Resenha: O carnaval como um rito de passagem

Rito de passagem: Ensaios de antropologia estrutural

Contribuição de Keller Augusto Bresolin* 

DaMatta, na introdução de “Ensaios de Antropologia Estrutural”, tendo como referência aos trabalhos de Levi-Strauss, O pensamento selvagem, questiona a  “superioridade” do homem ocidental em relação aos povos primitivos. Ele aponta que apesar do desenvolvimento tecnológico que alcançamos ainda temos muito em comum quando comparamos as nossas estruturas sociais, citando os exemplos de figuras míticas em produtos.

Quando nos referimos à cultura brasileira o que primeiro vem em mente juntamente com o futebol é o carnaval. Este último é preferível, pois apresenta a realidade social, numa perspectiva totalizadora, como um povo carismático, num aspecto comunitário, deixando de lado a estrutura social marcada pelos antagonismos.

Desta forma o carnaval é uma forma de communitas, onde “raças, credos, classes comungam pacificamente ao som do samba e da miscigenação”, rompendo com a rotina que é o produto da ordem social.

DaMatta parte a sua pesquisa das músicas e textos que falam sobrem carnaval, citando entre outras “A noite dos Mascarados”, a qual serve de exemplo para análise. A música num primeiro momento apresenta o carnaval como um momento especial, em que há a possibilidade de vivencias inconsequentes, livre de questionamento. Num segundo momento a existência de contradições e oposições entre as partes que não podem ser consideradas, e num terceiro momento apresenta o carnaval como neutralização ou inversão essas oposições.

As pessoas se despem de suas roupas, podendo ser de forma literal, caracterizando a libertação do corpo, o “sujo” ganha espaço, assim como a noite se sobressai sobre o dia, o grande centro urbano se assemelha ao interior, caracterizando a inversão da estrutura. Outro mecanismo da inversão carnavalesca é o uso das fantasias que

[…] remetem às áreas ambíguas ou aos limites de nossa sociedade. Numa fórmula tentativa, mas que será matizada no decorrer da análise pode-se dizer que tais vestimentas e caracterizações se endereçam aos subuniversos de significação considerados problemáticos: seja porque gostaríamos de tê-los incorporados a nós mesmos; seja por que estão nos limites de nossa percepção, ação e conhecimento; seja porque estão dentro de nós que passam despercebidos na existência cotidiana, sendo preciso um momento especial para que sejam reconhecidos (p. 42).

Dentre as diversas figuras duas figuras que se destacam como expressão da cultuara brasileira: o palhaço, pela sua inconsequência e pela ridicularizarão e o malandro que é aquele que usa o sistema em seu próprio benefício.

As inversões do comportamento reconduzem a conduta do brasileiro de forma que as diferenças existentes no cotidiano sejam aparentemente superadas por uma atitude ritual que obscurece as diferenças de classe e de posição. Ao mesmo tempo em que o carnaval se apresenta como inversão ou neutralidade da estrutura, ele também aparece como afirmação da estrutura ao trazer a tona tudo que deve ser escondido. O que fundamenta o carnaval brasileiro é a ideologia do encontro e da comunhão entre os grupos sociais.

Outro ponto discutido pelo autor é o enquadramento do carnaval como rito de calendário devido ao seu ciclo de atividades.

DaMatta também compara o carnaval brasileiro com o carnaval de Nova Orleans sendo este um modo de inverter o cotidiano através da descontinuidade, focalizando na desigualdade de grupos tidos como iguais, ou seja, nas diferenças étnicas e sócias enquanto o carnaval brasileiro foca na igualdade e na miscigenação.

Por fim, o carnaval possui ênfase no sexo, pois a liminaridade tem como resultado a miscigenação. O sexo passa a ser um mecanismo de interação nacional na medida em que os brancos, negos e índios se encontram lado a lado numa relação de aliança.

Referências Bibliográficas:

DAMATTA, Roberto. Ensaios de antropologia estrutural. Petrópolis: Vozes, 1973.

* Graduando do curso de ciências sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS

 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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