Parece o título da obra de Eli Pariser, chamada “O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você”[i], mas foi apenas o ponto de partida para refletir sobre o tema da redação de 2021, o que ela esconde de você ou não?
A prova do ENEM já se tornou um fenômeno nacional, não só numa perspectiva educacional, mas como um processo cultural e político[ii]. Não é apenas uma avaliação para se ingressar nas universidades públicas brasileiras e até mesmo no exterior, e quem sabe garantir bolsas para faculdades privadas, como também é um fenômeno social em disputa, seja para ser uma política de estado ou para ser “a cara do governo”.
No entanto, a nossa reflexão aqui é outra, porém, não desconectada da realidade acima, que é sobre o tema da redação do ENEM 2021: “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”[iii]. Na sociedade e, principalmente, no campo educacional, existe uma preocupação enorme de como atingir uma redação nota mil, qual escola vai acertar o tema da redação e a indústria de cursinhos, dos populares aos elitizados, criam formulas “magicas” para ser bem sucedido na dissertação mais importante do ano.
Mas isso é o que menos importa. A partir do tema da redação podemos encontrar aquilo que é o “cérebro e o coração” de uma dissertação além da sua “espinha dorsal”. Vejamos: “invisibilidade”, é um conceito filosófico; registro civil, é uma fonte de dados demográficos; cidadania, é um conceito que faz parte do debate sociológico; Brasil, o contexto histórico pertinente ao tema.
O tema da redação do ENEM é uma preocupação secundaria em qualquer redação, pois o mais importante nesse processo de construção é ter além de uma base linguística, a “espinha dorsal”, entender que as Ciências Humanas e Sociais são “o cérebro e o coração” de uma dissertação. Pois, fazer conexões de conceitos, com análise de dados e fatos dentro de um determinado contexto social e histórico é primordial.
Portanto, se abrir para uma educação do presente é fundamental, onde o pensamento crítico e criativo seja tão importante para “o saber necessário para educação do século XXI”, quanto os demais, ou seja, uma tríade que contempla “individuo/sociedade/espécie”[iv].
Diante desse cenário sabemos que as Ciências Humanas e Sociais são o grande “filtro invisível” dessa discussão não só no que diz respeito ao tema da redação do ENEM, mas até mesmo na busca do seu espaço dentro da BNCC[v] e a busca do seu reconhecimento na sociedade. Não adianta ficar preso numa bolha de técnicas e pontos de vista instrumentais, é preciso abrir a escola e a sociedade para o presente, pois o futuro chegou em alta velocidade.
Silvio Freitas é Mestrando em Ciência Política no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Piauí – PPGCP/UFPI. Pesquisa na linha “Democracia, comportamento político e cidadania”. Especialização em Literatura e Estudos Culturais pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI e Bacharel/licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Professor de Sociologia da SEDUC-PI. Contato: silviofreitas@ufpi.edu.br
[i] PARISER, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Editora
Schwarcz-Companhia das Letras, 2012.
[ii] Sugiro a leitura do texto “O ensino de Sociologia, o ENEM e a vida social” de Cristiano das Neves Bodart, pesquisador do tema “o ensino de Sociologia”. Nesse texto ele faz uma análise mais especifica do papel e importância da Sociologia nesse debate, que é um dos componentes das Ciências Humanas e Sociais. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/sociologia-enem-vida-social/. Acesso em: 22/11/2021.
[iii] INEP. Redação do Enem 2021 aborda registro civil e cidadania. Publicado em 21/11/2021 13h59. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/enem/redacao-do-enem-2021-aborda-registro-civil-e-cidadania. Acesso em 22/11/2021.
[iv] A perspectiva filosófica acima é derivada de uma grande discussão sobre as ideias de Edgar Morin que foram debatidas na UNESCO (2000) e que acabou virando um livro chamado de “Os sete saberes necessários à educação do futuro”, publicado no Brasil em 2000.
[v] BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e a Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017) acabou sendo fruto de constantes debates e para uma parte expressiva da sociedade civil organizada, como associações de ensino, professores e até mesmo estudantis, entendem que as ciências humanas e sociais acabaram sendo desprestigiadas nessa reformulação, como se elas não tivessem uma importância e contribuíssem para formação dos estudantes.