O termo “boyceta” tem ganhado relevância em discussões contemporâneas, especialmente nas redes sociais e em contextos culturais específicos. Boyceta é uma autodesignação de um homem trans que se identifica o gênero masculino, porém tem uma genitália feminina. Em outras palavras, pessoa que nasceu com o corpo biológico feminino, porém se veste como “garoto”. Daí o termo “boy” = menino e ceta = genitália feminina. No entanto, para as ciências sociais, é fundamental compreender esse fenômeno não apenas como uma expressão popular, mas como um conceito que reflete dinâmicas sociais, culturais e de gênero. Neste texto, abordaremos o conceito de “boyceta” a partir da perspectiva das ciências sociais, explorando suas origens, significados e implicações sociais, com base em referenciais teóricos consolidados.
O Que é “Boyceta”?
O termo “boyceta” é uma gíria que surgiu em contextos urbanos e digitais, especialmente no Brasil, para descrever um tipo específico de comportamento masculino. A palavra é uma combinação de “boy” (termo em inglês para “garoto” ou “jovem”) e “boceta” (termo vulgar para a genitália feminina), e é frequentemente usada para se referir a homens que adotam comportamentos ou características tradicionalmente associadas ao feminino, seja na aparência, na postura ou nas relações interpessoais.
No entanto, o conceito de “boyceta” vai além de uma simples descrição de comportamento. Ele reflete uma série de estereótipos e expectativas de gênero que são socialmente construídos e perpetuados. De acordo com Butler (1990), o gênero não é uma essência biológica, mas uma performance social, ou seja, um conjunto de práticas e comportamentos que são repetidos e reforçados culturalmente. Nesse sentido, o termo “boyceta” pode ser visto como uma forma de policiamento de gênero, onde os indivíduos são julgados e categorizados com base em sua conformidade ou não com as normas de gênero estabelecidas.
“Boyceta” e as Normas de Gênero
As normas de gênero são padrões sociais que definem o que é considerado apropriado ou desejável para homens e mulheres. Essas normas são construídas culturalmente e variam ao longo do tempo e entre diferentes sociedades. De acordo com Connell (1995), a masculinidade hegemônica é um conceito que descreve a forma dominante de masculinidade em uma sociedade, que é frequentemente associada à força, agressividade e heterossexualidade. Qualquer comportamento que se desvie dessa norma é frequentemente estigmatizado e marginalizado.
O termo “boyceta” pode ser visto como uma forma de estigmatizar homens que não se conformam com a masculinidade hegemônica. Esses homens podem ser criticados por adotar comportamentos ou características consideradas “femininas”, como ser emotivo, sensível ou preocupado com a aparência. Essa estigmatização reflete e reforça as hierarquias de gênero, onde a masculinidade hegemônica é valorizada em detrimento de outras formas de expressão de gênero.
“Boyceta” e a Cultura Digital
A cultura digital e as redes sociais têm desempenhado um papel crucial na popularização e disseminação do termo “boyceta”. De acordo com Castells (1996), a internet e as redes sociais criam novos espaços de interação e comunicação, onde as identidades e as normas sociais são constantemente negociadas e contestadas. Nesses espaços, termos como “boyceta” ganham vida própria, sendo usados de forma irônica, crítica ou pejorativa, dependendo do contexto.
Um exemplo disso são os memes e as postagens nas redes sociais, onde o termo “boyceta” é frequentemente usado para zombar ou criticar homens que não se conformam com as expectativas tradicionais de gênero. No entanto, também há espaços onde o termo é reivindicado e ressignificado, como uma forma de desafiar as normas de gênero e celebrar a diversidade de expressões de masculinidade. Assim, a cultura digital é um campo de disputa, onde o significado e o uso do termo “boyceta” são constantemente negociados.
“Boyceta” e a Interseccionalidade
A interseccionalidade é um conceito desenvolvido por Crenshaw (1989) para descrever como diferentes formas de opressão, como racismo, sexismo e classismo, se intersectam e se reforçam mutuamente. No caso do termo “boyceta”, é importante considerar como as normas de gênero se intersectam com outras categorias sociais, como raça, classe e sexualidade.
Por exemplo, homens negros ou de classes populares que não se conformam com a masculinidade hegemônica podem enfrentar uma dupla estigmatização, sendo julgados não apenas por seu gênero, mas também por sua raça ou classe social. Por outro lado, homens brancos ou de classes mais altas podem ter mais liberdade para adotar comportamentos considerados “femininos”, sem enfrentar o mesmo nível de crítica ou marginalização. Assim, o termo “boyceta” não pode ser compreendido isoladamente, mas deve ser analisado em relação a outras formas de desigualdade e opressão.
“Boyceta” e a Transformação das Masculinidades
Apesar de ser frequentemente usado de forma pejorativa, o termo “boyceta” também pode ser visto como um reflexo das transformações nas concepções de masculinidade. De acordo com Kimmel (2008), as normas de gênero estão em constante evolução, e as novas gerações estão cada vez mais desafiando as expectativas tradicionais de masculinidade. Homens jovens estão mais abertos a expressar suas emoções, cuidar de sua aparência e adotar comportamentos que antes eram considerados “femininos”.
Nesse sentido, o termo “boyceta” pode ser visto como uma reação conservadora a essas transformações, uma tentativa de policiar e controlar as expressões de gênero que desafiam a masculinidade hegemônica. No entanto, também pode ser um espaço de resistência e reivindicação, onde os homens que não se conformam com as normas tradicionais de gênero encontram apoio e solidariedade.
Conclusão
O conceito de “boyceta” é um fenômeno complexo e multifacetado que reflete as dinâmicas de gênero, cultura e poder nas sociedades contemporâneas. Nas ciências sociais, é fundamental compreender esse termo não apenas como uma expressão popular, mas como um conceito que revela as normas e expectativas de gênero que são socialmente construídas e perpetuadas. A cultura digital e as redes sociais têm desempenhado um papel crucial na popularização e ressignificação do termo, criando novos espaços de disputa e negociação.
Compreender o conceito de “boyceta” a partir das ciências sociais não apenas enriquece nossa compreensão das dinâmicas de gênero, mas também nos permite refletir criticamente sobre as hierarquias e desigualdades que moldam as relações sociais. O termo, longe de ser uma simples gíria, é um reflexo das transformações e tensões nas concepções de masculinidade e gênero, que continuam a evoluir e a desafiar as normas tradicionais.
Referências Bibliográficas
BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, 1990.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
CONNELL, Raewyn. Masculinities. Berkeley: University of California Press, 1995.
CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum, 1989.
KIMMEL, Michael. Guyland: The Perilous World Where Boys Become Men. New York: HarperCollins, 2008.