Pode a redução da maioridade penal diminuir a criminalidade no Brasil?

A maioridade penal é um tema que desperta acalorados debates em diversos países ao redor do mundo. Trata-se de um assunto complexo, que envolve questões legais, sociais e éticas. Neste texto, abordaremos os argumentos contrários à redução da maioridade penal, defendendo a importância de medidas alternativas que busquem a ressocialização dos jovens infratores.
redução da maioridade penal

 

 Silvia Mara Pereira*
Antes de tentarmos responder a essa questão, temos que estar atentos como denominamos a adolescência no Brasil, ou seja, de quem falamos e como falamos, pois essa oposição se encontra na desigualdade social e na dicotomia entre pobreza e riqueza, bem e mal e reflete o lugar de onde falamos.

 

Se falamos de “menores de 18 anos ricos”, são crianças, adolescentes, jovens, são conscientes, têm possibilidades: são gente. Se falamos de nós mesmos, “somos nós”, trabalhadores, filhos de trabalhadores, temos “berço”, mas se forem “menores de 18 anos pobres”…  aí sim, serão coitadinhos, criminosos infanto-juvenis, infrator, jovem, jovens perigosos, menor infrator, menores, menores abandonados, delinquentes[1].
Ora, os ciclos de vida: infância, adolescência, juventude, fase adulta e terceira idade, são os mesmos para toda a população, independente de classe social, no entanto, continuamos a fazer essas distinções de acordo com esse critério.
Alia-se a isso uma prevalência da mídia em expor infrações cometidas por adolescentes pobres (denominados “menores”) mais do que os cometidos por outros da classe média e média alta (estes chamados de adolescentes e com tempo menor de exposição à mídia, talvez para não “macular” a imagem da família), embora saibamos de que estes também cometem atos infracionais, que como já disse, não é prerrogativa de “pobres”[2]. A consequência disso é uma comoção pública, generalizada, conclamando à redução
da maioridade penal, conclamando por “cadeias”, quando não, pena de morte.
Detenhamo-nos no Código Penal. O mesmo parte de um “delito” que deve ser “punido” para que o “delinquente” seja castigado e que pela intimidação possa ser “ressocializado”, além, é claro, de “educar” a sociedade através da intimidação e pra isso, dividem as penas em privativas de liberdade (envolvendo a reclusão, a detenção e a prisão simples, que são utilizadas para crimes de maior grau ofensivo)[3], as penas restritivas de direito ( que tratam da prestação de serviços à comunidade, a interdição temporária de
direitos a limitação do fim de semana, a prestação pecuniária e a perda de bens e valores) e finalmente, a  pena Pecuniária.
Já o Estatuto da Criança e do adolescente – ECA prevê em seu preâmbulo a proteção integral às crianças e adolescentes, mas não se furta a tratar do “Ato Infracional”, entendido como crime ou contravenção penal e segue os mesmos preceitos do Código Penal e prevê como Medidas socioeducativa, dependendo da gravidade do delito, tal qual o Código Penal: Advertência/Obrigação de Reparar o Dano/Prestação de serviço à Comunidade/Liberdade Assistida/Semi-liberdade/Internação, além da Remissão. Entendo
que tais medidas são coerentes, suficientes e vão ao encontro da tendência moderna das Penas Alternativas para os adultos.
Pra pensar a redução da maioridade penal, tomando os dados estatísticos, temos que no Brasil há cerca de 17 Bilhões de adolescentes e jovens entre 15 a 19 anos, correspondendo há 8,9% de nossa população total.  Supondo que “todos” fossem potencialmente infratores, ainda assim,  45,0 % se enquadrariam  nos delitos de “danos ao patrimônio Público”, cujas medidas mais apropriadas   seriam a Obrigação de Reparar o Dano e/ou a Prestação de Serviço à Comunidade e apenas   2,0%, ( protegendo adultos ou não) estariam vinculados aos crimes de atentado à vida.
Ora, nosso sistema prisional além de injusto (posto que a grande maioria permanece encarcerada sem julgamento ou após ter cumprido a pena, superlotado, expondo todos a condições sub humanas, sem cumprir seu papel primordial que é de ressocializar) , teria que comportar mais um contingente de pessoas, trazendo ônus financeiro, sem possibilidade de uma intervenção efetiva. Pior, tomando como parâmetro que mesmos àqueles que cometeram crimes hediondos, assassinatos…,teriam direito a progressão da pena, cumprindo nada mais que seis anos, ou seja em pouco tempo teríamos uma proporção de (agora sim) “criminosos”, “especializados”, revoltados, em nosso convívio.
Sejamos sensatos, façamos um apelo pelas penas alternativas, pela não redução da idade penal, cujas medidas socioeducativas são suficientes para promover reflexão, ainda que tenhamos que rever o prazo da Internação, pois essa ampliação se faz necessária, assim como é necessário a revisão do Código Penal. Temos que rever sim, a relação entre a prática do ato infracional e a privação de liberdade, a liberdade compulsória aos 21 anos e outros aspectos, mas retroceder jamais.  Não acredito mesmo que essa redução vá diminuir a criminalidade no Brasil, pelo contrário, estou cada dia mais convicta de que temos que assegurar essa conquista da proteção integral para nossas crianças e adolescentes e avançar
rumo a mais direitos sociais.

 

[1] Cabe ressaltar que o termo “delinquente” foi cunhado no antigo Código do Menor e já distinguia o “pobre” abaixo dos 18 anos do adulto, destinando “lugares de reclusão” diferenciados para um e outro.
[2] Diante disso, penso ser fundamental que independente da situação, do ato cometido, da origem de classe, doravante passemos a designar a todos na faixa etária de 12 a 18 incompletos, de adolescentes. Isso nos permitirá ver as peculiaridades desse ciclo de vida, motivações, gostos…, o que é próprio da adolescência,
independente de classe social e que “desvios” existem em qualquer fase da história, em qualquer lugar do mundo, em qualquer família e assim sucessivamente.
[3] Há que se ressaltar que as penas de reclusão, como são para crimes mais graves, é iniciada pelo regime fechado, passando para o semiaberto e caminhando, por fim, ao aberto.
*Silvia Mara Pereira é Socióloga – DRT 930 MG Especialista em VDCA – USP Diretora Presidente do SINDS MG

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

1 Comment

  1. A grande questão não é estratificar a criminalidade entre ricos e pobres, mas sim fazer com que todos, independente de classe, assumam responsabilidade por seus atos e paguem da mesma forma. A análise deve se basear em dados concretos, não apenas no lugar comum de afirmar que só o adolescente pobre vai preso. O que se pode afirmar com certeza é que os pobres são os que mais sofrem com a criminalidade, e é interesse deles que a função punitiva do Estado seja exercida com eficácia.

    Se há pessoas reclusas sem julgamento, então a solução não é deixar de prender, mas sim melhorar o sistema processual e a defensoria pública. A política de medidas alternativas já vem se mostrando falha ao longo dos anos, e isso é fato.

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