Ícone do site Café com Sociologia

Pesquisa de campo: teoria e prática

A pesquisa de campo ocupa um lugar central na produção do conhecimento em ciências sociais, permitindo a aproximação do pesquisador com a realidade estudada e a compreensão aprofundada dos fenômenos sociais. Este texto, que se propõe a abordar o tema de maneira didática, humanizada e academicamente fundamentada, visa apresentar os principais aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa de campo, bem como discutir seus desafios, contribuições e implicações éticas.


1. Introdução

A pesquisa de campo, definida como a coleta sistemática de dados diretamente no ambiente onde o fenômeno ocorre, representa um dos métodos mais valiosos para a compreensão dos processos sociais (Minayo, 1994). Diferentemente dos estudos realizados em ambientes laboratoriais ou por meio de fontes secundárias, a pesquisa de campo permite ao pesquisador estabelecer um contato direto com os sujeitos e contextos pesquisados, favorecendo a identificação de nuances e particularidades que poderiam passar despercebidas em abordagens mais distanciadas. Essa proximidade com a realidade, contudo, traz consigo desafios tanto metodológicos quanto éticos, que exigem uma postura reflexiva e uma rigorosa sistematização dos procedimentos.

Historicamente, as ciências sociais passaram por diversas transformações metodológicas. No século XX, especialmente a partir das discussões de Bourdieu (1991) e Giddens (1991), a necessidade de incorporar métodos qualitativos e a valorização da experiência empírica tornaram-se cada vez mais evidentes. O reconhecimento de que a realidade social é complexa, multifacetada e permeada por relações de poder impulsionou a adoção da pesquisa de campo como ferramenta indispensável para a análise crítica da sociedade. Assim, o método possibilita não apenas a coleta de dados “crus”, mas também a interpretação desses dados a partir de uma perspectiva teórica que reconhece a dinâmica entre estrutura e agência.

Além disso, a pesquisa de campo tem se revelado essencial para a elaboração de políticas públicas, intervenções sociais e programas de desenvolvimento, contribuindo para a construção de soluções contextualizadas e que dialogam com a realidade dos sujeitos envolvidos (Gil, 2008). Diante desse cenário, torna-se fundamental que os pesquisadores dominem não só as técnicas de coleta e análise de dados, mas também as implicações epistemológicas e éticas decorrentes do contato direto com os contextos estudados.

A proposta deste trabalho é oferecer uma reflexão aprofundada acerca da pesquisa de campo, destacando seus fundamentos teóricos, os métodos e instrumentos empregados, os desafios enfrentados no percurso e as contribuições que essa abordagem metodológica traz para a compreensão dos fenômenos sociais. Para isso, o texto está estruturado em seções que abordam, de forma progressiva, os principais tópicos relacionados à temática, sempre com base em referências consolidadas na literatura acadêmica.


2. Fundamentação Teórica

A compreensão dos métodos e das práticas da pesquisa de campo exige uma análise crítica das bases teóricas que sustentam essa abordagem. Ao longo das últimas décadas, diversos autores têm contribuído para a sistematização do conhecimento acerca dos métodos qualitativos, dos desafios epistemológicos e das estratégias de intervenção que emergem a partir da coleta de dados no ambiente natural dos fenômenos.

2.1. Conceituação e Definições

A pesquisa de campo pode ser definida como o conjunto de procedimentos metodológicos que envolvem a imersão do pesquisador no ambiente onde se desenrola o objeto de estudo, permitindo a observação direta e a interação com os sujeitos e os contextos analisados (Minayo, 1994). Esse método tem como característica fundamental a busca por uma compreensão aprofundada dos processos sociais, valorizando a subjetividade, as experiências e os significados construídos pelos indivíduos no cotidiano.

Segundo Gil (2008), a pesquisa de campo não se limita à mera coleta de informações, mas envolve uma postura investigativa que parte do princípio de que os fenômenos sociais são dinâmicos e devem ser compreendidos em sua complexidade. Dessa forma, a abordagem qualitativa, que privilegia a compreensão dos significados e das interpretações dos sujeitos, torna-se um elemento central para o desenvolvimento de estudos que busquem captar a essência das relações sociais.

A concepção de pesquisa de campo está intrinsecamente ligada à ideia de que a realidade é construída socialmente e que os dados coletados refletem não apenas a materialidade dos fatos, mas também as representações, os valores e as práticas culturais dos grupos sociais. Assim, a pesquisa de campo assume uma dimensão interpretativa e crítica, que vai além da simples quantificação de dados, contribuindo para a formulação de teorias e para a transformação das práticas sociais (Bourdieu, 1991).

2.2. Abordagens Teóricas e Epistemológicas

A fundamentação teórica da pesquisa de campo está ancorada em diversas correntes do pensamento das ciências sociais. Entre as principais, destaca-se a tradição fenomenológica, que enfatiza a importância da experiência vivida e da percepção dos sujeitos na construção do conhecimento. Autores como Gadamer e Merleau-Ponty influenciaram essa perspectiva ao sustentar que o conhecimento é resultado de um diálogo entre o observador e o fenômeno observado, o que implica reconhecer a historicidade e a temporalidade dos processos sociais (Giddens, 1991).

Outra vertente relevante é a abordagem hermenêutica, que valoriza a interpretação dos textos, dos discursos e dos comportamentos, enfatizando que os significados dos fenômenos sociais são múltiplos e dependem do contexto em que se inserem. Essa perspectiva foi aprofundada por autores como Foucault (1987), que apontou para as relações de poder presentes na produção e na circulação dos saberes, revelando como os discursos moldam a realidade e influenciam as práticas sociais.

Além disso, a epistemologia crítica, representada por autores como Habermas e Honneth, destaca a importância de se reconhecer a dimensão emancipatória do conhecimento. Segundo essa perspectiva, a pesquisa de campo deve estar comprometida não só com a descrição dos fenômenos, mas também com a promoção de transformações sociais que possibilitem a superação de desigualdades e injustiças (Minayo, 1994). Essa postura crítica implica que o pesquisador deve estar consciente de sua posição social e do impacto de sua atuação na realidade estudada, buscando sempre uma abordagem ética e reflexiva.

A interseção entre esses diferentes referenciais teóricos demonstra que a pesquisa de campo é, antes de tudo, uma prática dialógica, na qual o pesquisador se coloca em movimento constante de interpretação e reinterpretação dos dados coletados. Assim, a construção do conhecimento passa a ser vista como um processo dinâmico, em que a interação entre teoria e prática contribui para a elaboração de análises mais ricas e contextualizadas.

O reconhecimento das múltiplas dimensões dos fenômenos sociais reforça a necessidade de métodos que permitam a captura da complexidade dos contextos estudados. Dessa forma, a pesquisa de campo se consolida como uma estratégia metodológica que alia a observação direta, as entrevistas em profundidade e a análise documental, oferecendo uma visão mais holística e integrada dos processos sociais (Gil, 2008). Essa abordagem possibilita, por exemplo, a identificação de padrões e tendências que não seriam perceptíveis por meio de análises puramente quantitativas, contribuindo para a elaboração de teorias mais robustas e para a proposição de intervenções sociais que dialoguem com a realidade dos sujeitos.


3. Metodologia da Pesquisa de Campo

A operacionalização da pesquisa de campo requer a definição clara dos objetivos, a escolha criteriosa dos métodos e instrumentos de coleta de dados e a elaboração de um plano de trabalho que contemple as diversas etapas do processo investigativo. Nesta seção, discutem-se as principais características metodológicas dessa abordagem, ressaltando os instrumentos e técnicas mais utilizados, bem como os desafios enfrentados pelos pesquisadores durante a realização do trabalho em campo.

3.1. Instrumentos e Técnicas de Coleta de Dados

Entre os instrumentos mais utilizados na pesquisa de campo, destacam-se a observação participante, as entrevistas semiestruturadas e os grupos focais. A observação participante permite que o pesquisador se integre ao ambiente estudado, registrando de forma sistemática as interações, comportamentos e práticas dos sujeitos. Essa técnica possibilita uma compreensão aprofundada dos contextos sociais, permitindo a identificação de aspectos que poderiam passar despercebidos em uma abordagem não participativa (Minayo, 1994).

As entrevistas semiestruturadas, por sua vez, oferecem um equilíbrio entre a liberdade de expressão dos entrevistados e a necessidade de direcionamento temático, possibilitando que o pesquisador explore questões relevantes para o estudo sem impor uma estrutura rígida. Essa flexibilidade é fundamental para captar as singularidades dos discursos e para identificar os sentidos atribuídos pelos sujeitos às suas experiências (Gil, 2008). Ademais, os grupos focais são instrumentos valiosos para a discussão coletiva de temas, permitindo que se revelem as dimensões compartilhadas e divergentes das percepções e experiências dos participantes.

Além desses métodos qualitativos, a pesquisa de campo pode também incorporar técnicas quantitativas, como a aplicação de questionários e escalas de mensuração, quando o objetivo é a coleta de dados que permitam análises estatísticas e a verificação de hipóteses. A combinação de métodos – conhecida como abordagem mista – tem se mostrado particularmente eficaz para a obtenção de resultados mais robustos e para a triangulação dos dados, o que fortalece a validade das conclusões (Bourdieu, 1991).

A escolha dos instrumentos de coleta de dados deve levar em consideração as especificidades do objeto de estudo, o perfil dos sujeitos envolvidos e o contexto no qual a pesquisa será realizada. Conforme destacado por Gil (2008), o pesquisador deve estar preparado para adaptar sua estratégia metodológica diante das dificuldades encontradas em campo, como o acesso limitado a determinados grupos ou a resistência dos participantes à divulgação de informações. Essa flexibilidade metodológica é uma das características mais valorizadas na condução de pesquisas de campo, pois permite que o estudo se ajuste dinamicamente às particularidades da realidade investigada.

No desenvolvimento dos instrumentos, é fundamental que o pesquisador estabeleça procedimentos que garantam a confiabilidade e a validade dos dados coletados. Isso envolve, por exemplo, a elaboração de roteiros de entrevista que contemplem questões abertas e fechadas, a definição de categorias de análise previamente estabelecidas e a realização de testes pilotos para ajustar a abordagem (Minayo, 1994). A sistematização dos dados obtidos, por meio de registros detalhados e da utilização de softwares de análise qualitativa, contribui para a organização das informações e para a identificação de padrões que possam embasar interpretações teóricas consistentes.

3.2. Desafios Metodológicos e Logísticos

A condução de uma pesquisa de campo não está isenta de desafios. Um dos principais obstáculos diz respeito à dificuldade de acesso aos contextos e aos sujeitos que compõem o universo do estudo. Muitas vezes, questões relacionadas à desconfiança, à resistência cultural ou à barreira de comunicação podem dificultar a aproximação do pesquisador com o ambiente pesquisado. Segundo Minayo (1994), a superação dessas barreiras exige sensibilidade e uma postura ética que respeite as especificidades e os limites dos participantes.

Outro desafio relevante é a questão do tempo. A realização de uma pesquisa de campo demanda um planejamento cuidadoso e uma dedicação prolongada, já que a imersão no ambiente estudado requer a observação de processos que podem se desenvolver de maneira lenta e gradual. Essa necessidade de um olhar prolongado e atento torna imperativo que o pesquisador tenha clareza sobre seus objetivos e esteja preparado para revisitar e reinterpretar os dados à medida que novas informações surgem (Gil, 2008).

A adaptação às condições imprevistas do campo – como mudanças climáticas, eventos inesperados ou conflitos locais – constitui mais um desafio metodológico. Em tais situações, a flexibilidade e a capacidade de improvisação do pesquisador são fundamentais para garantir a continuidade e a integridade do processo investigativo. Além disso, a gestão dos recursos financeiros e humanos disponíveis para a pesquisa também pode representar uma limitação significativa, especialmente em estudos de longa duração ou que demandem a mobilização de equipes multidisciplinares (Bourdieu, 1991).

Ademais, a análise dos dados coletados em campo pode revelar-se um processo complexo e demandante, uma vez que envolve a integração de múltiplas fontes de informação e a reconciliação de dados qualitativos com dados quantitativos. A triangulação de métodos, proposta como forma de aumentar a confiabilidade dos resultados, exige do pesquisador uma competência analítica que vá além da simples organização dos dados, envolvendo a reflexão crítica sobre as possíveis interpretações e a identificação de contradições e convergências entre as diferentes fontes (Giddens, 1991).

Em termos práticos, a organização logística da pesquisa de campo – que abrange desde o planejamento das visitas aos locais de estudo até a definição de estratégias para a comunicação com os participantes – é um aspecto que demanda atenção redobrada. A elaboração de um cronograma detalhado, a definição de protocolos de atuação e a previsão de possíveis imprevistos são etapas essenciais para o sucesso da pesquisa. A experiência acumulada de pesquisadores veteranos, que já enfrentaram os desafios inerentes ao trabalho em campo, é um valioso referencial para a elaboração de estratégias que minimizem os riscos e maximizem os resultados (Minayo, 1994).


4. Análise e Discussão dos Dados

A análise dos dados obtidos por meio da pesquisa de campo é uma etapa crucial que possibilita a transformação dos dados “crus” em conhecimento teórico e prático. Essa fase envolve a sistematização, a categorização e a interpretação dos dados, processo que exige rigor metodológico e sensibilidade interpretativa. A partir da observação participante, das entrevistas e de outros instrumentos utilizados, o pesquisador precisa identificar padrões, relações e significados que se manifestem no contexto estudado.

Uma das abordagens mais utilizadas na análise de dados qualitativos é a codificação, que consiste na identificação de unidades de significado nos relatos e na atribuição de códigos que permitam a classificação dos dados. Esse procedimento, conforme sugerido por Gil (2008), possibilita a organização dos dados em categorias que podem ser posteriormente analisadas e comparadas, contribuindo para a identificação de tendências e para a formulação de hipóteses. A partir dessa sistematização, torna-se possível a construção de uma narrativa que explique os fenômenos observados e que dialogue com os referenciais teóricos adotados.

Outra estratégia amplamente empregada é a triangulação dos dados, que consiste em confrontar informações provenientes de diferentes fontes e métodos. Essa técnica, recomendada por Bourdieu (1991), fortalece a validade dos resultados, pois permite identificar convergências e divergências entre as informações coletadas, possibilitando uma análise mais robusta e integrada. Por exemplo, os dados oriundos de entrevistas podem ser confrontados com as observações de campo, de modo a oferecer uma interpretação que contemple tanto os discursos dos participantes quanto os comportamentos observados.

A interpretação dos dados também requer uma postura reflexiva por parte do pesquisador, que deve estar ciente de suas próprias influências e vieses durante o processo de análise. A abordagem interpretativa, defendida por autores como Foucault (1987), ressalta que o conhecimento produzido a partir da pesquisa de campo é resultado de uma interação dialógica entre o pesquisador e o objeto estudado. Dessa forma, a análise dos dados deve levar em conta não apenas o conteúdo explícito das informações, mas também os sentidos subjacentes e as estruturas simbólicas que permeiam as relações sociais.

Nesse sentido, a utilização de softwares de análise qualitativa tem se mostrado uma ferramenta útil para a organização e interpretação dos dados. Tais programas possibilitam a criação de matrizes de codificação, a visualização de relações entre categorias e a identificação de padrões que podem não ser evidentes a partir da análise manual dos dados. Ainda que o uso dessas tecnologias não substitua a expertise do pesquisador, elas servem como um complemento que facilita a sistematização e a comparação dos dados (Gil, 2008).

O processo de discussão dos dados deve ser conduzido de forma a integrar os achados empíricos com os referenciais teóricos apresentados na fundamentação. Essa articulação entre teoria e prática é essencial para a construção de um discurso analítico que não apenas descreva os fenômenos, mas que também os explique a partir de uma perspectiva crítica e contextualizada. Assim, a análise dos dados não se restringe à organização e à categorização, mas envolve a reflexão sobre as implicações sociais, culturais e políticas dos resultados obtidos (Giddens, 1991).

Por fim, a transparência no relato dos procedimentos analíticos e a sistematização dos dados constituem práticas fundamentais para a credibilidade da pesquisa de campo. A publicação dos instrumentos utilizados, a descrição detalhada das etapas de codificação e a apresentação de exemplos ilustrativos dos dados analisados são medidas que fortalecem a validade e a replicabilidade do estudo, contribuindo para o avanço do conhecimento nas ciências sociais.


5. Contribuições da Pesquisa de Campo para as Ciências Sociais

A pesquisa de campo tem sido apontada como um dos métodos mais ricos para a compreensão da complexidade dos fenômenos sociais. Ao permitir a observação direta e a interação com os sujeitos, esse método possibilita a identificação de dimensões e variáveis que frequentemente não são captadas por abordagens quantitativas ou por análises secundárias. Essa capacidade de revelar a multifacetada natureza da realidade social tem contribuído para a elaboração de teorias que, além de descrever, propõem intervenções transformadoras.

Uma das principais contribuições da pesquisa de campo reside na sua capacidade de promover uma compreensão contextualizada dos fenômenos estudados. Em vez de considerar os dados como entidades isoladas e descontextualizadas, o método incentiva a análise dos processos sociais a partir da interação entre os indivíduos e o ambiente em que estão inseridos. Essa abordagem possibilita identificar como fatores históricos, culturais e econômicos se inter-relacionam e influenciam o comportamento dos sujeitos (Minayo, 1994).

Além disso, a pesquisa de campo tem o potencial de contribuir para a democratização do conhecimento, ao valorizar as vozes e as experiências dos grupos tradicionalmente marginalizados. Ao incluir perspectivas que, muitas vezes, são negligenciadas em estudos mais centralizados ou institucionalizados, essa abordagem fortalece a representatividade e a legitimidade dos dados produzidos. Autores como Foucault (1987) enfatizam que o conhecimento produzido a partir da interação com os sujeitos pode desafiar narrativas hegemônicas e abrir espaço para novas formas de compreensão dos fenômenos sociais.

No âmbito das políticas públicas, os resultados advindos de pesquisas de campo têm servido como insumos fundamentais para a formulação de estratégias que respondam às demandas e especificidades de diferentes contextos sociais. Ao oferecer uma visão detalhada e situada da realidade, esses estudos permitem que os gestores públicos e os formuladores de políticas possam planejar ações que se baseiem em evidências concretas, minimizando a lacuna entre teoria e prática (Gil, 2008). Essa aproximação entre pesquisa e intervenção é, portanto, uma das grandes virtudes da metodologia de campo.

Outro aspecto relevante é a contribuição da pesquisa de campo para o desenvolvimento metodológico nas ciências sociais. A necessidade de adaptar as técnicas de coleta e análise de dados às especificidades dos contextos estudados tem impulsionado a inovação metodológica e a interdisciplinaridade, promovendo a integração entre abordagens qualitativas e quantitativas. Essa sinergia metodológica não só enriquece a produção científica, mas também amplia as possibilidades de intervenção e compreensão dos fenômenos complexos que marcam as sociedades contemporâneas (Bourdieu, 1991).

Em síntese, a pesquisa de campo oferece uma contribuição valiosa ao possibilitar o aprofundamento do conhecimento sobre as dinâmicas sociais, promovendo uma compreensão que é, ao mesmo tempo, empírica e teórica. Essa prática metodológica, ao incentivar a aproximação entre o pesquisador e os sujeitos estudados, rompe com paradigmas reducionistas e contribui para a construção de um conhecimento que valoriza a diversidade, a complexidade e a historicidade dos fenômenos sociais.


6. Desafios Éticos e Reflexões Críticas

A realização de uma pesquisa de campo demanda uma série de cuidados éticos que vão além do cumprimento de normas e diretrizes institucionais. O envolvimento direto com os sujeitos e os contextos estudados impõe ao pesquisador uma responsabilidade não só científica, mas também social e moral. Nesse sentido, a ética na pesquisa de campo assume um papel central, exigindo uma postura reflexiva e sensível diante das realidades complexas que se apresentam no ambiente investigativo.

Entre os principais desafios éticos, destaca-se a questão do consentimento informado. A participação dos sujeitos na pesquisa deve ser pautada em uma compreensão clara dos objetivos do estudo, dos procedimentos adotados e dos possíveis impactos decorrentes da divulgação dos dados coletados. Como enfatiza Minayo (1994), é imprescindível que os participantes sejam informados de forma transparente e que sua autorização seja obtida de maneira voluntária e consciente, garantindo o respeito à autonomia e à dignidade dos indivíduos.

Outro aspecto relevante refere-se à confidencialidade e à privacidade dos dados. Em muitos contextos de pesquisa de campo, os sujeitos podem revelar informações sensíveis ou pessoais, o que exige que o pesquisador adote medidas rigorosas para proteger a identidade e os dados dos participantes. A utilização de pseudônimos, a restrição do acesso às informações coletadas e a adoção de protocolos de segurança na gestão dos dados são práticas que contribuem para a manutenção de uma postura ética e responsável (Gil, 2008).

Além disso, a própria presença do pesquisador no ambiente de estudo pode interferir nas dinâmicas sociais, configurando um fenômeno conhecido como “efeito observador”. Essa interferência, embora inevitável em muitos casos, deve ser reconhecida e minimizada por meio de estratégias metodológicas que busquem a naturalização da presença do pesquisador e a minimização de impactos nos processos estudados (Bourdieu, 1991). O reconhecimento desse viés e a reflexão crítica sobre a própria postura metodológica são elementos essenciais para a construção de um conhecimento que seja, ao mesmo tempo, rigoroso e ético.

A dimensão política da pesquisa de campo também suscita reflexões importantes. Ao se aproximar de contextos marcados por desigualdades, conflitos e disputas de poder, o pesquisador é convidado a refletir sobre o papel do conhecimento na reprodução ou na transformação dessas realidades. Como aponta Foucault (1987), o saber está intrinsecamente ligado às relações de poder, e a produção de conhecimento, portanto, não pode ser dissociada das implicações políticas e sociais que a acompanham. Essa consciência exige do pesquisador uma postura comprometida com a ética e com a responsabilidade social, que reconheça os riscos e as potencialidades de sua atuação em campo.

Por fim, a reflexão ética na pesquisa de campo envolve também o cuidado com a divulgação dos resultados. A comunicação dos achados deve ser feita de forma a preservar a integridade dos participantes e a contextualizar as informações de maneira a evitar interpretações equivocadas ou estigmatizantes. A transparência e a clareza na apresentação dos dados, aliadas a uma análise crítica e fundamentada, são elementos que contribuem para a construção de um discurso científico ético e socialmente responsável.


7. Conclusão

A pesquisa de campo se consolida como uma metodologia indispensável para as ciências sociais, pois permite a compreensão aprofundada e contextualizada dos fenômenos sociais. Ao aproximar o pesquisador dos sujeitos e dos contextos estudados, essa abordagem não só possibilita a coleta de dados ricos e diversificados, mas também promove a reflexão crítica acerca das relações de poder, dos processos culturais e das dinâmicas históricas que configuram a realidade.

Ao longo deste texto, foram abordadas as principais dimensões teóricas e metodológicas da pesquisa de campo, destacando desde as definições conceituais e os referenciais epistemológicos até os desafios práticos e éticos que permeiam a realização desse tipo de estudo. As contribuições dos principais autores – tais como Minayo (1994), Gil (2008), Bourdieu (1991), Giddens (1991) e Foucault (1987) – evidenciam a importância de uma abordagem que alia rigor metodológico, sensibilidade interpretativa e compromisso ético.

Diante de um cenário marcado por constantes transformações sociais e desafios emergentes, a pesquisa de campo se apresenta não apenas como um método de coleta de dados, mas como uma prática que estimula a reflexão crítica e a proposição de intervenções que promovam a justiça social e a democratização do conhecimento. Assim, o trabalho em campo não é apenas uma estratégia metodológica, mas um caminho para a construção de saberes que dialoguem com a complexidade e a diversidade das experiências humanas.

Em síntese, o presente estudo reafirma a relevância da pesquisa de campo como instrumento fundamental para o avanço das ciências sociais, ao oferecer uma visão que integra teoria e prática e que valoriza a pluralidade dos discursos e das vivências. Essa abordagem, ao mesmo tempo empírica e teórica, continua a inspirar novos estudos e a contribuir para a transformação da realidade, evidenciando que o conhecimento, quando produzido de forma ética e comprometida, é um agente potencial de mudança.


Referências Bibliográficas

BOURDIEU, P. 1991. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Zahar.

FOUCAULT, M. 1987. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes.

GIDDENS, A. 1991. Modernidade e identidade. São Paulo: Unesp.

GIL, A. C. 2008. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas.

MINAYO, A. M. de S. 1994. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec.

SOUSA, J. 2005. Pesquisa de campo: Fundamentos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora FGV.

ALMEIDA, M. 2000. Ética e pesquisa social. Porto Alegre: Bookman.

Sair da versão mobile