Artigo, o que é? A produção textual científica é um dos pilares fundamentais do conhecimento moderno, especialmente no contexto das Ciências Sociais. Entre os gêneros mais utilizados para expressar, analisar e divulgar esse conhecimento está o artigo. Mas afinal, artigo: o que é? A pergunta aparentemente simples carrega uma complexidade conceitual e prática que demanda uma reflexão cuidadosa sobre a função social, os critérios acadêmicos e os processos históricos que conferiram ao artigo um lugar de destaque na produção intelectual contemporânea.
O artigo, como gênero textual, transcende o mero registro de ideias. Ele é, antes de tudo, uma forma de comunicação entre sujeitos sociais, historicamente situados, que buscam construir consensos, provocar debates ou revelar contradições. É nesse cenário que o presente texto se propõe a investigar profundamente o que é um artigo, tomando como referência a tradição crítica das Ciências Sociais. A partir desse campo, compreende-se que toda produção textual está inserida em um campo de disputas simbólicas, políticas e epistêmicas (Bourdieu, 1994).
Ao longo deste texto, exploraremos os elementos que constituem o artigo científico, os objetivos que ele busca alcançar, sua função social e as formas pelas quais ele contribui para a construção de conhecimento. Buscaremos dialogar com autores como Bourdieu, Giddens, Santos, Minayo, entre outros, para compreender não apenas a estrutura formal do artigo, mas também sua inserção na lógica das práticas científicas e sociais. Trataremos também da distinção entre tipos de artigo (científico, de opinião, jornalístico), bem como dos critérios de validade e legitimidade reconhecidos pelas instituições acadêmicas e científicas.
O artigo como forma de expressão científica
Na tradição das Ciências Sociais, o artigo ocupa uma posição de destaque como mecanismo de socialização do saber. Não se trata apenas de um exercício de escrita, mas de um artefato social que condensa, organiza e apresenta uma forma de ver e interpretar o mundo. Conforme Bachelard (2004), o conhecimento científico não é espontâneo, mas construído socialmente. O artigo, portanto, se configura como um dos instrumentos privilegiados dessa construção.
O artigo científico é caracterizado por sua capacidade de articular problemas, hipóteses, métodos e conclusões de forma sistemática. Sua função não é apenas apresentar resultados, mas construir argumentos, estabelecer vínculos com teorias e demonstrar domínio sobre determinado campo do saber. Minayo (2009) reforça essa ideia ao destacar que o artigo não é apenas um “resumo” de uma pesquisa, mas um momento de síntese e de diálogo com a comunidade científica.
A escrita do artigo demanda, portanto, competências específicas, que vão desde a capacidade analítica até a adequação a normas formais. Ao mesmo tempo, é importante compreender que essas exigências não são neutras, mas refletem padrões hegemônicos de produção e validação do conhecimento (Santos, 2006). Nesse sentido, o artigo também pode ser visto como parte de um sistema que reproduz desigualdades epistêmicas entre centros e periferias do saber.
Tipos de artigo: científico, de opinião e jornalístico
Embora o termo “artigo” possa se referir a diferentes tipos de textos, é necessário distinguir entre suas variações mais comuns. No campo acadêmico, o artigo científico é aquele que resulta de uma pesquisa empírica, teórica ou metodológica, seguindo critérios rigorosos de validação. Já o artigo de opinião, mais comum em espaços midiáticos, tem como característica principal a argumentação subjetiva sobre um tema de interesse público. Por fim, o artigo jornalístico, ainda que baseado em fatos, busca transmitir informações de forma acessível e rápida, sem o mesmo grau de profundidade teórica.
Cada tipo de artigo cumpre uma função social distinta. O artigo científico busca validar e disseminar descobertas dentro da comunidade acadêmica. O de opinião tenta influenciar o debate público, enquanto o jornalístico visa informar amplamente. Essa distinção é fundamental, pois cada tipo demanda formas específicas de escrita, argumentação e validação.
Segundo Severino (2007), o artigo científico é uma peça-chave no processo de produção e circulação do conhecimento, sendo muitas vezes o primeiro contato que um pesquisador tem com a atividade de divulgação científica. Já o artigo de opinião representa uma forma de intervenção no debate público, revelando a posição do autor sobre temas controversos ou de relevância social.
A estrutura do artigo científico
A estrutura do artigo científico é organizada para garantir clareza, objetividade e rigor metodológico. Embora possa variar conforme as áreas do conhecimento, sua organização básica costuma seguir um modelo consagrado: título, resumo, palavras-chave, introdução, referencial teórico, metodologia, resultados e discussão, considerações finais e referências.
A introdução é o espaço de apresentação do problema de pesquisa e da justificativa. Nela, o autor precisa demonstrar por que seu trabalho é relevante e como ele se insere no debate existente. Segundo Lakatos e Marconi (2003), a introdução deve ser precisa, clara e informativa, estabelecendo os objetivos e a hipótese do trabalho.
O referencial teórico oferece o embasamento conceitual necessário para sustentar a análise. É aqui que se estabelecem os diálogos com autores e teorias que orientam a interpretação dos dados. A metodologia, por sua vez, detalha os caminhos seguidos para a produção do conhecimento, tornando o processo reprodutível e passível de avaliação.
A seção de resultados e discussão apresenta as evidências empíricas e sua interpretação à luz do referencial adotado. Por fim, as considerações finais retomam os objetivos do artigo, destacam os principais achados e propõem desdobramentos para pesquisas futuras.
A função social do artigo na ciência e na sociedade
Mais do que um instrumento técnico, o artigo tem uma função social crucial: ele participa da produção simbólica do mundo. Como ressalta Giddens (2005), o conhecimento é um elemento constitutivo da vida social, e a ciência moderna exerce papel fundamental na organização das instituições contemporâneas. Ao escrever um artigo, o autor não apenas comunica resultados, mas participa ativamente da constituição do campo científico e das disputas que o atravessam.
A produção de artigos também está inserida em lógicas institucionais de avaliação e financiamento da ciência. No Brasil, a CAPES e o CNPq, por exemplo, utilizam a publicação de artigos em periódicos qualificados como critério para concessão de bolsas e fomento. Isso gera uma pressão produtivista que pode comprometer a qualidade e a originalidade dos trabalhos, como observa Sguissardi (2009).
Entretanto, não se deve perder de vista que o artigo pode ser um espaço de resistência e de afirmação de epistemologias outras. Ao tematizar questões sociais urgentes e ao dialogar com saberes populares ou subalternizados, o artigo pode contribuir para a democratização do conhecimento. Essa é uma das propostas da ecologia de saberes defendida por Boaventura de Sousa Santos (2006), que propõe a valorização da diversidade epistemológica.
A escrita do artigo como prática formativa
A produção de um artigo não é apenas resultado de uma atividade intelectual já consolidada; ela é, também, um exercício de formação contínua. Para estudantes, pesquisadores iniciantes e docentes, o processo de escrever um artigo exige reflexão, pesquisa, leitura crítica e organização do pensamento. Trata-se, portanto, de uma prática formativa que articula teoria e prática, saber e linguagem.
Segundo Paulo Freire (1996), o ato de escrever é um ato político, uma forma de se posicionar no mundo e dialogar com os outros. Ao escrever um artigo, o autor se engaja em uma prática discursiva que implica responsabilidade com o conhecimento que produz e com os sujeitos aos quais se dirige. A linguagem acadêmica, por mais técnica que seja, não deve se afastar do compromisso ético com a clareza, a acessibilidade e a transformação social.
Nesse sentido, a escrita científica não pode ser reduzida a um ritual de validação institucional. Ela deve ser, antes de tudo, uma prática de emancipação, na medida em que possibilita ao autor compreender melhor o mundo social e intervir sobre ele com maior consciência. Como destaca Bourdieu (1994), o campo científico é um espaço de lutas simbólicas, onde diferentes posições competem por legitimidade. Produzir um artigo é, portanto, tomar parte nessas disputas, com suas implicações epistemológicas, políticas e sociais.
O artigo como instrumento de democratização do saber
Uma das potencialidades mais significativas do artigo está na sua capacidade de contribuir para a democratização do saber. Em contextos como o brasileiro, marcados por profundas desigualdades de acesso ao conhecimento, o artigo pode ser uma ferramenta poderosa de divulgação científica, especialmente quando publicado em revistas de acesso aberto.
A popularização da ciência é um tema que tem ganhado destaque nos últimos anos. A ideia de que o conhecimento científico deve circular apenas entre especialistas tem sido contestada por aqueles que defendem uma ciência mais aberta, participativa e comprometida com os problemas sociais. Nesse contexto, o artigo científico pode assumir uma nova função: não apenas comunicar a outros pesquisadores, mas também dialogar com a sociedade civil organizada, movimentos sociais e gestores públicos.
De acordo com Leite (2014), a ciência precisa ser compreendida como um bem público, e não como patrimônio exclusivo das universidades. Isso significa repensar a linguagem dos artigos, suas formas de distribuição e os públicos aos quais se destinam. A prática da ciência cidadã, por exemplo, tem demonstrado que é possível envolver comunidades locais na produção de dados e na formulação de problemas de pesquisa, quebrando a lógica verticalizada entre pesquisador e “objeto” de estudo.
Ética e responsabilidade na produção de artigos
Escrever um artigo não é apenas um exercício intelectual, mas também um ato ético. O autor é responsável pelo conteúdo que apresenta, pelas fontes que utiliza, pelas interpretações que propõe e pelos efeitos que seu texto pode produzir. Por isso, a ética na pesquisa e na redação de artigos é um tema que precisa ser enfrentado com seriedade.
No Brasil, o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) estabelece diretrizes claras para a realização de pesquisas com seres humanos. Além disso, instituições como a Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) orientam boas práticas editoriais, incluindo critérios de autoria, plágio, revisão por pares e conflitos de interesse.
É fundamental que o artigo reflita um compromisso com a integridade científica. Isso implica não apenas evitar fraudes e plágios, mas também adotar uma postura transparente quanto aos limites da pesquisa, às contradições dos dados e às possibilidades de interpretação. Como afirma Demo (2000), fazer ciência é, acima de tudo, um exercício de argumentação crítica e responsabilidade social.
Desafios contemporâneos da produção de artigos
Apesar de sua importância, a produção de artigos enfrenta uma série de desafios no contexto contemporâneo. Um dos principais é o produtivismo acadêmico, alimentado por políticas de avaliação baseadas na quantidade de publicações. Isso tem levado muitos pesquisadores a adotar estratégias de “fatiamento” de pesquisas, submissão simultânea a vários periódicos e priorização de temas “vendáveis” em detrimento da originalidade e relevância social.
Outro desafio diz respeito à concentração editorial e à desigualdade de acesso. A maior parte das revistas de prestígio mundial cobra taxas elevadas para publicação e para acesso ao conteúdo, o que marginaliza pesquisadores do Sul Global e reforça a lógica da ciência como mercadoria. Santos (2006) denuncia esse modelo como parte de uma “economia política do conhecimento” que exclui saberes alternativos e consolida hierarquias epistêmicas.
Além disso, há uma tensão crescente entre a complexidade dos temas sociais e as exigências formais da escrita acadêmica. Muitos temas fundamentais – como racismo, gênero, desigualdade, meio ambiente – demandam abordagens interdisciplinares, metodologias participativas e linguagens sensíveis à pluralidade de sujeitos. O desafio é conciliar esses imperativos com os padrões rígidos das revistas científicas tradicionais.
Considerações finais: escrever como forma de transformação
Concluímos este texto reafirmando que o artigo é mais do que um gênero textual: ele é uma prática social complexa, situada histórica e institucionalmente, carregada de intencionalidade, disputa e poder. Escrever um artigo é, ao mesmo tempo, inserir-se em uma tradição acadêmica e contribuir para a renovação do conhecimento.
Nas Ciências Sociais, o artigo é uma das formas privilegiadas de intervir no mundo. Através dele, é possível denunciar injustiças, propor alternativas, sistematizar experiências e construir pontes entre saberes distintos. É também uma maneira de formar novos sujeitos críticos, capazes de interpretar e transformar a realidade que os cerca.
Diante disso, cabe a todos que escrevem – estudantes, professores, pesquisadores – repensar continuamente os sentidos, os alcances e os limites daquilo que produzem. Mais do que cumprir exigências institucionais, é necessário afirmar uma escrita comprometida com a verdade, com a justiça e com a emancipação humana. artigo o que é
Referências bibliográficas
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