Vivemos em uma era marcada por contradições profundas entre o avanço técnico-científico e a destruição dos recursos naturais. A agricultura industrial, apesar de sua capacidade produtiva, tornou-se um dos principais vetores de degradação socioambiental. Seus efeitos ultrapassam os limites ecológicos, atingindo diretamente as populações camponesas, povos tradicionais e a própria soberania alimentar global (Altieri, 2004). Nesse contexto, emergem propostas alternativas que se propõem a reconfigurar a relação entre ser humano e natureza. Uma dessas propostas é a agricultura sintrópica, desenvolvida pelo suíço Ernst Götsch, cuja prática articula produção de alimentos e regeneração dos ecossistemas florestais.
A agricultura sintrópica, conforme demonstrado na dissertação de Gregio (2018), constitui-se em um modelo agroecológico com base nos princípios da sucessão ecológica, da diversidade funcional e da sintropia – isto é, o movimento oposto à entropia, centrado na organização, regeneração e abundância da vida. Essa abordagem não se limita à técnica agrícola; ela implica uma transformação do paradigma civilizacional moderno, questionando o modelo capitalista de expropriação da terra, monocultura e mecanização que isola o humano da complexidade dos sistemas vivos (Capra, 2005; Leff, 2010).
Do ponto de vista sociológico, pensar a agricultura sintrópica exige uma abordagem crítica, dialética e interdisciplinar. A sociologia ambiental e rural tem apontado a centralidade das disputas territoriais, epistemológicas e simbólicas no campo, sobretudo em relação aos saberes tradicionais, ao papel dos movimentos sociais e à ecologia política (Martine, 2001; Porto-Gonçalves, 2006). A sintrópica, nesse sentido, é mais do que uma técnica: é uma prática social transformadora, uma alternativa concreta ao modelo hegemônico da modernidade agrícola.
A longa marcha da agricultura: do neolítico ao colapso ambiental
A história da agricultura é inseparável da história da humanidade. Desde os primórdios do neolítico, com a revolução agrícola, o ser humano passou de nômade caçador-coletor a sedentário cultivador de plantas e domesticador de animais. Essa transição, ainda que revolucionária, gerou uma nova forma de relação com a natureza – uma relação que, gradualmente, tornou-se de dominação e exploração (Mazoyer; Roudart, 2010).
No período moderno, especialmente após a Revolução Verde, a agricultura industrializada foi intensamente promovida por meio de pacotes tecnológicos que incluíam sementes transgênicas, agrotóxicos e fertilizantes químicos. Essa trajetória intensificou o uso de monoculturas, mecanização e concentração fundiária, com consequências devastadoras para os ecossistemas e populações rurais (Harari, 2016).
Gregio (2018) evidencia que esse modelo produtivista ignora a complexidade dos processos ecológicos, promovendo a perda da biodiversidade, a exaustão do solo e o empobrecimento cultural das práticas agrícolas. Além disso, promove a exclusão social, ao inviabilizar formas autônomas e sustentáveis de cultivo. A agroecologia surge, então, como campo contra-hegemônico, articulando ciência, prática e política na direção da sustentabilidade e da justiça social (Caporal; Costabeber, 2002).
Agricultura sintrópica: fundamentos, princípios e racionalidades
A agricultura sintrópica é uma forma sofisticada de sistema agroflorestal sucessional, baseada em uma leitura profunda dos processos ecológicos e em práticas agrícolas que imitam a dinâmica das florestas tropicais. Para Götsch, cultivar a terra não deve significar dominá-la, mas colaborar com seus fluxos e ciclos, ampliando a capacidade de regeneração e produção dos ambientes naturais (Götsch, 1997).
Diferente da lógica linear da agricultura convencional – que extrai e degrada –, a sintrópica opera de forma cíclica e ascendente: planta-se de forma densa, diversificada e em consórcios sinérgicos, promovendo a sucessão natural das espécies, o sombreamento estratégico, a produção constante de matéria orgânica e a conservação da água e do solo (Gregio, 2018).
Sob essa perspectiva, cada espécie tem uma função ecológica no sistema, contribuindo para o equilíbrio geral. Há plantas de cobertura, adubadeiras, comerciais, alimentares, medicinais, madeiráveis e de longo ciclo. A poda é um elemento-chave do manejo, pois acelera o ciclo de vida, aumenta a luminosidade e devolve matéria orgânica ao solo. Trata-se, assim, de uma agricultura que produz enquanto regenera, com ganhos ambientais, sociais e econômicos.
A agroecologia como prática social: contribuições da sociologia
No campo das Ciências Sociais, a agroecologia não é compreendida apenas como técnica agrícola, mas como uma prática social e política de resistência, pertencente ao campo mais amplo da ecologia política e da luta por direitos no campo. Essa visão permite analisar as transformações provocadas por experiências como a agricultura sintrópica para além da produtividade, considerando sua dimensão ética, simbólica, pedagógica e territorial (Carneiro, 2008).
Autores como Leff (2010) e Porto-Gonçalves (2006) argumentam que as propostas agroecológicas desafiam a racionalidade instrumental moderna, ao colocar em evidência os saberes locais, a diversidade cultural e as práticas ancestrais de cuidado com a terra. A sintrópica, nesse sentido, é parte de um projeto contra-hegemônico, pois valoriza formas não extrativistas de produção de alimentos, favorece a autonomia dos agricultores e prioriza os ciclos ecológicos como guia das práticas produtivas.
Gregio (2018), ao acompanhar diretamente as experiências de Ernst Götsch e de seus aprendizes, evidencia que a agricultura sintrópica recupera uma dimensão simbiótica da agricultura – ou seja, uma forma de cultivar que parte da observação, da escuta e da simbiose com o ambiente. Isso remete a uma racionalidade ecológica que, como propôs Bourdieu (2001), se contrapõe à lógica da dominação característica da modernidade ocidental.
Nesse contexto, a agricultura sintrópica pode ser compreendida como práxis social transformadora, ancorada em um saber técnico-prático com base empírica, mas orientada por princípios éticos: respeito à vida, à diversidade e à autonomia. É também um movimento pedagógico, pois envolve processos contínuos de aprendizagem coletiva, experimentação e diálogo de saberes, nos moldes do que Freire (2005) chamaria de educação libertadora do campo.
Impactos sociais da agricultura sintrópica: as experiências do Brasil
Gregio (2018) apresenta três experiências empíricas que exemplificam o potencial transformador da agricultura sintrópica: a Fazenda Olhos D’Água na Bahia, o Sítio Semente no Distrito Federal e a Área Experimental Lajeado Bonito no Rio Grande do Sul. Cada uma dessas áreas apresenta especificidades ecológicas e sociais, mas todas têm em comum a adoção dos princípios desenvolvidos por Ernst Götsch e a proposição de uma alternativa concreta à agricultura convencional.
Na Bahia, a Fazenda Olhos D’Água é o centro irradiador da agricultura sintrópica no Brasil. Localizada em Piraí do Norte, numa área de Mata Atlântica, ela é referência nacional e internacional em recuperação de áreas degradadas, com manejo baseado na sucessão vegetal e nos princípios da sintropia. Ali, além da alta produtividade de alimentos, nota-se a recomposição da biodiversidade, a melhoria do microclima e o fortalecimento da soberania alimentar da comunidade local.
No Distrito Federal, o Sítio Semente é gerido por aprendizes de Götsch e demonstra a capacidade da sintrópica de se adaptar a ambientes de Cerrado. A partir do manejo sucessional, foi possível transformar uma área de cerrado degradado em floresta produtiva, com grande diversidade de espécies frutíferas e medicinais. O aspecto pedagógico é forte nesse caso, com cursos, vivências e intercâmbios que formam novas lideranças agroecológicas e reforçam a educação ambiental crítica.
A experiência do Rio Grande do Sul, por sua vez, é significativa por se localizar em um bioma de clima subtropical, a floresta com araucárias. Implantada por Gregio em sua própria propriedade, a Área Experimental Lajeado Bonito mostra a viabilidade da sintrópica em diferentes biomas. Apesar do clima mais frio, o sistema apresentou bons resultados em regeneração do solo, produção de alimentos e aumento da biodiversidade local.
Em todas essas experiências, segundo o autor, os impactos sociais vão além dos indicadores técnicos de produção. Há um fortalecimento das relações comunitárias, o resgate de práticas ancestrais e uma revalorização do trabalho camponês, em sintonia com o que Abramovay (1998) descreve como formas sociais de produção solidária no campo.
Agricultura sintrópica e justiça socioambiental
Um dos pontos centrais da agricultura sintrópica é sua contribuição para a justiça socioambiental, conceito que articula a equidade social com a sustentabilidade ecológica. A sintrópica propõe, na prática, a superação das assimetrias provocadas pelo modelo agrícola capitalista, promovendo o acesso à terra, à biodiversidade e ao conhecimento agroecológico por populações tradicionalmente excluídas dos processos decisórios e dos benefícios do desenvolvimento.
Gregio (2018) argumenta que a sintrópica é uma forma concreta de resistência à lógica predatória do agronegócio. Ao invés da monocultura de exportação, ela oferece uma proposta de pluricultura alimentar de base ecológica, alinhada à agricultura familiar e aos territórios da reforma agrária. Ela também contribui para o enraizamento territorial, pois valoriza a permanência das populações no campo com qualidade de vida e autonomia produtiva.
Nesse ponto, vale retomar a crítica de Acselrad (2004), que demonstra como os conflitos ambientais no Brasil estão diretamente relacionados à concentração fundiária, à degradação dos recursos naturais e à negação dos direitos dos povos do campo. A agricultura sintrópica se insere nesse campo de disputa, como uma resposta ética, técnica e política à crise socioambiental contemporânea.
Fundamentos ecológicos e filosóficos da agricultura sintrópica
A agricultura sintrópica desenvolvida por Ernst Götsch não é apenas uma técnica de manejo agroflorestal. Trata-se de um sistema fundado sobre princípios filosóficos e ecológicos que colocam a vida como centro organizador da produção. Para além de produzir alimentos, a sintrópica visa a ampliação da vitalidade dos ecossistemas, operando sob uma lógica de cooperação entre os seres vivos, em oposição ao paradigma da competição, extração e degradação que marca o modelo agroindustrial.
Na perspectiva da sintrópica, a natureza não é um “recurso” a ser explorado, mas um sistema interativo de organismos em fluxo. O conceito de sintropia, adotado por Götsch a partir da física e da termodinâmica, representa justamente essa lógica de organização, regeneração e complexificação da vida. A agricultura sintrópica, portanto, busca intensificar os processos naturais de organização — como a sucessão ecológica, a ciclagem de nutrientes e o sombreamento vegetal — para gerar sistemas resilientes e produtivos (Götsch, 2012).
Gregio (2018) evidencia como esse sistema opera através da leitura do tempo e do espaço da floresta. A sucessão vegetal é o fio condutor da lógica sintrópica: do aipim (espécie de rápido crescimento e ciclo curto) à castanheira (espécie de longa vida e dossel elevado), há um encadeamento intencional de espécies que colaboram entre si. Esse processo gera sistemas agroflorestais sucessivos e permanentes, em que o solo se mantém vivo, a água é retida e a diversidade se multiplica.
Além disso, o princípio do não-extermínio, amplamente defendido por Götsch, orienta a agricultura sintrópica para uma ética do cuidado. Nenhuma forma de vida é descartada por princípio — nem as chamadas “ervas daninhas”, que têm funções ecológicas de cobertura e proteção do solo. Ao contrário da lógica da eliminação, a sintrópica trabalha com inclusão de espécies, respeitando seus ciclos e temporalidades.
Essa postura filosófica aproxima a sintrópica das cosmologias tradicionais indígenas, que concebem o ser humano como parte da floresta, e não como dominador dela. Há uma afinidade epistemológica com os conhecimentos ancestrais, o que reforça a importância do diálogo de saberes no campo da agroecologia, conforme propõe Leff (2010) e Carneiro (2008).
O tempo da floresta: sucessão vegetal como método e filosofia
Um dos aspectos mais singulares da agricultura sintrópica é a centralidade do tempo ecológico na organização dos sistemas produtivos. A sucessão vegetal é tanto um princípio técnico quanto uma filosofia de vida: ela representa o movimento natural da floresta rumo à complexidade e ao equilíbrio, processo que a agricultura sintrópica não interrompe, mas intensifica (Gregio, 2018).
Götsch propõe que, ao invés de lutar contra os processos naturais, o agricultor deve colaborar com eles, introduzindo espécies em momentos estratégicos da sucessão. Esse planejamento inclui plantas de cobertura de rápido crescimento (como feijão-de-porco ou crotalária), espécies intermediárias (como banana e mamão), e árvores de longo ciclo (como cacau, mogno e castanheira-do-brasil).
Esse encadeamento funcional é descrito por Gregio (2018) como um orquestramento ecológico, no qual cada espécie tem uma função e um tempo de atuação. A poda periódica das árvores, por exemplo, não visa apenas o controle da vegetação, mas a aceleração da sucessão e o retorno de biomassa ao solo. O manejo sintrópico, assim, é profundamente sensível à luz, à umidade, à arquitetura das plantas e aos fluxos de energia.
A ideia de que o tempo da floresta pode reger o tempo da agricultura rompe com a lógica do tempo linear e acelerado do mercado, resgatando uma percepção cíclica, orgânica e relacional do tempo. Essa abordagem aproxima-se da proposta de Santos (2002), ao falar da “ecologia dos saberes”, que valoriza formas de conhecimento enraizadas na experiência e na observação da natureza viva.
Uma nova racionalidade ambiental e produtiva
A agricultura sintrópica propõe uma nova racionalidade ambiental, distinta daquela que orienta o modelo moderno-industrial. Enquanto a racionalidade capitalista se baseia na extração máxima de valor com mínimo tempo e custo — desconsiderando os limites ecológicos —, a sintrópica funda-se na coerência ecológica e na resiliência sistêmica (Altieri, 2004).
Trata-se, portanto, de um modelo que transcende a lógica do input-output. O solo não é um substrato neutro a ser corrigido com insumos químicos, mas um organismo vivo em interação com a biodiversidade. A produção de alimentos é consequência do equilíbrio ecológico, e não o seu oposto. É por isso que, conforme aponta Gregio (2018), os sistemas sintrópicos tendem a ser autônomos, de baixa dependência externa e alta adaptabilidade local.
Além disso, essa nova racionalidade é territorializada. Cada sistema é construído a partir das especificidades climáticas, culturais e ecológicas do lugar. Isso reforça o papel ativo do agricultor como pesquisador do seu ambiente, e não apenas como executor de fórmulas pré-estabelecidas. Nesse sentido, a agricultura sintrópica contribui para o fortalecimento da soberania dos saberes locais, tão frequentemente subjugados pela tecnocracia do agronegócio (Porto-Gonçalves, 2006).
Essa ruptura epistemológica também encontra eco nos debates contemporâneos da sociologia ambiental, que vêm defendendo uma virada paradigmática na relação entre sociedade e natureza, abandonando o dualismo natureza/cultura e reconhecendo os territórios como campos híbridos de interação, memória e luta (Latour, 2004; Acselrad, 2004).
A replicabilidade da agricultura sintrópica: potencial transformador
Um dos maiores méritos da agricultura sintrópica é sua capacidade de ser replicada em diferentes biomas, escalas e contextos socioeconômicos. Ao analisar três experiências distintas — na Bahia, no Distrito Federal e no Rio Grande do Sul — Gregio (2018) demonstra que os princípios da sintrópica não se limitam a uma região ou clima específico. Pelo contrário, eles se adaptam à diversidade de ambientes, respeitando as particularidades locais e promovendo soluções ecológicas integradas.
A Fazenda Olhos D’Água, referência nacional por ser o berço da agricultura sintrópica, mostra como o sistema pode atingir um alto grau de complexidade e estabilidade, mesmo em áreas anteriormente degradadas. Já no Sítio Semente, situado no Cerrado, a recuperação de um solo pobre e compactado resultou, em pouco mais de uma década, em um sistema agroflorestal produtivo e biodiverso, com capacidade formativa e de geração de renda. A experiência de Lajeado Bonito, por sua vez, representa um exemplo promissor de replicação no bioma da Mata de Araucária, evidenciando que o modelo é viável até mesmo em contextos de clima subtropical.
Essa capacidade de replicação está associada à flexibilidade do manejo sintrópico, que não impõe pacotes técnicos fechados, mas convida o agricultor a co-criar o sistema com a natureza, observando as interações entre espécies, o comportamento do solo e a resposta das plantas ao manejo. Como afirma Gregio (2018), “trata-se menos de aplicar um modelo e mais de pensar como a floresta pensa”.
Além do aspecto técnico, a replicabilidade da sintrópica está diretamente ligada ao seu caráter inclusivo e acessível. Como se baseia em princípios como a regeneração natural, o uso de sementes locais, a poda e o plantio consorciado, ela dispensa insumos caros e tecnologias de difícil acesso, o que a torna ideal para assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais, povos indígenas e pequenos agricultores familiares.
Barreiras à expansão: desafios econômicos, políticos e culturais
Apesar do seu potencial transformador, a agricultura sintrópica enfrenta uma série de obstáculos estruturais e simbólicos que dificultam sua difusão em larga escala. Um dos principais entraves é o modelo econômico vigente, que favorece a concentração fundiária, a monocultura e os pacotes tecnológicos oferecidos pelas grandes corporações do agronegócio.
O financiamento público e privado da agricultura ainda é orientado por indicadores de curto prazo, produção em larga escala e lucro imediato, o que entra em choque com os tempos ecológicos mais lentos e cíclicos da sintrópica. Como ressalta Altieri (2004), o sistema agroalimentar hegemônico é estruturalmente excludente das formas agroecológicas de produção.
Outro desafio está na falta de políticas públicas específicas voltadas para a sintrópica. Embora o Brasil tenha avançado em termos de institucionalização da agroecologia — com a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), criada em 2012 —, a implementação dessas diretrizes ainda é frágil, mal financiada e vulnerável a retrocessos políticos.
Há ainda uma barreira cultural a ser enfrentada: o imaginário social sobre o que é agricultura “moderna” ainda está profundamente atrelado à mecanização, à monocultura e ao uso intensivo de insumos químicos. A sintrópica, por trabalhar com diversidade, tempo longo e baixa mecanização, é muitas vezes considerada “alternativa demais” ou “pouco produtiva”, mesmo quando os dados demonstram o contrário (Gregio, 2018).
Superar essas barreiras exige investimento em formação, pesquisa, extensão e sensibilização social. É necessário ampliar as experiências formativas — como as promovidas por Ernst Götsch e seus aprendizes — e criar redes de intercâmbio entre agricultores, técnicos e pesquisadores, com enfoque nos princípios da educação popular e da agroecologia crítica.
A agricultura sintrópica e os movimentos sociais do campo
A sintrópica tem se tornado uma aliada potente de diversos movimentos sociais do campo, como o MST, as redes de agroecologia, as comunidades quilombolas e os povos indígenas. Esses grupos, historicamente marginalizados pelas políticas de desenvolvimento agrícola, encontram na sintrópica uma proposta que respeita seus modos de vida, territórios e culturas.
Gregio (2018) destaca que, ao permitir a regeneração de áreas degradadas com produção simultânea de alimentos, a sintrópica oferece soluções concretas para a permanência e a autonomia das famílias no campo. Em contextos de conflito por terra ou de resistência à grilagem, ela contribui com a criação de territórios produtivos, vivos e sustentáveis.
Essa aliança entre a agricultura sintrópica e os movimentos sociais reforça o caráter político do sistema. Trata-se de uma tecnologia social que se inscreve em um projeto de sociedade alternativo, baseado na solidariedade, no cuidado com a terra e na justiça intergeracional. Como afirmam Caporal e Costabeber (2002), a agroecologia é, ao mesmo tempo, uma ciência, um movimento e uma prática — e a sintrópica expressa esses três níveis de forma exemplar.
Além disso, a sintrópica pode dialogar com os princípios da economia solidária, promovendo circuitos curtos de comercialização, feiras agroecológicas, trocas entre comunidades e valorização dos produtos locais. Isso fortalece a economia dos vínculos, como propõe Abramovay (1998), e contribui para a criação de sistemas alimentares resilientes e culturalmente enraizados.
Considerações finais: a agricultura sintrópica como horizonte de transição
Diante da crise ecológica global, da erosão da biodiversidade, do avanço das monoculturas e do colapso dos modos de vida camponeses, a agricultura sintrópica se apresenta como uma proposta coerente, resiliente e ética. Ela não apenas responde à degradação ambiental imposta pelo modelo agrícola hegemônico, mas propõe uma inversão paradigmática: cultivar é regenerar, produzir é colaborar com os fluxos da vida.
Ao longo deste trabalho, foi possível demonstrar que a sintrópica — baseada nos princípios de sucessão ecológica, diversidade, manejo da luz, poda estratégica e leitura do tempo da floresta — integra ciência, prática e filosofia. Ela estabelece uma nova racionalidade agrícola, que dialoga com os conhecimentos ancestrais, valoriza os saberes locais e resgata o papel do agricultor como guardião da fertilidade da terra.
A dissertação de Gregio (2018) oferece um panorama empírico robusto e sensível sobre a aplicação da sintrópica em diferentes biomas brasileiros, evidenciando sua viabilidade técnica, ecológica e social. As experiências da Bahia, do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul demonstram que a agricultura sintrópica é mais do que uma prática isolada — ela é uma pedagogia da regeneração, uma forma de ensinar e aprender com a natureza.
Do ponto de vista sociológico, a sintrópica representa uma ruptura com a racionalidade produtivista e utilitarista, operando como uma práxis transformadora no campo. Ela está alinhada aos movimentos de agroecologia, de soberania alimentar, de justiça ambiental e de economia solidária. Seu horizonte é o de uma transição civilizatória: do extrativismo predador para a simbiose ecológica; do agronegócio monocultural para o agrossistema diverso; do lucro a qualquer custo para o bem viver coletivo.
No entanto, para que esse horizonte se amplie, é necessário enfrentar os obstáculos ainda existentes: a ausência de políticas públicas consistentes, o monopólio do conhecimento agronômico por corporações e universidades convencionais, e a desvalorização simbólica das formas alternativas de produção. A superação dessas barreiras requer luta política, articulação institucional e mobilização social, bem como investimento público e comunitário em formação agroecológica e pesquisa participativa.
A agricultura sintrópica, portanto, não deve ser vista como um retorno ao passado, mas como um passo adiante na construção de futuros sustentáveis. Ela é uma tecnologia ancestral e, ao mesmo tempo, futurista — porque planta o amanhã com as sementes da diversidade, do cuidado e da abundância.
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