O que são Partidos Políticos?*

Por Cristiano das Neves Bodart

Etimologicamente, o termo partido deriva de uma acepção primeira do verbo “partir”, que no francês antigo designava “fazer partes, dividir”. Partido designará inicialmente um grupo armado que agia à margem das forças armadas do Estado, e/ou em ruptura com ela (SEILER, 2000). “Com o tempo, a palavra veio a designar uma facção armada organicamente constituída – o partido dos Armagnacs – para, em seguida, tornar-se o sinônimo de facção política antes de adquirir sua concepção atual”. (SEILER, 2000, p. 10).
De acordo com Seiler (2000), o vocábulo “partido” foi usado bem cedo nos estudos sociais. Esse autor atesta que tradutores de Aristóteles o utilizaram para designar os grupos sociais que se colocavam em oposição a Atenas. Os estudiosos da Roma antiga, por exemplo, utilizaram os termos “partido plebeu” e “partido patrício” para designar os grupos políticos da época, não hesitando de utilizar a expressão “partidos políticos” para explicar o declínio da República da Roma Antiga. (SEILER, 2000).
Seiler (2000, p. 23) destaca definições conceituais para “partidos políticos” das quais nos ajudam a levantar algumas considerações a respeito, ainda que concordamos com esse autor de que a definição conceitual de partidos políticos é ainda um desafio. Dentre os filósofos destaca duas definições:
Um conjunto organizado de homens unidos para trabalhar em comum pelo interesse nacional, conforme o princípio particular com o qual se puseram em acordo. (Edmund Burke).
Uma reunião de homens que professam a mesma doutrina política. (Benjamin Constant).
Na definição de Burke notamos uma ingenuidade quanto a “trabalhar pelo interesse nacional”, isso por dois motivos: i) os interesses nacionais nem sempre são os interesses dos partidos políticos que alcançam o poder, ainda que tenham “vendido” a ideia de unidade, são “partidos”; ii)  o acordo nas relações políticas são sempre muito fluidas. A definição de Constant é bastante simplificadora, uma vez que o agregador nem sempre é uma doutrina política clara e coesa. O ponto de encontro entre as duas definições que nos parece importante é que em torno dos partidos políticos haverá um “alinhamento interpretativo” agregador de indivíduos.
Dentre os cientista políticos Seiler (2000, p. 23-24) destaca três definições para partidos políticos:
Os partidos são formações que agrupam homens de mesma opinião para garantir uma influência verdadeira sobre a gestão dos negócios políticos” (Hans Kelsen).
Um partido é um agrupamento organizado para participar na vida política, tendo em vista conquistar, parcial ou totalmente, o poder e dele fazer prevalecer as ideias e os interesses de seus membros. (François Goguel).
Constitui um partido todo o agrupamento de indivíduos que, professando os mesmos pontos de vista políticos, se esforçam para fazer prevalece-los, ao mesmo tempo juntando a eles o maior número possível de cidadãos e procurando conquistar o poder ou, pelo menos, influenciar suas decisões. (George Burdeau).
Tais definições não contemplar uma característica prática do pluripartidarismo brasileiro: a prática de “filiação alugada”. Chamo de “filiação alugada” a prática de filiação de políticos profissionais com o objetivo de concorrer as eleições por legendas partidárias que o possibilite se eleger, assim como a inclusão de políticos profissionais em partidos que possuem mais recursos para o financiamento de campanha ou apoio político.
Dentre os sociólogos Seiler (2000, p. 23-24) destaca duas definições para partidos políticos que nos parecem ser muito caras aos propósitos dessa pesquisa. São elas:
O partido constitui “relações de tipo associativo, uma dependência fundada num recrutamento de forma livre. Seu objetivo é assegurar o poder a seus dirigentes no seio de um grupo institucionalizado, a fim de realizar um ideal ou obter vantagens materiais para seus militantes”. (Max Weber).
Os partidos políticos são agrupamentos voluntários mais ou menos organizados que pretendem, em nome de uma certa concepção de interesse comum e de sociedade, assumir, sozinhos ou em coalizão, as funções de governo. (Raymond Aron).
No conceito weberiano de partido identificamos um elemento importante: os objetivos. Além da busca pelo poder, o partido pode desejar proporcionar benefícios a seus militantes. No caso de partidos políticos com pouca força, quanto não se vislumbrar a possibilidade de assumir o poder, busca-se coalisões a fim de propiciar o recrutamento de gestores, e outros profissionais, de seu quadro de filiados. É possível identificarmos mobilizações partidárias em busca espaço, ainda que indireta, no governo, ou ainda, se mobilizando para ampliar os grupos de pressões sobre os partidos de oposição, quando esses estão no poder. O conceito de Aron no possibilita pensar as ações dos partidos em formato de coalisões, como por exemplo, por meio de aproximação de outros partidos para obter, se no poder estiver, governabilidade via maioria no parlamento e no senado. É possível o partido político, sobretudo os mais próximos as massas, buscar uma gestão compartilhada, com a participação direta e indireta da sociedade civil, como ocorrem em muitas práticas do Orçamento Participativo (OP).
Os partidos políticos são, em sua essência, um agrupamento de indivíduos que tem por objetivo alcançar e conservar o poder (MOTTA, 2008). Para Motta (2008), um partido geralmente surge a partir de um ideário político que agrega pessoas dispostas a lutar por esse ideal. Desta forma, “[…] os partidos são produtos tanto de motivação ideológica quanto de ambição pelo poder” (MOTTA, 2008, p. 10). Para esse mesmo autor, as duas coisas podem concorrer uma com a outra: “há partidos nos quais a defesa dos ideais é mais importante que a ambição de seus líderes e há aqueles menos preocupados com as propostas e mais ansiosos pelo poder”. Nesse ponto, estamos de acordo com esse autor, sobretudo ao afirmar que ambos os elementos estão quase sempre presentes, pois seria difícil agregar pessoas em torno de algo sem ideologia, assim como, sem o desejo de alcançar o poder não haveria razão do partido existir. Destaca Seiler (2000) que os partidos políticos tem suas raízes em conflitos, geralmente social, o que colabora para entendermos suas dinâmicas no campo de disputa a qual está inserido.
Três lógicas parecem permear os partidos políticos: i) o desejo pelo poder em nome de uma concepção lógica de projeto; ii) a associação voluntária de indivíduos que buscam participar da vida política de forma institucionalizada; ii) a mobilização em prol de uma ação ou projeto.
Lamounier e Meneguello (1986) ao buscar uma definição para partidos políticos, apresentaram duas variáveis hegemônicas. Argumenta que os marxistas consideram apenas partidos “verdadeiros” apenas aqueles que são em si mesmo um grupo social e que, no mínimo, sejam a expressão política “necessária” de uma grupo ou uma classe ancorada na estrutura da sociedade. Em contraposição, destacaram outra vertente a partir da definição de Schumpeter (1976, p. 283), para quem,

Partidos  e máquinas políticas resultam do simples reconhecimento de que as ações de uma massa eleitoral raramente ultrapassam o nível de um estouro de boiada. Regular a competição política é a função dos partidos, que pode ser comparada às práticas reguladoras de qualquer associação de negócios no campo econômico.

Assim, para Schumpeter os partidos seriam usualmente criações “artificiais”, espécie de organizações forjadas por “empresários” políticos (políticos profissionais) que objetivam algumas demandas no “mercado político”. Nesse sentido,

Eles têm consciência, é claro, de que sua atuação é de alguma forma limitada pela estrutura social do eleitorado, pelos interesses que se projetam na arena política, por coordenadas institucionais, e assim por diante. Mas nada disso retira de sua obra esse caráter, como dissemos, “artificial”. (LAMOUNIER; MENEGUELLO, 1986, p. 16).

Ambos os conceitos apresentados por Lamounier e Meneguello (1986) possuem elementos importantes para compreendermos os partidos políticos. A perspectiva marxista nos ajuda a entender os partidos que surgiram “de baixo para cima” (extraparlamentares, extra-estatais), geralmente de viés esquerdista, tais como o PT e o PCdoB. Ainda esses, a perspectiva shumpeteriana, nos ajuda a compreende-los, uma vez que em muitos momentos foram frequentemente desmobilizados, cooptados ou reprimidos pelo poder central, como bem destacaram  Lamounier e Meneguello (1986) ao se debruçarem sobre a história dos partidos políticos brasileiros.
Uma característica importante dos partidos políticos é a representação. Como aponta Seiler (2000, p.6), “os partidos políticos constituem a condição sine qua non do funcionamento do regime representativo”. Para Seler (2000, p.29), “nenhuma democracia funciona sem partidos políticos”. Motta (2008) destaca que é papel dos partidos políticos ser um canal de expressão dos anseios da sociedade e que eles “representam, ou ao menos tentam representar, as opiniões dos cidadãos no nível do Estado”. Nesse sentido, Motta (2008) apresenta uma generalização no mínimo perigosa, pois os partidos representam, na verdade, parcelas da sociedade, muitas vezes restritas a grupos de interesses, sobretudo onde o financiamento de campanhas eleitorais são realizadas pelo setor privado. É certo que esse autor reconhece que os partidos políticos não são representantes perfeitos dos interesses sociais das demandas populares.  Diríamos ainda que partidos políticos podem ser criados para não se opor as demandas populares, embora precisarão agregar indivíduos suficientes para serem reconhecidos e legitimados. Não podemos analisar os partidos políticos a partir de idealizações arbitrárias, mas partirmos de uma visão realista. É o que nos propomos.
Há uma tendência de conceituação dos partidos políticos  como um agrupamentos de indivíduos com interesses, ideais e princípios comuns. Essa conceituação  contrastada com os partidos reais não se sustenta por seu caráter homogêneo, simplificador e “romântico”. Na verdade, os partidos políticos são “campos de batalhas”, frequentemente desorganizados e sujeitos a dissensões internas. (LAMOUNIER; MENEGUELLO, 1986).
Reconhecemos que os partidos políticos têm um papel politizador, colaborando para organizar as demandas de grupos e canalizá-las em forma de propostas concretas de governo (MOTTA, 2008), assim como fomentar as mobilizações sociais em prol de determinadas necessidades, se apresentando como uma possibilidade de organização e meio/espaço de participação na política. É nesse sentido que buscamos compreender o papel dos partidos políticos na mobilização social para a construção e efetivação de uma arena de participação social institucionalizada: o orçamento participativo.
A mobilização da sociedade civil para participar das decisões do Estado rumo a uma “democracia direta” ou “semidireta” não reduz necessariamente a importância dos partidos políticos, como nota-se na experiência da Suíça (SEILER, 2000). Os partidos políticos suíços souberam tirar proveito da maior participação dos cidadãos. No Brasil o fomento de partidos de esquerda para que haja uma maior participação social não é compreendido como antagônico as práticas partidárias.
Para Seiler (2000), os partidos políticos possuem sete funções. São elas: i) realizar o recrutamento e seleção do pessoal dirigente para os cargos do governo; ii) elaborar programas e políticas para o governo; iii) coordenar e controlar órgãos governamentais, enquadrando os indivíduos em cargos considerados estratégicos, geralmente os escolhem dentre o seu quadro ou dentre seus apoiadores; iv) homogeneizar as demandas particulares dos interesses das categorias, propiciando uma integração societária pela satisfação e pela conciliação das demandas ou ideologias; v) mobilizar os atores sociais, proporcionando uma “educação política”; vi) manifestar-se, quando julgar necessário, com uma postura de “contra-organização” ou “subversão; vii) expressar as demandas de seus representados, sendo seus porta-vozes; viii) mediar os conflitos e as aproximações entre Estado e sociedade.
Essas funções destacas por Seiler (2000) nos permite ter uma visão mais ampla dos partidos políticos e, assim, buscarmos compreender suas ações e interações, seja com outros partidos, com movimentos sociais ou com a sociedade civil. Essas funções serão de grande valia para pensarmos a atuação dos partidos políticos junto aos movimentos sociais.
O papel de mobilizador da sociedade civil é claro ao constatarmos que em um regime autoritário, assim como nas ditaduras, uma das primeiras vítimas são os partidos políticos (MOTTA, 2008), sobretudo aqueles que são mais próximos aos movimentos sociais e que lutam por demandas que não são objetos de interesses dos governantes, como ocorreu no Brasil durante o Regime Militar. Para Motta (2008), a tumultuada história dos partidos políticos brasileiros teve “uma trajetória inseparável das peripécias de nossa frágil democracia”. No ano de 1886, Lamounier e Meneguello lançavam um livro intitulado “Partidos Políticos e consolidação democrática: o caso brasileiro”, no qual iniciava sua introdução com a seguinte afirmativa: “Em perspectiva comparada, o Brasil é um caso notório de subdesenvolvimento partidário” (comparava os autores com as experiências dos anos de 1970 da Grécia, Espanha e Portugal e, dos anos de 1980, da Argentina, Uruguai e Filipinas). Para esses autores, a descontinuidade dos sistemas partidários que se sucederam ao longa da história brasileira, destacando que até então o “antipartidismo” poderia ser considerado um traço na cultura política nacional, isso juntamente com o “artificialismo” e a “falta de autenticidade” dos partidos. (LAMOUNIER; MENEGUELLO, 1986). Lamounier e Meneguello estavam inseridos em um período marcado pelos resquícios do Regime Militar e, portanto, ainda caracterizado por restrições políticas da época, muito embora os aspectos de “artificialismo” e a “falta de autenticidade” dos partidos políticos sejam ainda alvo de críticas.
Referências
LAMOUNIER, Bolivar; MENEGUELLO, Rachel. Partidos Políticos e Consolidação democrática: o caso brasileiro. Editora Brasiliense: Brasília, 1986.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Introdução à História dos partidos políticos brasileiros. Editora UFMG: Belo Horizonte, 2008.
SEILER, Daniel-Louis. Os partidos Políticos. Editora UnB: Brasilia, 2000.
  
*Trecho da tese de doutoramento em Sociologia de Cristiano das Neves Bodart/Universidade de São Paulo/USP.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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