Imaginário da República no Brasil -Resenha: “A Formação das Almas”

Resenha: “A Formação das Almas: o imaginário de República no Brasil
imaginário da República
RESENHA: A FORMAÇÃO DAS ALMAS: O IMAGINÁRIO DA REPÚBLICA NO BRASIL
Por Edinei Pereira*

CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo. Companhia das Letras: 1990

José Murilo de Carvalho é graduado em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com mestrado em Ciência Política pela Stanford University e doutorado em Ciência Politica pela mesma universidade. Foi pesquisador da Casa de Rui Barbosa, do Centro de pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. E atualmente é professor da UFRJ. É autor, dentre os vários livros já publicados, de Cidadania no Brasil- longo caminho, Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, e A Formação das Almas: o imaginário da república no Brasil. Sendo esta ultima obra o objeto de nossa análise.
A quem pretende conhecer uma parte da história do Brasil não pode ficar sem ler duas obras primas do autor, uma é o livro ao qual ele intitulou de Os Bestializados, a outra obra é A Formação das almas. Aqui cabem algumas ressalvas. Na primeira obra o autor desmistifica a visão errônea de que o povo esteve presente num processo de transição política, mesmo não aceitando passivamente o que se passava ao seu redor, e põe em cheque o que naquele período entendia-se sobre cidadania. Enquanto a segunda obra referida- A Formação das Almas- é focada num processo em que a República busca sua consolidação, mesmo que para tanto façam buscas incessantes pela criação de mitos, heróis, e uma cultura de fácil absorção. E é desta forma que o autor procura compreender quais foram os elementos apropriados pela elite, tal qual a criação de heróis, hinos, bandeiras e simbologias. Objetivando, dessa forma, criar nas massas um sentimento de nacionalidade, um imaginário republicano.
Formação das Almas é composta por seis capítulos, contendo, também, uma introdução e conclusão. E ao longo de suas 166 páginas enriquece a obra “imaginário da República” com várias pinturas da época, deixando evidente sua proposta, como a apresentação de personagens, símbolos, e até mesmo de correntes de pensamentos que travaram intensas lutas no interior de um regime que buscava um norte, uma afirmação no que se refere a aspectos de poder. E isso o autor relata de forma bem sucinta na introdução do livro. Já na capa o leitor mais atendo irá perceber que o autor introduz uma pintura de Pedro Bruno, denominada de A Pátria, onde mulheres estão envoltas pela bandeira do Brasil, bordando-a.
No primeiro capítulo, Utopias Republicanas, o autor faz referência a um pronunciamento de Benjamin Constant, onde o tema central seria a liberdade, pois dado o momento de transição política pelo qual passava o país, segundo Murilo de Carvalho, estava na ordem do dia para os construtores da República brasileira a legitimação de tal regime perante a nação. Por isso é que o autor busca compreender e levantar questões relacionadas a grupos, nação, cidadania, dentre outros.
Embora, com base nos escritos, o autor reforçasse a busca pela construção de uma identidade nacional, com participação de obras literárias, como O Guarani, de José de Alencar, e de políticos, como José do Patrocínio. O que vigorou, também, foram as correntes de pensamento, e modelos que estavam, como o próprio autor coloca, à disposição dos republicanos brasileiro. Os modelos citados no texto eram: o jacobinismo, o positivismo e o liberalismo. De forma que os dois primeiros de inspiração francesa e o ultimo norte americano. Sendo que os dois últimos, segundo Murilo de Carvalho, se voltavam suas bases ideológicas para a estrutura do poder, isso será, em capítulos seguintes analisada.
Além disso, outro conceito chama muita atenção na obra “imaginário da República”, que é a estadania, onde o Estado aparece como um acolhedor das massa desprovidas de todo e qualquer sorte, como os desempregados, insatisfeitos com baixos salários.
No segundo capítulo, – As Proclamações da República-, atém-se às preocupações que levaram os republicanos a descrever, criar e consolidar o novo regime. Para tanto, o autor descreve que houve “a batalha pela construção de uma versão oficial dos fatos” (grifos do autor), e logo tiveram três participantes no processo, que iria culminar na Proclamação da República, como os que iriam disputar o título de heróis maior da conquista.
É nesse sentido que a obra busca descrever o perfil de cada um, tanto quanto os grupos e correntes de pensamento que influenciaram. Deodoro, por exemplo, é descrito como usas raízes nos militares, o que para estes, o exército tivera maior influencia nos fatos que precederam a proclamação que os civis. Enquanto a figura de Benjamin Constant, que representava a ala positivista não ortodoxo, fazia contraposição aos militares. E Quintino Bocaiúva, representava um setor liberal. Pendendo mais para o lado de Deodoro.
O autor, ao final deste capítulo, coloca aquilo que pode ser entendido como sendo uma das principais ideias do livro. Expõe as dificuldades encontradas pelos lideres da proclamação em encontrar um gesto que simbolizasse o movimento através da arte. Enquanto ao povo, este estivera longe dos acontecimentos. Murilo de carvalho ainda coloca que as contradições da República se deu na mesma proporção que a escolha daquele que simbolizaria o herói da nação.
O terceiro capítulo– Tiradentes: um herói para a república-, começa explicitando as dificuldades que o novo sistema de governo encontrara para construir a imagem do herói nacional, pois, apesar dos vários esforços em consolidar os nomes que participaram da transição do governo, mesmo como a ajuda dos positivistas, fora em vão. Os motivos foram vários, desde fatores estéticos, até mesmo a questões morais.
Dessa forma, a figura de Tiradentes ganha força. Embora muitos não imaginassem que este seria um forte candidato a herói nacional, Campos Sales tinha um retrato deste em sua sala. Neste capítulo Murilo de Carvalho expõe tal fato com o intuito de mostrar que o personagem não era completamente desconhecido, o que, também, gerou conflitos em torno de sua imagem. Para tanto, dado as contradições em torno da construção do personagem, o autor descreve a participação de historiadores e literatos na exposição do imaginário que estava por vir, sendo que os segundos saíram na frente, como, por exemplo, com a publicação de As liras, de Gonzaga, publicadas em 1840. A disputa entre a figura de Tiradentes e Pedro I, segundo o autor passou a fazer parte da batalha entre republicanos e monarquistas, tal conflito não pode ser analisado apenas no período em que a República fora proclamada, e, sim, fora antes mesmo do novo regime, uma vez que A inconfidência mineira resultou na morte por enforcamento de Tiradentes, e no local fora construída uma estátua da pessoa que o enforcara, o então neto da rainha.
José Murilo de Carvalho demostra com isso que a republica buscou uma figura com a cara da nação, e os fatores que possibilitaram tal façanha, segundo o autor, além dos já citados, foram vários. Como fato de Tiradentes ter participado dum espaço geográfico politicamente privilegiado, Minas gerais, não ter ido a nenhuma guerra. E a tradição cristã do povo facilitava a construção de um Cristo cívico, e as alusões, segundo o que fora descrito na presente obra pelo autor, vão desde a morte, assemelhando-se a Jesus no calvário, ao fato deste, assim também como Jesus, ter sido traído, até mesmo sua feição, a de Tiradentes, fora associado a de Jesus Cristo. Tal imaginário fora construído com total suporte dos positivistas, e transposto para quadros, monumentos, livros, e em 21 de abril de 1890 fora criado o ferido nacional. E ao longo do processo histórico, vários outros governos se apropriaram da figura de Tiradentes na construção e manutenção do imaginário da nação.
Em República-Mulher: entre Maria e Mariane, o autor aborda a figura feminina nas Repúblicas francesa e brasileira. Primeiramente faz uma análise da República francesa e a transformação da imagem feminina ao longo das três fases do novo regime. Dessa forma, o autor demonstra domínio, não só sobre o contexto brasileiro, mas também, sobre o contexto histórico de outros países, nesse caso a França. E já no início do capítulo, coloca que após a queda da monarquia francesa, onde havia a figura do rei, o uso da alegoria feminina passa ter um patamar no imaginário francês. A alegoria feminina, que tivera inspiração da Roma antiga, ganha posteriormente maiores conotações, com o quadro de Delacroix, A Liberdade guiando o povo. Percebe-se nesta obra os traços belicosos da imagem, o que representava a própria revolução. Mas as fases da república fora transformando os interesses pelas simbologias republicanas, então, segundo José Murilo de carvalho, a imagem feminina ganhara novas características, como, por exemplo, aparece amamentando uma criança, e com ar mais serene, não lembrando nada aquela imagem feminina que simbolizava a mulher que participara dos levantes e combates.
Embora o autor iniciasse este capítulo abordando a figura feminina nas republicas francesa, este frisa que seu foco é analisar a representação feminina na república brasileira. Para tanto, José Murilo faz referência em seus escritos a August Comte, pensador positivista que idealizava a mulher, como representação ideal para a humanidade. E este vai além ao descrever as características da mulher, como, por exemplo, com filho nos braços.
Mas, diferentemente do processo republicano francês, a figura aqui no Brasil, por vários motivos não ganhara conotações relevantes. Pois na França, além das mulheres participarem diretamente das manifestações, o ar belicoso descrito nas pinturas do positivista Delacroix, e o ser politizado fizeram-se valer. Diferentemente da realidade do Brasil, onde nem o homem, muito menos a mulher foram agentes do processo político. Ao homem da elite era denominado de público, e, portanto, participante das questões políticas, enquanto à mulher, nas palavras de José Murilo de Carvalho “A mulher se pública, era prostituta”.
Bandeira e hino: o peso da tradição, compõe o quinto capítulo da obra, e não diferente das demais simbologias, também, na definição do hino e bandeira oficial para a República, não se difere no sentido das competições internas, e, sob influencia francesa, ganharam contornos, entre idas e vindas.
Antes da definição, tanto do hino quanto da bandeira, a Marselhesa, hino francês, que eram cantadas por todas as nações que se consideravam revolucionárias, também, fora adotada pelos republicanos até a consolidação do hino oficial. Porém, a bandeira tricolor, que também tinha significado na França, apesar de seu peso simbólico, não fora adequado a nova bandeira. Dessa forma, após várias tentativas, Décio Villares desenhara a bandeira que seria a oficial, com indicações positivistas “Ordem e progresso”, e que indicava a transição do regime. Também havia uma representatividade nas cores e estrelas.
José Murilo de Carvalho descreve que apesar dos embates em torno do hino e bandeira, o impacto foi menor que a construção dos mitos e heróis da república. Os cartunistas da época fazendo uso de jornais e revistas expressavam de forma a criticar e elogiar os novos símbolos da nação.
E, por fim, o sexto capítulo, Os positivistas e a manipulação do imaginário, que está subdividido em três subtemas, no qual o autor descreve um August Comte com pensamentos que não se limitava unicamente a elementos científicos. A esta transição, segundo José Murilo de Carvalho, se deveu ao relacionamento de Comte com Clotilde de Vaux. Dessa forma, tal pensamento chegou a desenvolver maneiras de alcançar os fatores estéticos. Então, constata-se a seguinte passagem na obra: “ Segundo a estética positivista, a imaginação artística deve ter por inspiração o sentimento, por base a razão, e por fim a ação…”.
E no campo das doutrinas, onde a ortodoxia brasileira e o ideário comtista tinham como objetivo o convencimento da população. Enquanto os setores médio tinham acesso aos livros, jornais etc, aos proletários e mulheres cabia o uso de simbologias e rituais para o convencimento desses últimos.
Dessa maneira, José Murilo de Carvalho, em seis capítulos, expõe em sua obra “imaginário da República” um processo onde a busca pela legitimação esta na ordem do dia. Assim, também, como a busca incessante pela afirmação de mitos, heróis, bandeiras e simbologias. Embora na historiografia os republicanos emplacassem a vitória sobre a monarquia, estes se depararam com o embate entre as principais correntes da época- liberalismo, jacobinos e positivistas-. Além disso, as figuras, segundo José Murilo, buscavam a consolidação do novo regime através daquele que seria o símbolo maior da nação. Porém, não contavam com os contratempos.
A influencia francesa fez-se presente desde o início, haja visto que o simbolismo fora a corrente de pensamento que predominara ao longo das decisões que iriam culminar com as obras artísticas, tal qual a bandeira nacional, monumentos, quadros etc.
O autor buscou apresentar nesta na obra “imaginário da República” aquilo que considerou como sendo os principais pontos responsáveis pela transformação de mentalidade de um povo, e para tanto, segundo José Murilo de Carvalho, fazia-se por parte da elite propagar, através do conhecimento, a proliferação de simbologias. Uma vez que os letrados absorviam os livros e jornais, restava agora convencer, ou tornar mais acessível aos não letrados, como mulheres e proletários em geral, através de simbologias criadas principalmente pelos positivistas. Então, o desafio da identidade republicana era, sobretudo, a absorção de novos saberes, e consequentemente a formação da alma.
*  Graduado em Ciências Sociais pela Fundação Santo André. Atualmente está se especializando em História, Cultura e humanidades pela PUC-SP.

 

Como citar esse texto:
PEREIRA,  Edinei.Resenha: A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. Blog Café com Sociologia. 2015. Disponível em: < https://cafecomsociologia.com/2015/11/resenha-formacao-das-almas-o-imaginario.html>. Acesso em: dia mês ano.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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