Por Camillo César Alvarenga*
Em Norbert Elias opera-se uma crítica à Kant e seu racionalismo transcendental. Em Elias tudo é social e biológico. A capacidade humana técnica de comunicação aparece através dos símbolos como realização ímpar da inventividade cega da natureza. Os seres humanos orientam seu comportamento através do conhecimento apreendido [vantagem evolutiva] em relação ao habitus [entendido enquanto saber social incorporado] permitindo a formação dos símbolos como processo de sínteses progressivas e não como abstrações ou generalizações.
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“Sabe-se que os relógios exercem na sociedade a mesma função que os fenômenos naturais – a de meios de orientação para homens inseridos numa sucessão de processos sociais e físicos. Simultaneamente, servem-lhes, de múltiplas maneiras, para harmonizar os comportamentos de uns para com os outros, assim como para adaptá-los a fenômenos naturais, ou seja, não elaborados pelo homem” (ELIAS, 1998, p. 8).
Se o tempo é físico, biológico, na maneira como constrói a percepção e a experiência do conjunto de “pulsões naturais” e o desenvolvimento de formas autocontrole em diversas etapas do processo civilizador, e social que impõe por sua vez uma coerção social à autodisciplina e a formação de habitus integrantes à estrutura da personalidade em graus como a moral e os sentimentos. Onde símbolos são também padrões sonoros e então dados físicos possibilitados pela precondição biológica evolutiva do aparato vocal único e complexo dos seres humanos; não imitativos nem pictóricos, mas sim representacionais.
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São os níveis de integração, do mais complexo ao mais orgânico: social, manifestado do ponto de vista simbólico; psicológico; biológico; químico e físico. Os símbolos, são adquiridos por aprendizagem, podem variar de sociedade para sociedade e no tempo em uma mesma sociedade, levando em conta que nas sociedades animais as mudanças ocorrem em função de transformações biológicas enquanto nas sociedades humanas podem ocorrer sem mudanças biológicas. Símbolos materiais são entendidos como condensação entre sentido e objeto – um totem, por exemplo, se distinguem de símbolos conceituais como conceitos que constroem o objeto sem serem exclusivamente subjetivos.
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No que toca o tempo e suas questões físicas as relações entre sincronia e diacronia, revelam particularidades. Numa espécie de crítica ao estruturalismo, o símbolo aparece numa relação de signo entre o significado e o significante, permitindo a diferenciação e a integração na construção de modelos teóricos congruentes com o real – espaço-tempo, onde o tempo em ciências sociais é a História, e que age como estrutura social de caráter coercitivo, um instrumento normativo, sob formas de auto-disciplina, estrutura de personalidade – ou melhor, mais próximos da relação entre o ideal (ideacional) e a realidade.
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Se Simmel aponta aspectos sobre a tragédia da cultura, e Raymmond Williams indica a tragédia da modernidade como pistas para entender fenômenos de mudanças entre as esferas sociais e culturais, levando em conta a história, em Elias a teoria social – a burocracia, o desencantamento, a intelectualização entre processos como trabalho e política e instituições como família e religião – revela a autonomização dos campos e das esferas sociais, nas quais os modos de vida e a formação social e política são derivados de um processo de transformação entre a estruturação social [sociogênese] e a formalização da estrutura de
personalidade [psicogênese].
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Consubstanciado no “habitus” – no entender de Elias uma espécie de segunda natureza formada no processo civilizatório para dinamizar jogos sociais impostos ou não – assim mediando as “pulsões” e “desejos” numa “negociação” entre id, ego e superego diante do contexto social. Emerge assim, no arcabouço da teoria social um conceito chave do pensamento eliasiano, que é a “economia psíquica”, oriunda da orientação freudiana, que de maneira lógica insere a “energia psíquica” na mediação entre o culturalismo – referente à Escola de Chicago – a civilização – no sentido freudiano – e o comportamento social – no plano sociológico. De forma que o processo de “educação intencional de pessoas isoladas ou grupos” conduz a uma “mudança de conduta e sentimentos humanos rumos a direção muito especifica” através da racionalização consciente e, por conseguinte, o controle dos afetos.
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“[…] a coisa aconteceu, de maneira geral, sem planejamento algum, mas nem por isso sem um tipo especifico de ordem. Mostramos como o autocontrole efetuado através de terceiras pessoas é convertido, de vários aspectos, em autocontrole, que as atividades humanas mais animalescas são progressivamente excluídas do palco da vida comunal e investida de sentimentos de vergonha, que a regulação de toda a instintiva e afetiva por um firme autocontrole se torna cada vez mais estável, uniforme e generalizada” (Elias, 2001).
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Para a noção de configuração social, as relações de interdependência e funcionalidade entre indivíduos permitem entender o conceito configuração enquanto um instrumento metodológico, um instrumental conceitual objetivo, ou seja, como uma forma de “afrouxar o constrangimento social de falarmos e pensarmos como se o indivíduo e a sociedade fossem antagônicos e diferentes.” (ELIAS, [s/d], p.141).
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Podemos observar também em Elias um conjunto articulado de noções que demarcam a sociologia contemporânea como a abordagem de longa duração; a relação crítica à noção de esferas e “redes” – constelação de fatores – de Weber, entre a ordem e a mudança; a construção do “eu” e da “sociedade”; a utilização do princípio da hermenêutica para uma compreensão interpretativa onde as ações sociais e seu sentido – motivo – suas múltiplas causas e seus efeitos estão ligados a imputação de sentido pela constelação de fatores.
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Sobre Elias podemos encerrar com as palavras de Miriam Goldenberg que nos diz: “O autor pensa a liberdade de cada individuo inscrita numa cadeia de interdependências que o liga aos outros homens, limitando o que é possível decidir ou fazer.” (GOLDENBERG, 2001, p.38) e mais a frente ainda ela aponta que “Elias demonstra que o indivíduo se faz por suas atividades e pelas condições que dispõem para realizá-las no contexto histórico e social em que existiu.” Logo sua engenhosa combinação de filosofia, psicologia e sociologia nos permite enveredar pelo universo da teoria social contemporânea com nuances de weberianismo e historicismo bem latentes bem como uma síntese de pressupostos que se harmonizam a fim de sustentar o todo teórico erigido.
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Referências
ELIAS, Norbert. Sociedade de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
ELIAS, Norbert. Introdução à Sociologia. Edições 70. Lisboa. [s/d.].
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais . 11º Ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.
*Camillo César Alvarenga é graduando do bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB. Escreve em https://scombros.blogspot.com.br/ Email: ccsalvarenga@gmail.com