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Sobre a noção de vocação, principalmente

Por Camillo César Alvarenga*

 

 

A vocação se aproxima objetivamente da noção de profissão, principalmente quando esta vocação é a vida intelectual, no caso da vida acadêmica, quando educação é profissionalização para o mundo do trabalho. Logo ser cientista social é uma profissão em regime de contra- hegemonia e uma constituição de ser humano e social.

Este texto existe pela simples necessidade de que a atividade intelectual, sistemática e metodologicamente preparada, seja capaz de libertar o estudante de Ciências Sociais de toda ideologia e alienação. E que os seus pressupostos, sejam eles ação e a teoria, e partam da premissa da práxis, como exercício reflexivo e crítico de transformação do real – “concreto pensado” – e da sua comunidade, para tencionar um enfrentamento de fluxos de forças no seio da sociedade em que está inserido. Indo além da compreensão das contradições que o regem, dos sentidos que agem sobre seu

entendimento do mundo social, que a medida de uso e do valor de seu tempo, e que o trabalho intelectual e social por ele realizados, sejam operados para melhor interpretar e vivenciar sua utopia e se encontrar com sua distopia. Para que a emergência de um edifício de conhecimento combativo avance sobre a urgência de um mundo e uma vida social com suas necessidades e lutas cotidianas.

Num cenário onde a academia é feita um panóptico, e entre outros, o estudante de Ciências Sociais continua ativamente a busca da organização de pensamentos para construir-estruturar suas relações humanas com os outros indivíduos, com seu grupo, com sua classe, enfim, toda a complexidade da civilização erguida ao seu redor. A determinação imperativa da “ciência” através da produção/reprodução do conhecimento desprezando, por vezes, os limites necessários da prática filosófica para (re)formular a experiência sobre bases próprias da realidade particular e socialmente compartilhada, leva-nos à necessidade de criticar a experiência empírica pelo prisma da cultura.

A ironia, o cinismo, a indiferença, o preconceito revelam a face psicológica utilizada no “esporte de combate” que é a vida universitária. Em análise, na constituição de um universo cosmopolita e popular, o movimento real das “verdades” – das forças intelectuais libertárias versus forças racionalizadas e anti-intelectuais burocratizadas – deve se valer de uma solução social onde o cimento da vida contemporânea não se volte aos esquemas modernos e, sim, aproxime a força da ação social orientada e a finalidade que a vida do espírito crítico e militante objetiva no contexto tal – a invenção de um ser apto a lidar com a dimensão material e simbólica da cultura, com a natural ambiguidade da política, comprometido com a superação do evolucionismo da teoria racial, da superioridade de gênero, da luta de classe e suas contradições da desigualdade econômica e do mundo histórico do trabalho no espaço dialético do seu cotidiano.

Enquanto vivemos a massificação do ensino superior, assistimos cada vez mais distanciados e alienados a fatalidade da condenação a uma educação em estado precário e rarefeito potencial de transformação das faculdades e capacidades humanas. Decorrência da complexa acumulação de funções entre gestão, administração e ensino, no caso dos professores em seus departamentos. Numa vida em que o sistema de contradições ossifica a vida cotidiana, busca-se mais que mais um termo diferente, mas sim, uma outra ideia de ser, que entre reacionários, utópicos, progressistas, anarquistas e outras falíveis concepções que se espalham e abarcam as desigualdades de forças materiais e intelectuais no jogo de privilégios e poderes, onde não há muitas escolhas.

Estas considerações talvez descortinem questões nem sempre postas, enquanto flertamos entre a tragédia e a comédia, o drama indecente com uma realidade indiferente que é uma constante. Sem dúvida podemos imaginar que nossa mazela, com a exceção de alguns raros, é a satisfação de alguém que secretamente nos acomete suas mais pungentes ações enquanto os estudantes, cientistas sociais em formação, são sacrificados nas permutas entre as forças dirigentes em disputa por um projeto de feição difusa.

*Graduando em Ciências Sociais/UFRB, e Pesquisador na Fundação Hansen Bahia.  Blog: https://scombros.blogspot.com.br/ Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/3835461164143283

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