Vaidade masculina na modernidade*

VAIDADE MASCULINA NA MODERNIDADE*
 
Por Cristiano das Neves Bodart
cristianobodart@hotmail.com
Pensar a temática “vaidade masculina” é proposta desse artigo de opinião. Busca-se apontar as peculiaridades que a vaidade masculina vem apresentando na contemporaneidade, destacar alguns dos principais fatores responsáveis por tais mudanças e, de certo modo, qual seu impacto na vida cotidiana.
A vaidade, obviamente, não é algo que surge na contemporaneidade. Ela sempre esteve presente entre homens e mulheres, haja vista que o desejo de ser admirado por outrem é identificável em todas as sociedade humanas. O que temos presenciado é um deslocamento do tipo ou formato de vaidade masculina nas sociedades ocidentais. Antes da modernidade a vaidade masculina estava centrada exclusivamente na força e na capacidade protetora do sexo oposto, estando a mulher marcada pela fragilidade e carência de proteção. Por muitos anos a vaidade materializada por meio de adornos esteve associada, na sociedade ocidental, como pecado espiritual.
Diversas mudanças na estrutura social provocadas pela processo “civilizatório do capitalismo” fizeram com que muitos homens passassem a abandonar, em certa medida, a figura do “sexo forte” e passamos, por exemplo, a vê-los chorando em público, trabalhando na limpeza da casa, preparando o alimento e abraçando os amigos do mesmo sexo. Essas ações cotidianas são sintomáticas dessa mudança. Diversas mudanças na estrutura social foram importantes para a atual configuração da vaidade entre os homens, podemos citar, dentre elas, o desenvolvimento do capitalismo e as mudanças ocorridas no seio do cristianismo. O capitalismo carecendo ampliar cada vez mais o lucro, tem buscado incluir os homens no
consumo de produtos que, até pouco tempo, eram destinados apenas as mulheres. Avaidade, embora continue sendo apontada pelo cristianismo com pecado (sendo ligada aarrogância e a soberba), passou a ser materializar como ações mais exageradas do que apenas usar maquiagens e colares, por exemplo. Dito de outra forma, a preocupação com a beleza passou a ser tolerada pelo cristianismo, provocando uma ampliação da distância entre o que seria cuidar da aparência e o que seria vaidade. O prazer igualmente satanizado em tempos passados, passa, na contemporaneidade a ter centralidade na vida cotidiana.
Outro fator importante para o deslocamento da vaidade masculina para oconsumo da moda está na mudança do conteúdo dos produtos (fruto dodesenvolvimento do capitalismo). Os produtos passam, na contemporaneidade, a terem menos valor no bem material em sim e mais valor simbólico. Cada vez mais os objetose serviços ofertados nos são oferecidos sob a forma de “estilos de vida”. Consome-se não apenas o produto mas, principalmente, experiências em forma de excitações e sensações. Nesse sentido, é a experiência ou o estilo de vida que se compra. Ao comprar, por exemplo, determinado tipo de óculos, não objetiva-se apenas adquirir um protetor para os olhos, mas um estilo vendido juntamente com eles. Esse novo produto dotado de “estilo de vida” “surge” em meio a uma sociedade hedonista, onde a vaidade é ligada ao bem estar e ao prazer, tornando-se estímulo para um consumo compulsivo e alienado.
Os valores contidos no produto são “produzidos” pela mídia, à serviço da indústria, a fim de ampliar o mercado consumidor de produtos antes destinados apenas as mulheres. Os elementos e ações que constitui a vaidade masculina moderna são frutos de um contexto histórico marcado pela busca constante de maximização do lucro, onde gostos e valores são produzidos para servir aos interesses da indústria capitalista. Onde a cultura passou a ser, como quase tudo, mercadoria. A vaidade masculina nos moldes da modernidade é promovida por dois outros fatores correlatos a tal busca de maximização do lucro: a importância da imagem e a busca pela personalidade ou individualidade; o que comumente chamamos de estilo. O desenvolvimento do designer vem afetando muitas dimensões da vida cotidiana, dentre elas maximizando a importância da aparência, e não apenas dos produtos, mas também das pessoas. As empresas vêm valorizando a aparência de seus profissionais, assim como sua personalidade aparente, o que envolve sua imagem materializada no que estávestindo, no corte de cabelo e no cuidado com as unhas, por exemplo. Profissionais de ambos os sexos que não apresentam boa aparência terão mais dificuldade de ter seu lugar no mercado. Dito isto, mais do que um “pseudo-desejo individual”, tornou-se uma exigência aberta e anunciada em “outdoors”.
O tal “estilo” parece depender de certa exclusividade, o que provoca uma busca constante por novos produtos, sobretudo ligados ao vestuário e calçados. Os produtos de beleza vêm tomando uma grande importância na construção de uma aparência agradável. Mais do que um simples cosmético, por exemplo, é comprado e consumido experiências desejadas ligadas ao belo, limpo e saudável; pelo menos é o que propõe esses produtos.
Cada dia torna-se mais comum os homens experimentar produtos antes vistos como destinados para mulheres, tais como os cosméticos e diversos tipos de adereços antes apenas classificados como femininos. Menos preocupado em transmitir a ideia de sexo forte, muitos homens vêm, paulatinamente, se adequando a sociedade contemporânea e buscando transmitir o que a mídia vende como importante: elegância e personalidade. O preconceito a essa tendência masculina vem igualmente diminuindo à medida que se percebe que as mulheres cada vez mais não procuram o “homem forte”, mas o homem com “personalidade” e de boa aparência, o que podemos simplificar na expressão “um homem estiloso”.
Acredito que nunca, sob o sistema capitalista, os homens dividiram tantos produtos com as mulheres. Parece ser a tendência uma aproximação. Não a divisão do mesmo frasco de perfume, por exemplo, mas a distância entre o que é para os homens eo que é para as mulheres tem diminuído. Isso não significa que os homens estarão usando produtos femininos, mas os produtos masculinos estarão cada vez mais próximos a esses. O difícil é identificar se a tendência será os produtos femininos se “masculinizarem” ou os masculinos se “feminizarem”. Parece que o “tipo ideal” de “homem forte” já não faz tanto sentido na sociedade contemporânea, na sociedade dita civilizada.

O consumo não é passageiro por interessar quem o promove: as empresas e a mídia. A tendência aqui descrita não é um curso natural, mas um produto capitalista midiático muito forte. As conquistas das mulheres, sobretudo ao mercado de trabalho, não só trouxeram benefícios à elas, mas, principalmente, às empresas, sobretudo àquelas ligadas diretamente a beleza. As mudanças contemporâneas têm levado grande parte dos homens a buscar incluir-se nesse “modelo moderno de masculino”, o que se traduz na busca por beleza, personalidade e um aspecto sutil, menos rude e “grosso” de outrora. Imprevisível é o impacto dessa tendência sobre os velhos moldes da “dominação masculina”, nos restando estar atentos se haverá, de fato, mudanças ou apenas uma ressignificação incapaz de romper com a tal dominação. O certo é que será o capitalismo o regente de tais possíveis mudanças ou permanências.

* Texto originalmente publicado na Revista Posição, v. 1, n. 4 (2014). A revista é mantida pelo Grupo de Pesquisa Dialética e Sociedade, da Faculdade de Ciências Sociais/UFG – Universidade Federal de Goiás.
 
 
 
 
 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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