíduos em torno de crenças, valores, objetivos, etc., assim como reproduz ideias que reforçam ou estabelecem a dominação e deturpa a realidade, servindo de instrumento de manutenção e de dominação.

Há músicas que, de forma velada, refletem satisfação com a ordem das coisas, com as estruturas sociais e ideologias estabelecidas, colaborando para suas manutenções e reproduções. Outras, se colocam como contraponto, induzindo mudanças; são as chamadas “músicas críticas”. Assim, estudar estilos musicais ou letras de músicas tem sido um caminho metodológico promissor para as Ciências Sociais e para o ensino de Sociologia, como demonstrou Bodart (2012).

Nesse sentido, a música pode ser tomada como objeto de estudo para compreender as ideologias que elas “carregam”. O seu uso em sala de aula não é novidade, seja nas disciplinas de História, Geografia, Sociologia, etc. Tal prática é reflexo de sua potencialidade reconhecida no espaço acadêmico. Desta forma, o fato é que a música nos conta muitas coisas, às vezes coisas nem ditas. Ouça e escute!

Referências Bibliográficas

BECKER, Howard. Uma carreira como sociólogo da música. Contemporânea, v.3, n. 1, p. 131-141, 2013. Disponível em: < http://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/129>. Acesso em: out. 2020.

BODART, Cristiano das Neves. O uso de letras de músicas nas aulas de Sociologia. Revista Café com Sociologia, v.1, n.1, ago./dez. 2012. Disponível em: < https://revistacafecomsociologia.com/revista/index.php/revista/article/view/1>. Acesso em: out. 2020.

BODART, Cristiano das Neves. Discussão preliminar em torno do conceito de Ideologia. Blog Café com Sociologia, mai. 2012. Disponível em:< https://cafecomsociologia.com/conceito-de-ideologia/>. Acesso em: out. 2020.

BOURDIEU, Pierre. Sociologia. (organizado por Renato Ortiz). São Paulo: Ática, 1983.

Música da epígrafe

MILANÉS, Pablo. Yolanda, 1979 (Gravada no Brasil por Simone, Chico Buarque de Holanda, Cristian, Ralf e Zezé de Camargo e Luciano, entre outros artistas).

Forma de citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. Música, ideologia e Sociologia. Blog Café com Sociologia. out. 2020. Disponível em: < https://cafecomsociologia.com/musica-ideologia-sociologia/>

 

 

Sugestão de atividade pedagógica

  1. Após a leitura e discussão do texto, solicite os/as estudantes que façam um levantamento de músicas que contenham explicitamente em suas letras ideologias relacionadas a:
  1. Comportamentos de gênero;
  2. Estilo de vida;
  3. Preconceitos;
  4. Combate a preconceitos;
  5. Religião;
  6. Política.
  1. Solicite os/as estudantes que façam um levantamento de músicas que contenham implicitamente em suas letras ideologias que contribuem para a manutenção de um “estado de coisas” que envolve:
  1. Comportamento de gênero;
  2. Violência;
  3. Consumismo;
  4. Preconceito;
  5. Desigualdade social;
  6. Religião.

 

Notas:

[1] Doutor em Sociologia (USP) e professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) e do Centro de Educação (CEDU) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Editor do Blog Café com Sociologia.

[2] Para um leitura mais aprofundada da música e dos músicos como objeto sociológico, ver Campos (2007).

[3] Para um exemplo de análise de músicos, ver Souza (2015).

[4] Indicamos a leitura de Becker (2013) para maiores esclarecimentos do que é ser um sociólogo da música.

[5] Aqui usamos o termo político em seu sentido amplo e não político-partidário.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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