Teoria da Curva do Sino e a naturalização das desigualdades sociais
Cristiano das Neves Bodart[1]
Você já ouviu falar da “Teoria da Curva do Sino”? Tal teoria defende, grosso modo, que negros e brancos têm Quociente de Inteligência (QIs) diferentes. Aponta, também, que judeus têm, em média, um Quociente de Inteligência maior que as demais “raças”. Afirma ainda que o QI dos brancos seria, em média, maior que dos negros.
A teoria foi apresentada por James Watson e, posteriormente, em 1994, por Charles Murray e Richard Herrnstein na obra “The Bell Curve” (A Curva do Sino, Free Press, 1994).
Em 2007, a Folha de São Paulo fez uma entrevista com Charles Murray (aqui), que apresentou suas ideias ligadas a eugenia. Nessa entrevista notamos contradições às teorias sociológicas culturalistas, aquelas que defende que somos fruto de nossa construção cultural, a qual se dá por meio do processo de aculturação.
A “Teoria da Curva do Sino”, herdeira do etnocentrismo e do eurocentrismo, utiliza-se de testes psicológicos que supostamente avalia o QIs das pessoas para realizar comparações. Para a Sociologia, aqui já é identificado um erro metodológico: testar a capacidade intelectual de pessoas que viveram em contextos sociais diferentes (contextos degradantes e contextos abastados, com acesso a cultura, saúde e esporte) e depois comparar os resultados.
Sem fazer a discussão sobre os limites dos testes psicológicos, pode-se dizer que a conclusão do estudo é falsa e tem efeitos políticos diretos. Sua falsidade reside em interpretar resultados, que podem ser questionáveis em si mesmos, por meio de críticas aos testes psicológicos, recorrendo a uma motivação difícil senão impossível de detectar – os genes – e desconsiderar dados históricos que podem ter levado a esses resultados devido à maior dificuldade de responder a testes com forte influência cultural (CROCHIK; MASSOLA; SVARTMAN, 2016, p. 2-3).
Na entrevista dada ao jornal Folha de São Paulo, nota-se que o teórico se contradiz por várias vezes, reconhecendo a importância dos contextos sociais e das experiências de vida de cada pessoa.
Em sua entrevista existe, ao meu entender, um ponto que merece ser levado em consideração: a questão de cotas raciais. Por reconhecemos que os problemas sociais estão ligados às situações sociais, tem-se criado cotas sociais/raciais em processos de ingressos em universidades, por exemplo. As cotas devem ser sociais (elemento primeiro) e raciais. Ou seja, o indivíduo só é deferido como cotista se sua condição social for desfavorável, sendo a questão de cor de pele usada como um peso favorável (somatória) sobre os brancos pobres, já que a ascensão social de um pobre negro é ainda mais difícil do que de uma pessoa pobre e branca. Lembrando que os sistemas de cotas são temporários (até que as desigualdades sejam reduzidas) e devem ser parte de outras políticas corretivas das disparidades de condições de acesso.
Teorias como a Teoria da Curva dos Sinos têm sido utilizadas para justificar históricas explorações do homem sobre o homem. São usadas para justificar o status quo, naturalizando as desigualdades sociais, como se estas não fossem resultados de uma excludente história política/econômica, mas alegando que são fenômenos puramente biológicos; erro grave e de impactos perversos. Seus efeitos podem ter um caráter político conservador muito grande (CROCHIK; MASSOLA; SVARTMAN, 2016), contribuindo para a manutenção das desigualdades sociais.
Referências Bibliográficas
Murray, C., & Herrnstein, R. The bell curve. New York, NY: Free Press, 1994.
CROCHÍK, José Leon; MASSOLA, Gustavo Martineli; SVARTMAN, Bernardo Parodi. Editorial: Ciência e Política.Psicologia USP, v. 27, n. 1. p. 1-5, 2016.
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Como citar este texto:
BODART, Cristiano das Neves. Teoria da Curva do Sino e a naturalização das desigualdades sociais. Blog Café com Sociologia. jan. 2013 (atualizado em mar. 2021). Disponível em: < https://cafecomsociologia.com/teoria-da-curva-do-sino-e-naturalizacao/> .
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Nota
[1] Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
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