Alienação do trabalho

A alienação do trabalho, conceito fundamental na crítica social e econômica desenvolvida por Karl Marx, permanece uma categoria central para a compreensão da sociedade capitalista. Embora tenha sido tratada explicitamente nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, sua relevância se intensifica com a maturação do pensamento marxiano, sobretudo na obra O capital. Este texto tem como foco desvelar, à luz das ciências sociais, a historicidade, as implicações e a permanência do fenômeno da alienação do trabalho como núcleo estruturante da forma social capitalista.

1. Fundamentos teóricos da alienação em Marx

Nos Manuscritos de 1844, Marx delineia a alienação como uma cisão entre o trabalhador e os produtos de seu trabalho. Esse afastamento não se restringe ao plano material, mas envolve também dimensões subjetivas, uma vez que o ser humano objetiva-se no mundo pelo trabalho (Marx, 2004). A alienação [Entäusserung] não é, portanto, apenas a perda da posse de algo produzido, mas a expropriação da própria condição humana.

O conceito de estranhamento [Entfremdung] também aparece, associado a uma relação de antagonismo. O produto do trabalho não apenas se separa do trabalhador, como se volta contra ele como uma força hostil (Hallak, 2018). Essa dupla dimensão — separação e oposição — confere à alienação um caráter estrutural.

Segundo José Paulo Netto (1981), essa abordagem evidencia que a alienação do trabalho é mais do que uma anomalia: ela é constitutiva do modo de produção capitalista, sendo responsável pela estruturação das formas de dominação econômica, política e ideológica.

2. A crítica à economia política clássica

Ao contrário dos economistas clássicos como Adam Smith e David Ricardo, que naturalizam as relações econômicas, Marx demonstra que o trabalho alienado não é uma condição universal, mas uma expressão histórica determinada. Ele critica a visão que transforma o trabalhador em mero portador da propriedade privada de sua força de trabalho, esvaziando sua subjetividade e autonomia (Marx, 2004).

Na leitura marxiana, a economia política tradicional parte da propriedade privada como um dado, quando na verdade ela é resultado da alienação. A crítica é, portanto, ontológica: trata-se de inverter a relação de causalidade entre trabalho e propriedade (Chasin, 2009).

3. A alienação como exteriorização da vida

Marx emprega o termo Lebensäusserung (exteriorização da vida) para designar o processo pelo qual o ser humano se realiza ao transformar o mundo. No entanto, no capitalismo, essa exteriorização é pervertida: em vez de afirmar a humanidade do trabalhador, ela se volta contra ele, tornando-se Lebensentäusserung — alienação da vida (Marx, 2011).

Essa alienação atinge todas as esferas da existência: o trabalhador não apenas perde o controle sobre o produto de seu trabalho, mas também sobre a própria atividade, sobre sua vida social e, por fim, sobre sua essência humana. Lucien Sève (1975) identifica, nesse processo, uma forma de reificação que transforma relações sociais em coisas.

4. O papel da mercadoria na constituição da alienação

Com o amadurecimento da teoria marxiana, especialmente em O capital, a análise da alienação ganha concretude com a categoria da mercadoria. Marx inicia a obra demonstrando como a mercadoria, forma elementar da riqueza capitalista, encarna o trabalho abstrato e oculta as relações sociais de produção (Marx, 2013).

Esse fenômeno é o que Marx denomina fetichismo da mercadoria. Ao se autonomizar, a mercadoria adquire um poder social que mascara o caráter social do trabalho. A alienação, nesse contexto, é uma mediação entre o trabalhador e a sociedade, regulada por formas impessoais como o valor e o dinheiro.

Como destaca Postone (2014), o capitalismo instaura uma forma de dominação social impessoal, na qual o trabalho não é apenas explorado, mas constitui o próprio sistema de mediação entre indivíduos. O trabalhador, ao vender sua força de trabalho, torna-se uma engrenagem de um processo que não controla.

5. A alienação no processo de produção capitalista

A especificidade do modo de produção capitalista reside na separação entre o produtor e os meios de produção. Isso cria as condições para a transformação do trabalho em capital. Ao vender sua força de trabalho, o trabalhador aliena a possibilidade de decidir sobre os rumos de sua atividade (Marx, 2010).

Essa alienação não é apenas econômica. Ela é política, social e cultural. O trabalhador não domina os processos que organiza; ele se submete a eles. A produção aparece como uma força autônoma, exterior e hostil, gerando um processo de estranhamento em relação ao mundo, aos outros e a si mesmo.

6. A alienação e a mercantilização da vida

A alienação do trabalho não se limita à fábrica. Ela se estende a toda a sociedade por meio da mercantilização da vida. Relações humanas passam a ser mediadas pelo dinheiro, e o valor de troca sobrepõe-se ao valor de uso. Isso reconfigura as formas de sociabilidade, esvaziando a experiência e a subjetividade (Marx, 2013).

Nesse sentido, a alienação do trabalho se torna alienação do viver. A vida social é invadida pela lógica da mercadoria, da eficiência, da produtividade e do desempenho, produzindo subjetividades adaptadas à racionalidade instrumental e à lógica do capital.

7. Superação da alienação: possibilidade histórica

Apesar de descrever a alienação como estrutural, Marx não a considera um destino. Trata-se de uma forma social historicamente determinada e, portanto, passível de transformação. A superação da alienação exige a apropriação coletiva dos meios de produção e a reorganização da atividade humana de forma consciente e solidária.

Nos Grundrisse, Marx aponta que a alienação é uma “necessidade evanescente”, ou seja, uma contradição transitória que prepara o terreno para a emancipação (Marx, 2011). O trabalho, se liberto das amarras da propriedade privada e da mercantilização, pode tornar-se novamente uma forma de realização humana.

Conclusão

A alienação do trabalho, longe de ser uma categoria periférica, é o ponto de partida e o eixo articulador da crítica marxiana à sociedade capitalista. Da juventude filosófica à maturidade científica, Marx manteve a centralidade desse conceito como chave de leitura da modernidade capitalista. A alienação expressa a separação entre o ser humano e sua atividade essencial, submetendo-o a estruturas que ele mesmo criou, mas que o dominam.

Compreender a alienação do trabalho é, assim, fundamental para a crítica das formas contemporâneas de exploração, para o diagnóstico da crise civilizatória e, sobretudo, para a imaginação de novas formas de vida que reinstalem o ser humano no centro de sua própria produção social.


Referências bibliográficas

ALCKMIN, Rodrigo Maciel. Marx e Feuerbach: da sensibilidade à atividade sensível. Dissertação (Mestrado) – Fafich/UFMG, Belo Horizonte, 2003.

CHASIN, João. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2009.

HALLAK, Mônica. Alienação do trabalho em Marx: dos Manuscritos de 1844 a O capital. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 24, n. 1, pp. 58-73, abr. 2018.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004.

MARX, Karl. Grundrisse. Trad. Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2011.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.

MARX, Karl. Para a crítica da economia política: manuscritos de 1861-1863. Trad. Leonardo Deus. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

MÉSZÁROS, István. Marx: a teoria da alienação. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

NETTO, José Paulo. Capitalismo e reificação. São Paulo: Ciências Humanas, 1981.

POSTONE, Moishe. Tempo, trabalho e dominação social. São Paulo: Boitempo, 2014.

SÈVE, Lucien. Análises marxistas da alienação. Lisboa: Edições Mandacaru, 1975.

Roniel Sampaio Silva

Doutorando em Educação, Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais e Pedagogia. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Teresina Zona Sul.

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