Capitaloceno: Uma Reflexões a partir de Donna Haraway

É fundamental pensarmos o capitaloceno como o período de destruição generalizada da biodiversidade, da dinâmica do clima e da ameaça constante da extinção em massa das espécies e de da raça humana. Este texto se propõe não a indicar um nome adequado a este evento geológico cujas causas são antrópicas. Qual o nome mais adequado para este evento? Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno? Quero me ater esse texto ao conceito de Capitaloceno.

O conceito de Capitaloceno é uma tentativa de compreender a atual era geológica em que a influência do capitalismo sobre o planeta atingiu um ponto crítico. Neste texto, examinaremos os argumentos apresentados por Donna Haraway em sua série de textos, nos quais ela explora as transformações provocadas pelo capitalismo e as implicações dessas mudanças. A discussão gira em torno da necessidade de nomear essa nova era e dos desafios que ela apresenta. Ao destacar o papel do capitalismo na reconfiguração do ambiente global, Haraway propõe o termo “Capitaloceno” como uma alternativa ao mais comumente utilizado “Antropoceno”. Além disso, o texto explora o conceito de fazer parentes em um mundo afetado pelo Capitaloceno, enfatizando a importância de reconstituir refúgios e repensar as relações entre as espécies.

O debate em torno do conceito de Antropoceno tem sido uma parte central das discussões sobre as mudanças ambientais que ocorreram nas últimas décadas. O termo “Antropoceno” sugere que a influência das ações humanas na Terra atingiu um ponto crítico, resultando em alterações significativas nos sistemas ecológicos do planeta. No entanto, Donna Haraway, em uma série de textos, questiona a adequação desse termo e propõe o conceito de “Capitaloceno” como uma alternativa. Esta abordagem tem como objetivo destacar o papel do capitalismo na reconfiguração do ambiente global.

O Capitaloceno: Uma perspectiva crítica

Haraway começa sua análise reconhecendo a influência das ações humanas, especialmente a partir do desenvolvimento da agricultura em larga escala, que teve impactos significativos no planeta. No entanto, ela argumenta que o termo “Antropoceno” não leva em consideração a complexidade das mudanças em curso, nem as dinâmicas sistêmicas que envolvem interações intra e interespécies.

Haraway aponta para a necessidade de uma análise mais detalhada sobre a escala e a velocidade das transformações que estão ocorrendo. A questão-chave é quando as mudanças de grau se tornam mudanças de espécie, e como os seres humanos, bioculturalmente situados, interagem com outras espécies e forças bióticas/abióticas na construção dessas mudanças.

Um dos pontos mais importantes do argumento de Haraway é que as mudanças observadas vão além das mudanças climáticas. Ela menciona a carga de produtos químicos tóxicos, a mineração, o esgotamento de recursos naturais, a simplificação de ecossistemas e outros padrões sistemicamente relacionados que contribuem para uma possível catástrofe. Ela ressalta que a recursividade desses padrões pode ser devastadora.

A autora também destaca o conceito de refúgios, que desempenharam um papel fundamental na manutenção da diversidade cultural e biológica ao longo do Holoceno. No entanto, a transição para o Antropoceno ameaça a existência desses refúgios, o que pode resultar em uma perda irreversível da diversidade.

A solução seria fazer parentes?

Um dos conceitos-chave no pensamento de Haraway é a ideia de “fazer parentes”. Ela argumenta que é fundamental criar novas formas de relacionamento e colaboração entre as espécies para lidar com os desafios do Capitaloceno. O Capitaloceno não é apenas uma era destrutiva, mas também uma oportunidade para repensar nossas relações com o mundo natural. É urgente e emergente da espécie humana compreender os laços entre os seres tanto humanos, microscópios e macrocópios. “Fazer parentes é fazer pessoas, não necessariamente como indivíduos ou como seres humanos.”(HARAWAY, 2016, p. 142)

Haraway propõe que, em vez de enfatizar a necessidade de produzir mais bebês humanos, devemos focar em “fazer parentes”. Isso significa criar conexões mais profundas entre os seres humanos e outras espécies, reconhecendo que compartilhamos um destino comum na Terra. O termo “parentes” não deve ser limitado a laços de sangue, mas deve ser expandido para abranger uma variedade de arranjos de espécies e relações que transcendem a genealogia tradicional uma vez que “todos os terráqueos são parentes”.

Além disso, Haraway enfatiza a importância das feministas na liderança dessa transformação. Ela sugere que as feministas têm desempenhado um papel crucial em desafiar as noções tradicionais de parentesco, gênero, raça e outras categorias. Essa liderança na imaginação e na ação é fundamental para desfazer os laços tradicionais que têm contribuído para a degradação ambiental.

Considerações finais

O conceito de Capitaloceno, como proposto por Donna Haraway, é uma tentativa de compreender a era geológica atual, na qual o capitalismo desempenha um papel fundamental na reconfiguração do ambiente global. Essa abordagem destaca a necessidade de repensar a forma como nos relacionamos com outras espécies e como lidamos com as mudanças sistêmicas em curso.

No Capitaloceno, “fazer parentes” se torna uma estratégia essencial para reconstituir refúgios e promover uma recuperação biológica, cultural, política e tecnológica. Isso envolve repensar a noção de parentesco e reconhecer que todos os seres compartilham uma “carne” comum. As feministas desempenham um papel fundamental na liderança desse processo, desafiando noções tradicionais de parentesco, gênero e raaça, e promovendo a diversidade de arranjos multiespécies.

No entanto, o Capitaloceno não é apenas um período de desafios, mas também de oportunidades. A necessidade de criar parentes com outras espécies e com o ambiente pode levar a uma reconfiguração profunda de nossa relação com o mundo natural. Essa mudança implica um compromisso em cultivar épocas futuras que possam reconstituir os refúgios e promover um bem-estar crescente para todos os seres, atuando como meios e não apenas como fins.

Em última análise, o conceito de Capitaloceno nos convida a repensar nossa relação com o planeta e a adotar uma abordagem mais colaborativa e compassiva em relação às outras espécies. Como o Antropoceno e o Plantationoceno, o Capitaloceno nos desafia a lidar com a realidade das mudanças sistêmicas que estão ocorrendo. É um chamado para a ação coletiva e para a criação de um mundo no qual as relações entre as espécies sejam baseadas na reciprocidade, no cuidado e na compreensão de que somos todos parentes na grande teia da vida. Em última análise, a proposta de Haraway nos convida a fazer parentes, não bebês, e a considerar como os parentes geram parentes em um mundo profundamente transformado pelo Capitaloceno.

A autora advoga o nome Chthuluceno para definir este processo, porém continuo a defender que o nome mais adequado seja Capitaloceno uma vez que é flagrante a relação entre o capitalismo como causador de toda decadência ambiental generalizada a ponto de comprometer seriamente a vida das espécie e as condições de existência planetária a partir da sua criação. Se a ideia é fazer parentes para reverter o processo, aproveitemos a viajem para fomentar a consciência nos parentes que pudermos fazer.

 

Referências

HARAWAY, Donna. Antropoceno, capitaloceno, plantationoceno, chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica, v. 3, n. 5, p. 139-146, 2016.

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

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