ALÉM DE PRETO, VIADO: Reflexões sobre a incidência de preconceito e práticas de violência em torno de negros homossexuais – relato de experiência.
Por Celina Rosa dos Santos* e João Pedro Santana
Valadares**
Valadares**
É sabido que alguém fenotipicamente negro normalmente sofre preconceito racial. E quando se trata de ser negro e LGBT? O preconceito é mais intenso? A violência física e/ou verbal é maior? O objetivo desse escrito é relatar uma experiência através da qual foram discutidas questões referentes ao preconceito em torno de negros homossexuais a luz dos conceitos de gênero e sexualidade com estudantes do ensino médio técnico da rede federal de educação profissional e tecnológica no município de Ilhéus – Bahia. A proposta foi levá-los a entender como esses conceitos podem ser elementos chave para entender o estigma em torno de um “preto, viado”.
A discussão foi realizada durante o evento “II Semana de Consciência Negra” que tinha como tema “Identidades no Século XXI”. Ao abordar questões de como a identidade negra é expressa nos dias de hoje, os assuntos relacionados aos papeis de gênero e sexualidade na sociedade atual se tornam fundamentais na construção do caráter de futuros cidadãos capazes de alterar a paisagem na qual estão inseridos.
A experiência que será relatada aconteceu na forma de um minicurso ofertado como parte do evento supracitado anteriormente, e ocorreu no dia 18 de novembro de 2014 contando com a participação de 62 estudantes, incluindo dois facilitadores. O trabalho foi iniciado com a dinâmica intitulada “socializando”, que consistia em deixar os participantes se apresentarem e dizerem a todos o porquê do interesse em participar dessa atividade e as expectativas quanto ao tratamento que seria dado a um tema tão polêmico.
A primeira atividade trabalhada fez alusão a um conceito corriqueiro em nosso cotidiano: o estereótipo. Os participantes foram divididos, e cada grupo possuía um papel madeira onde se encontravam as palavras preto e viado separadas por uma linha, onde os estudantes deveriam através do exercício de imaginação sociológica discutir e escolher palavras que estivessem ligadas a preto/viado presentes no imaginário social ou seu cotidiano particular. Dessa forma, além de fazer as conexões entre as palavras, era possível identificar o seu lugar de fala. Destaca-se a liberdade na escolha das palavras em cada grupo, independentemente de serem pejorativas ou não, pois o feedback gerado seria o mais importante.
Posteriormente, os grupos apresentaram seus cartazes e as palavras que consideraram estar intrinsecamente ligadas ao tema central. Não foi uma surpresa que as palavras colocadas no cartaz reafirmassem o preconceito que o ator social em questão sofre. Ademais, em consenso os grupos precisaram escolher um nome fictício para seus cartazes.
Os facilitadores fixaram os cartazes na parede e apresentaram aos estudantes as suas próprias produções, não apenas como pedaços de papéis, mas como pessoas do nosso cotidiano, a quem atribuíram um nome e que passavam pela situação degradante de serem rotuladas, estigmatizadas, excluídas e marginalizadas diariamente por eles, por outros ou pela sociedade.
A cada apresentação dos “novos participantes” introduzidos pelos próprios estudantes, foi possível captar na expressão a surpresa negativa de ser criador de tantas identidades forjadas pelo preconceito e transmitidas pelas palavras reproduzidas no cartaz e que nada mais são que recursos de poder para assediar e violentar negros (as) LGBTs.
Alguns questionamentos foram levantados, buscando instigar as percepções acerca de si e do outro também como pessoa. Diante de questionamentos como: “Como vocês acham que essa pessoa se sente com toda essa situação”? “Você consegue se colocar no lugar dela?”, “Como você age na presença dessas pessoas?”, as respostas foram diversas.
Enquanto alguns afirmaram entender o sofrimento diário pelo qual passam essas pessoas, outros participantes disseram afastar-se para não ter sua sexualidade colocada em cheque. Houve também quem dissesse que por conta de sua invisibilidade, essas pessoas deveriam ser acolhidas. Outras respostas foram expressas por meio do riso, piadas, brincadeiras e até mesmo pelo silêncio, sendo esclarecidas que essas manifestações apresentam o mesmo efeito das palavras empregadas nos cartazes.
Na segunda parte do minicurso foram discutidas as práticas de violência física/simbólica contra negros homossexuais. Nesse momento, os estudantes foram levados a pensar sobre o real motivo pelo qual os casos de crime são sempre descaracterizados em investigação policial e tipificados incorretamente. Para exemplificar esses erros policiais, foi discutido em conjunto um texto que tratava do assassinato do garoto Kaique que fora enquadrado como suicídio, mas que na verdade fora classificado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República como assassinato por homofobia.
Por fim, lançamos duas últimas perguntas: “Vocês enxergam as identidades LGBT na escola’’? “O que acreditam que deva ser feito a começar de nós mesmos para visibilizar essas pessoas”?
Bibliografia
*Licenciada em Ciências Sociais –UFES, especialista em História Social e Política do Brasil – UFES. Professora de Sociologia no Instituto Federal da Bahia – Campus Ilhéus. E-mail: Celinarosa@ifba.edu.br
**Graduando em Técnico em Segurança do Trabalho IFBA – Ilhéus. E-mail: joaopedrovaladares@live.com
Parabéns pela iniciativa.
Lamentavelmente discriminação e violência continuam juntas e podem ser um pouco mais entendidas em:
http://saudepublicada.sul21.com.br/2015/08/31/religiao-e-laicidade-discriminacao-e-violencia/
Nós agradecemos por ler o nosso relato. Infelizmente, você tem razão. Essas duas máximas não têm se separado muito. Aproveito pra dizer que acredito na escola como uma instituição social capaz de politizar e conscientizar as subjetividades/identidades, mesmo que, por ora, isso não esteja sendo feito em grande medida. Não foi fácil promover esse bate-papo na escola, pois é claro que existiam forças antagônicas que expressavam seu descontentamento (alguns alunos e docentes). No entanto, foi prazeroso fazê-lo, mesmo sabendo que foi apenas uma centelha na difícil tarefa de libertar as pessoas do cárcere do preconceito.