Por que ser contrário à Medida Provisória que reforma o Ensino Médio?

reforma o Ensino Médio

Por que ser contrário à Medida Provisória que reforma o Ensino Médio?

A Medida Provisória, de número 746/2016, proposta pelo Governo que altera a LDB, ainda que dito que não excluirá a Sociologia e a Filosofia do Ensino Médio, cria condições para que isso ocorra sem  posteriores resistências jurídicas em um segundo momento, pois deixará abertura para interpretações subjetivas. Me coloco contrário a tal reforma por vários motivos. Exponho alguns deles a seguir:
 
1. Excluir do corpo da Lei a indicação objetiva da obrigatoriedade dessas disciplinas e, no lugar, manter apenas o indicativo genérico de obrigatoriedade das “Ciências Humanas” deixará margem para interpretações diversas, bem como deixando a responsabilidade de definir quais são as disciplinas que integrariam as Ciências Humanas a documentos facilmente modificáveis ao prazer do Ministério.
 
2. O Ensino Médio não é o momento de escolhas profissionalizantes, uma vez que os jovens precisam primeiro passar por uma educação ampla a fim de conhecer minimamente cada uma das disciplinas. Se atualmente muitos são os jovem que conclui o Ensino Médio sem ainda ter certeza de qual carreira seguir, como lançar sobre suas costas uma decisão tão prematura?
 
3. Antes de formar profissionais, é necessário formar o ser humano, daí a importância de amplo acesso a todas as Ciências Humanas.
 
4. Está mais que claro que a classe política e grupos reacionários enxergam as Sociologia e a Filosofia como disciplinas “comunistas e/ou subversivas”, barreiras ao “projeto de retrocessos” que parece estar no horizonte (talvez nem tão distante assim). A sociologia ao propor desnaturalizar os fenômenos e as relações sociais incomoda os que desejam manter o status quo. O olhar com estranheza a “normalidade” não é de interesse em quem a deseja reproduzir.
5. Flexibilizar, sobretudo em um governo que corta recursos para a educação, é o mesmo que excluir. Bastamos olhar para o passado e vermos se as disciplinas que eram optativas nas escolas eram efetivamente oferecidas. A Sociologia e a Filosofia já foram, por décadas, vítimas dessa “flexibilização”.
6. As mudanças propostas não “atacam” os problemas existentes, antes maximizarão estes, sobretudo nas escolas das periferias e do interior. Ampliar a carga horária de aula sem pensar na ampliação das estruturas físicas, na formação dos professores, na alimentação é um grande erro. O maior problema da Educação Básica brasileira não é o currículo, como querem levar a crer, como se alterando-o resolveremos nossos problemas. 
 
A proposta do Ministério da Educação, porta voz de grupos reacionários, é “Reformar para não  ter reforma”. É garantir condições para que o status quo não seja modificado. A Medida Provisória busca propiciar que a atual “normalidade” seja permanente, não seja contestada, estranhada, desnaturalizada. Nesse contexto, a primeira vítima será a Sociologia.
 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

3 Comments

  1. Quem se dispõe a discutir a “reforma” do ensino médio peca ao focar na questão da não obrigatoriedade da disciplina. Essa discussão é relevante por atingir diretamente alguns profissionais, mas é a menor das percas possíveis com essa MP. O primordial a ser discutido é a privatização do ensino, uma vez que no art. 36 parágrafo 17 possibilita que as horas do ensino médio sejam completadas com ensino a distância, cursos técnicos, atividades ocupacionais ou com o próprio trabalho. Ou seja, o mínimo de aula (o conteúdo obrigatório) cumprida no colégio, e o resto vende para o SENAI.

  2. Filosofia, que significa “amor pelo saber”, talvez seja a matéria mais importante do ensino médio. É absolutamente indispensável na formação de um ser humano. É a matéria que deu origem a quase todas as outras.

    Discordo do item 2, acho que a escola pública deve estar mais perto do mundo prático, seria ótimo se o aluno do ensino médio tivesse contato com profissionais de todas as áreas possíveis, aí sim o aluno sairia do ensino médio mais maduro e decidido. E com certeza mais feliz e empolgado, porque só teoria é chato demais. A escola deve se aproximar muito mais de todas as profissões, sem exceção. Agora, qual é a melhor forma correta de se fazer isso, eu não sei dizer, mas não é da forma como Temer quer fazer.

    No mais, parabéns pelo texto!

  3. Excelente texto!
    Também gostaria de ler sobre transição demográfica brasileira e sobre inclusão social de idosos e de PCD’s.

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