Sociologia positivista: conceito e importância histórica

sociologia positivista

A Sociologia positivista é uma forma que antecede a Sociologia como ciência, estando em uma transição entre filosofia e conhecimento científico. Foi idealizada por Auguste Comte e influenciou o movimento republicano Brasileiro, que adotou o lema positivista “ordem e progresso” na bandeira nacional.

Por Roniel Sampaio Silva

 

Contextualizando

A Sociologia tem uma relação de aproximações e distanciamentos com a Sociologia positivista. Compreender tal conceito é fundamental para fortalecer em mente as bases epistemológicas das Ciências Sociais. A “sistematicidade” positivista foi fundamental para o desenvolvimento da Sociologia enquanto ciência. Neste sentido, cabe destacar que a disciplina de Sociologia foi implantada pela primeira vez no currículo escolar brasileiro um pouco depois da Instauração da República.  As ideias do pensador francês influenciaram fortemente os militares brasileiros, em especial, Benjamin Constant, que juntamente à Rui Barbosa espelhou-se na Sociologia positivista para arquitetar a recém criada República brasileira.

O Auguste Comte nasceu na cidade francesa de Montpellier em 19 de janeiro de 1798, período da Revolução Francesa. Filho de um fiscal de impostos e criado em família católica e monarquista, o pensador passou por grandes conflitos com sua família. Ele rejeitou valores católicos e do Antigo Regime desde jovem, abraçando os ideais iluministas que foram sendo aprimorados ao longo de sua trajetória (TRINDADE, 1999).

Aos dezesseis anos, em 1814, ingressou na Escola Politécnica de Paris. Esta escola foi fundada durante a Revolução Francesa. A experiência nessa instituição marcou profundamente o autor, que em cartas trocadas com o filósofo Stuart Mill se referiu à politécnica como primeira comunidade verdadeiramente científica (CARDOSO, 2013). Nesta escola, Comte teve aulas com grandes matemáticos, astrônomos e físicos os quais despertaram princípios de cada uma dessas ciências segundo uma perspectiva histórica.

Em 1816 a França se vê diante de uma onda conservadora desencadeada com a derrota de Napoleão a qual tem como alvo a Escola Politécnica, acusada de “doutrinação jacobinista” (TRINDADE, 2007).  Os adeptos do Antigo Regime conseguiram o fechamento provisório da instituição, Comte foi obrigado a deixar a instituição, porém permaneceu em Paris e passou a ser influenciado por intelectuais que fortaleceram seu amadurecimento intelectual.

Em 1817, um ano depois de sair da Politécnica, Comte foi convidado para ser secretário do homem que foi sua maior influência e que durante um bom tempo foi seu grande mestre, o Conde de Saint-Simon. O conde defendia ideias socialistas, ficou conhecido com um dos “socialistas utópicos” e introduziu Comte à elite intelectual parisiense.

1824 é o ano de rompimento com seu mestre Saint-Simon, deixando o trabalho de secretário, agora de status civil casado, o discípulo passou a dar aulas particulares de matemática e usou sua própria casa para ministrar um curso autoral que deu origem ao livro “Curso de filosofia positiva”, dividida em seis volumes e publicada entre 1830 e 1842.

Comte, por fazer críticas à matemáticos, perdeu o posto de examinador de admissão da escola politênica editado em 1842.  “Curso de filosofia positiva”, o filósofo francês afirmava ter chegado o tempo de os biólogos e sociólogos ocuparem o primeiro posto no mundo intelectual para pensar os rumos do novo mundo que surgia a partir do Capitalismo Industrial e Revolução Francesa.

Auguste Comte pensou em uma ciência rigorosamente sistematizada que em princípio a chamou de “física social” e mais tarde “sociologia”. Ela, tal qual as ciências da natureza, estudaria a organização social a fim de teorizar uma ordem que guiasse o novo mundo capitalista ao progresso.

O filosofo, também, fundou uma religião guiada por orientações laicas, chamada de religião positivista, que seguia os princípios teorizados pela sua filosofia e que serviram de base para organizar, detalhadamente, aspectos da vida social. A pretensão dele era criar uma religião que concorresse com as convencionais e que servisse de guia para o progresso, avanço da ciência, da sociedade, da moral e da tecnologia.

As ideias positivistas chegaram ao Brasil, influenciando os militares que instituíram a República em 1889, fazendo reverberar as ideias do filósofo francês, que não chegou a viver tanto, falecendo em Paris em 1857, aos 59 anos.

 

Conceituando: Sociologia positivista

A partir de um ponto de vista durkheimiano conceituamos Sociologia positivista como um sistema de ideias criado por Comte, que parte do pressuposto fundamental que é necessário pensar cientificamente e objetivamente os problemas de modo a buscar leis que os expliquem, tal pensamento deve subordinar a imaginação e argumentação à observação (GIANNOTTI, 1978).

Portanto, a Sociologia positivista é uma doutrina que coloca a ciência acima das demais formas do conhecimento e vê nela parte de um processo de amadurecimento intelectual posterior a outras formas de conhecimento.  Em sua obra “Curso de Filosofia Positiva” o autor compreende que o desenvolvimento científico, moral e tecnológico são parte de um processo integrante o qual chamou de espírito positivo.

Em suma, o espírito positivo, segundo Comte, instaura as ciências como investigação do real, do certo e indubitável, do precisamente determinado e do útil. Nos domínios do social e do político, o estágio positivo do espírito humano marcaria a passagem do poder espiritual para as mãos dos sábios e cientistas e do poder material para o controle dos industriais. (COMTE, p.20,  1978)

Comte entende que problemas ganham dimensões complexas na medida em que as sociedades evoluem e precisam ser pensados de maneira cada vez mais sistematizadas para dar conta de suas respectivas soluções. Para viver em uma sociedade cuja logica de organização é totalmente inédita, era preciso reorganizar, sistematicamente e intelectualmente, o homem.  Para tanto, a base da Sociologia positivista é a preocupação com a objetividade herdada das Ciências Naturais.

influenciada pelas Ciências Naturais, a Sociologia positivista reforça a ideia de que é possível analisar a vida social em uma perspectiva “neutra”.  Para os positivistas o pesquisador pode se distanciar radicalmente do objeto de estudo, assim como é nas ciências naturais.  A partir disso, a perspectiva positivista busca compreender leis que regem nosso comportamento social da mesma maneira que existem leis naturais, postuladas pelas Ciências da Natureza.

A Sociologia positivista considera que a evolução das sociedades humanas são intimamente relacionadas às formas de explicações de mundo. Ou seja, os tipos de conhecimento que vão tomando dimensões de menos elaboradas até mais  elaboradas. Desse modo, o autor considera que existem três momentos chaves que caracterizam suas respectivas formas de conhecimento. Auguste Comte avaliou a história humana e a categorizou em três momentos evolutivos distintos, respectivamente: Estado teológico, estado filosófico e estado científico.

Ao se debruçar sobre história, Auguste Comte identificou o que ele intitulou como: “Lei dos três estados. Para ele a marcha histórica pode ser caracterizada por esses três momentos distintos cada um com características próprias cuja superação se dava pelo último estágio evolutivo, chamado de positivo que seria encabeçado por biólogos e sociólogos, fato que desagradou outros intelectuais, principalmente matemáticos.

Essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados históricos diferentes: estado teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato, estado científico ou positivo. Em outros termos, o espírito humano, por sua natureza, emprega sucessivamente, em cada uma de suas investigações, três métodos de filosofar, cujo caráter é essencialmente diferente e mesmo radicalmente oposto: primeiro, o método teológico, em seguida, o método metafísico, finalmente, o método positivo. (COMTE, 1978, p.36).

Outro ponto-chave do conceito de Sociologia positivista é a relação entre duas terminologias, que são como as duas asas que sustentam a teoria comteana: ordem e progresso. Esses dois termos se relacionam de forma dialética, enquanto a ordem social é vista como estática e deve ser fundamentalmente organizada sob a égide da doutrina positiva, para que atinja o objetivo que é dinâmico – o progresso. Sendo cada uma delas disposta sistematicamente como ordem e progresso, causa e consequência.

O conceito de Sociologia positivista em movimento

a Sociologia positivista de Auguste Comte foi tomando grandes proporções e foi apropriado não apenas pelos militares republicanos brasileiros, como também passou a influenciar o direito, sociologia, filosofia etc. a Sociologia positivista foi um importante movimento filosófico que marcou a consolidação da Sociologia como Ciência. Em um primeiro momento foi fundamental para criar uma ruptura que propiciou condições favoráveis ao surgimento de uma ciência social que preocupada em explicar as transformações do universo social.

Do ponto de vista epistemológico, a Sociologia positivista foi resgatado em uma nova roupagem, chamado neoSociologia positivista por um grupo da Universidade de Viena entre os anos de 1922 a 1936 intitulado círculo de Viena. O propósito deste grupo era conciliar recentes avanços da lógica contemporânea e buscavam um resgate a Sociologia positivista no sentido vincular os argumentos as suas respectivas demonstrações empíricas, fazendo assim duras críticas à metafísica (Pasquinelli, 1953).

 

O conceito de Sociologia positivista e seus usos.

A Sociologia positivista tomou tantas proporções que hoje podemos dizer que há “Sociologia positivistas”, vários campos do conhecimento: Sociologia, Direito, Política e Lógica fizeram sua releitura da Sociologia positivista, buscando conciliar os ensinamentos de Comte às suas respectivas proposições sobre o mundo.

É fundamental compreender o conceito de Sociologia positivista para compreender o contexto de surgimento da Sociologia, além de ser possível fazer uma leitura da realidade política e das possíveis apropriações dessas ideias desde a instauração da República como mencionado nesse texto. Compreender as bases da Sociologia positivista é entender melhor a Sociologia e o país que vivemos.

Compreender a Sociologia positivista é entender melhor a escola que estudamos e assim avaliar qual o projeto de ser que o Brasil tem idealizado e efetivamente criado a partir de suas bases estruturantes.

Referências bibliográficas

CARDOSO, Sergio Ricardo Pereira. O POSITIVISMOSOCIOLOGIA POSITIVISTA DE AUGUSTE COMTE E A SUA INFLUÊNCIA NA EDUCAÇÃO. Sociologia da Educação: debates clássicos na formação de professores, 2013.

COMTE, Auguste: Curso  de  filosofia positiva, etc. Seleção de   textos:   José   Arthur   Giannotti.   2.   ed.   Trad.:   J.   A. Giannotti/Miguel  Lemos.  São  Paulo:  Abril  Cultural,  1978. (Os Pensadores).

CORRÊA, Arsénio E. A ingerência militar na República e o positivismo. Sociologia positivista. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1997.

Dantas, D. N. M., & Dias, W. M. (2019). Ensino de sociologia em questão: a história da sociologia na educação básica e a questão de debates étnico-raciais. Revista Aurora42(Edição Esp), 73-88.

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico,(3ª edição). Lisboa: Editorial, 2007.

FERRARI, Márcio. Auguste Comte: o homem que quis dar ordem ao mundo. Revista Nova Escola, 2008.

PASQUINELLI, Alberto. La sociologia del neopositivismo. 1953.

SOARES, Mozart Pereira. O positivismo – Sociologia positivista no Brasil: 200 anos de Augusto Comte. Editora AGE Ltda, 1998.

TRINDADE, Hélgio (org). Sociologia positivista: teoria e prática. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2007.

TRINDADE, Hélgio. A república positivista: teoria e prática. in: Sociologia positivista: teoria e prática. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999.

 

Dicas de leitura

A Última Religião. Direção de Hugo Pinto. Rio de Janeiro: Um segundo filmes, 2015. 1 DVD (50 min.).

Boiteux, Yan Demaria. Grandes vultos da Sociologia positivista (em quadrinhos): vida de Augusto Comte, fundador da religião da humanidade. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1958.

MARCONDES, Danilo; JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

 

Dica de atividade pedagógica

Imagine que você é um governante e tem total liberdade para implantar as ideias positivistas em seu governo, quais seriam suas principais medidas?

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

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