Por Cristiano Bodart
Grosso modo, o Orçamento Participativo (OP) é um mecanismo de democratização da política orçamentária estatal, reunindo os cidadãos em assembleias públicas nas quais avaliam a gestão municipal, elaboram propostas de acordo com suas demandas e deliberam sobre o uso e aplicação dos recursos públicos e os dirigentes estatais executam a vontade popular (GUGLIANO, 2007). O OP se apresenta como uma forma institucional que envolve a partilha de espaços de deliberação entre representações estatais e as entidades da sociedade civil, tendo como base a negociação e a parceria (PEREIRA, 2007, p. 339), caracterizando-se como uma estrutura aberta, em constante mutação de acordo com os formatos necessários a cada realidade ou interesse, pois sua estrutura não é fechada num modelo jurídico que vem de cima para baixo. O OP é
entendido como uma experiência de co-gestão, “um modelo de partilha do poder político mediante uma rede de instituições democráticas orientadas para obter decisões por deliberação, por consenso e por compromisso” (SANTOS, 2002, p. 525 apud AZEVEDO, 2005, p. 109).
O OP apresenta-se também como um processo com “múltiplas dimensões” (BAIERLE, 1999), na medida em que se constitui como uma prática de discussão e definição de problemas e prioridades que envolvem diferentes interesses, atores e arenas e/ou espaços públicos e sociais (LÜCHMANN, 2002, p. 93).
Na obra “Inovação Democrática no Brasil”, Leonardo Avritzer propôs a seguinte definição para o Orçamento Participativo:
O OP é uma forma de rebalancear a articulação entre a democracia representativa e a democracia participativa baseada em quatro elementos: a primeira característica do OP é a cessão da soberania por aqueles que a detêm como resultado de um processo representativo local. (…); em segundo lugar o OP implica a reintrodução de elementos de participação local, tais como assembléias regionais, e de elementos de delegação, tais como os conselhos (…); em terceiro lugar, a participação envolve um conjunto de regras que são definidas pelos próprios participantes, vinculando o OP a uma tradição de reconstituição de uma gramática social participativa na qual as regras da deliberação são determinadas pelos próprios participantes; em quarto lugar, o OP se caracteriza por uma tentativa de reversão das prioridades de distribuição de recursos públicos a nível local através de uma fórmula técnica (AVRITZER, 2003, p. 14-15).
Partindo da classificação de Marquetti (2007), grosso modo, é possível identificar cinco tipos de experiências de “Orçamento Participativo[1]” praticados em grandes cidades brasileiras, são elas:
1. A Consulta Pública: caracterizada por audiências sem caráter deliberativo, sem tomada de decisão e controle social;
2. O OP Comunitário: trata-se das experiências onde não há abertura para todos os cidadãos, sendo realizadas por representantes dos movimentos sociais;
3. O OP de Baixa Intensidade: caracterizado na dimensão de definições das preferências pela deliberação de menos de 20% do total dos investimentos e pela realização de assembléias regionais, apresentando uma organização sistematizada apenas nos fóruns de delegados, os quais têm a função de monitorar a elaboração do orçamento e do plano de investimento e serviço;
4. O OP de Média Intensidade: neste tipo de OP os cidadãos deliberam sobre uma porcentagem maior do total dos investimentos da prefeitura municipal, entre 20% a 80%, apresentando uma tendência de possuir Fórum de Delegados bem organizado, assim como o Conselho do Orçamento Participativo, possuindo regras para a definição das preferências e para a distribuição dos investimentos entre as regiões;
5. O OP de Alta Intensidade: neste os cidadãos debatem mais de 80% do total dos investimentos. Neste tipo de OP as decisões abrangem todas as áreas do município, havendo tendência de ocorrer assembléias regionais e temáticas, estando os fóruns de delegados bem organizados, e o orçamento é elaborado sob a coordenação dos conselheiros e delegados. Ainda no OP de alta intensidade, o orçamento é elaborado de acordo com as escolhas coletivas efetuadas ao longo do processo.
É importante destacar que o Orçamento Participativo não é um instrumento com características cimentadas, desarticulada de seu contexto, por isso, tal prática possui tantos formatos diferentes, quanto são diferentes as realidades políticas, históricas e sociais, bem como os interesses dos grupos envolvidos do processo. Parece que as práticas de OP que tendem a obter maiores sucessos são aquelas que surgiram em municípios dotados de recursos públicos, marcadas pela iniciativa da sociedade civil e dotadas de apoio político do poder executivo e legislativo. É claro que o sucesso do Orçamento Participativo não depende apenas desses três aspectos, existem ainda as questões ligadas a estrutura institucional desse instrumento e ao estoque de capital social e empoderamento social.
[1] Marquetti (2007) não apresenta esses tipos de OPs como estágios do processo, sendo, portanto, possível passar de uma situação em que não ocorre participação para uma experiência de OP de alta intensidade, assim como o contrário.
Referências
AVRITZER, Leonardo (Org); O Orçamento Participativo e a teoria democrática: um balanço crítico. In: AVRITZER, Leonardo; NAVARRO, Zander (Orgs.). A inovação democrática no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003.
AZEVEDO, Neimar Duarte. A face representativa do orçamento participativo. In: AZEVEDO, Sergio de; FERNANDES, Rodrigo Barroso. Orçamento Participativo: construindo a democracia. Rio de Janeiro: Revan, 2004.
GUGLIANO, Alfredo Alejandro. Processos Participativos de gestão pública em Porto Alegre e Montevidéu: comparando semelhanças e diferenças. In: DAGNINO, Evelina; TATAGIBA, Luciana (Orgs.). Democracia, sociedade covil e participação. Chapecó: Argos, 2007.
LÜCHMANN. Ligia Helena Hahn. Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a experiência do orçamento participativo de Porto Alegre. Tese de doutoramento. Campinas, SP : [s. n.], 2002. Disponível em: < https://www.democraciaparticipativa.org/files/LigiaLuchmann.pdf > Acessado em 19 de outubro de 2010.
Experiências de Orçamento Participativo no Brasil: uma proposta de classificação. In: DAGNINO, Evelina; TATAGIBA, Luciana (Orgs.). Democracia, sociedade covil e participação. Chapecó: Argos, 2007.
PEREIRA, Marcus Abílio Gomes. Modelos democráticos deliberativos e participativos: similitudes, diferenças e desafios. In: DAGNINO, Evelina; TATAGIBA, Luciana (Orgs.). Democracia, sociedade covil e participação. Chapecó: Argos, 2007