O professor e os limites impostos pela prática cotidiana
Por Cristiano das Neves Bodart
Ao longo de 15 anos lecionando no Ensino Básico me deparei com diversas limitações a minha prática docente; algumas foram superadas, outras apenas mitigadas ou mesmo mostraram-se permanentes. Frente aos limites existentes na prática cotidiana, é comum professores se sentirem frustrados ou impotentes. O fato é que existem limites à prática docente, sobretudo considerando as condições cotidianas das escolas e dos professores. Reconhecer essa existência é um passo importante para evitar a decepção e frustração profissional.
Limites à atuação do professor
Os limites da ação do professor variam de acordo com o profissional e com as condições objetivas da escola e de seu entorno. No contexto escolar, os limites são delimitados de acordo com a formação do professor, com os recursos pedagógicos disponíveis, a infraestrutura existente, o reconhecimento dado pela escola à disciplina, a carga-horária da disciplina e a jornada de trabalho do professor, considerando o número de alunos, de turmas e de escola, etc.
No contexto maior do sistema educacional, os limites são delimitados de acordo com o currículo e o modelo de educação estabelecido. Tomar ciência disso é um importante passo inicial. Temos um modelo de Educação voltado aos princípios neoliberais (destacando-se o utilitarismo), e gerido – na maioria das vezes – por políticos1ou empresários ávidos por lucros. Assim, a Educação é pensada:
i) sob uma lógica que desmotiva os alunos a valorizarem o conhecimento se não verem nele utilidade imediata;
ii) como dados estatísticos a serem usados em campanhas eleitorais, o que fomenta aprovações “automáticas”, desvalorizando todo o trabalho do professor e desmotivando os alunos que se dedicam para obter boas notas e/ou;
iii) como uma prestação de serviço a clientes que têm sempre razão (no caso de instituições privadas)3.
Essas visões afetam diretamente o desempenho do professor, lhe impondo dificuldades e limites a sua prática cotidiana.
Outros limites estão relacionados a formação social dos alunos. Temos alunos de origens diversas e com interesses diferentes. Alguns não irão se interessar pela aula e isso precisa estar claro. Cabe ao professor busca motivar (dar motivo) aos estudos, sabendo que estará disputando com toda uma socialização que o aluno adquiriu e continua adquirindo. Ora será vitorioso, ora suas tentativas se mostrarão ineficientes. Mesmo assim, não deixe de tentar. Lecionar é um ato de militância.
Os limites não são fixos
Ainda que entendemos algumas situações como “limites”, estes não são fixos e nem delimitados da mesma forma aos diferentes professores e contextos escolares.
Os limites à prática docente podem se mover “para frente” ou “para traz”, a depender: i) das condições materiais disponíveis ao professor e; ii) do engajamento do professor na sua formação e prática docente.
Alargando as possibilidades e movendo os limites
É importante entender que há limites e que não resolveremos em sala de aula todos os problemas da educação. Cientes disso as sensação de frustação será menos frequente e a possibilidade de planejarmos ações com objetivos atingíveis se ampliará.
Podemos entender os limites como barreiras que impedem o avanço rumo a um horizonte desejável. Contudo, essas barreiras podem ser movidas, tornando os objetivos mais próximos; ainda que inalcançáveis em sua plenitude, é algo a ser comemorado.
Há dois caminhos para mover as barreiras/limites. Um deles não depende do professor: melhores condições materiais para a prática docente. Contudo, um outro caminho – embora difícil – é possível: o professor investir em sua formação.
Investir não se limita a participar de cursos ou realizar novas leituras. Investir é também dar-se um pouco mais a sua prática docente. Dedicar-se ao planejamento das aulas, transmitir e emitir paixão pelo que faz!
Buscar uma formação científica/teórica e pedagógica é um passo importante para mover “para frente” os limites impostos aos resultados pelo sistema educacional e pela sala de aula. Um professor bem formado em conteúdo específico e pedagógico terá maior facilidade de “reinventar” estratégias de ensino e planejar boas aulas, bem como entusiasmar os seus alunos com o conhecimento transmitido.
Nós professores devemos evitar a improvisação em sala de aula. Ter didática não é o mesmo que ser criativo. Ter didática é possuir um stock de habilidades baseadas em estudos de práticas de ensino. É necessário que o planejamento seja baseado em saberes científicos, indicando aos alunos caminhos interpretativos diferentes de fenômenos ou objeto estudado e transmitido de forma inteligível e que desperte o interesse dos alunos. É necessário tratar cada tema com o rigor necessário, mostrando aos alunos que a ciência não é feita de opiniões baseadas no senso comum. Contudo, dê aos alunos o respeito devido, sendo lhes o exemplo. Ensine-os a respeitar visões diferentes, o que não significa que terão que concordar com elas. Explique-os que os saberes exigidos na aula/escola não devem estar baseados em suas crenças3, mas em ciência. Ensine-os que em esferas diferentes da vida (casa, igreja, escola, etc.) os tipos de conhecimentos valorizados são igualmente diferentes – eles precisam aprender diferenciar esses espaços e os valores ali estabelecidos.
Evite conflitos interpessoais, o conhecimento não se dá por oposição, mas por diálogo e reflexão. Se não há esses dois ingredientes, em vão será suas explicações. Respeite o saber dos alunos e use-o como ponto de partida rumo a um ponto de chegada científico. Para tanto, é necessário boa formação (específica e pedagógica) para enfrentar os desafios presentes no espaço escolar e no sistema educacional como um todo.
Lembre-se, existem limites à prática docente e reconhece-los é um passo importante para buscar superações, assim como evitar as decepções e frustrações profissionais. Nem tudo está nas suas mãos.
Notas:
1Secretarias Municipais/Estaduais e Ministério são cargos comissionados.
2Na lógica do mercado os clientes não devem ser contrariados.
3Ainda que essas tenham seu valor reconhecido.
Como citar este texto:
BODART, Cristiano das Neves. O professor e os limites impostos pela prática cotidiana. Blog Café com Sociologia, 2018. Disponível em: <https://cafecomsociologia.com/o-professor-limites/ >. Acesso em: dia, mês e ano.