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[Breve apresentação] Coisas ditas, obra de Pierre Bourdieu

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Por Cristiano das Neves Bodart

Cristiano Bodart, doutor em Sociologia (USP) Professor do Programa de de Pós-Graduação em Sociologia (Ufal)

O livro Coisas Ditas, de Pierre Bourdieu, foi originalmente publicada em francês pela Éditions de Minuit, em 1987, cujo título original era “Choses Dites”. A primeira versão traduzida no Brasil foi publicada em 1990 pela Editora Brasiliense, reeditada em 2004 e reimpressa até 2015 por três vezes. O encargo de traduzir essa obra coube a Cássia R. da Silveira e a Denise Moreno Pegorim, tendo recebido os cuidados técnicos de Paula Monteiro.

A obra, em sua versão portuguesa, contém 230 páginas, estando estruturada em três partes, além de contar com um prólogo. A versão que lemos foi uma cortesia do site quizlandia.club

Primeira parte

A primeira parte, intitulada “Itinerário”, traz uma entrevista concedida por Bourdieu a A. Honneth, H. Kocyba e B. Schwibs, em abril de 1985 na cidade de Paris; esse texto já havia sido publicado em Alemão, na revista Ästbetik und Kommunikation (v.16, 61-62, 1986). A entrevista envolve questões relacionadas as condições das pesquisas sociológicas nas décadas anteriores, assim como as do próprio Pierre Bourdieu. O segundo texto da primeira parte também é uma entrevista ao sociólogo francês. Esta foi realizada por J. Heilbron e B. Maso, em 1983, e originalmente publicada na revista Sociologisch Tijdschrift (x.2, out. 1983). Dentre os assuntos tratados estão a situação da Sociologia naquele momento, suas abordagens, métodos e referências (inclusive nos trabalhos de Bourdieu), assim como o diálogo com as demais Ciências e com a Filosofia.

Segunda parte

A segunda parte da obra, intitulada “confrontações” é constituída de sete textos. O primeiro é uma entrevista realizada por P. Lamaison, publicada em Terrain (n.4, 1985). Nela Bourdieu fala de suas pesquisas etnológicas como ponto de passagem para a Sociologia. Nesse ponto o autor apresenta uma reflexão em torno da “regra”, destacando que há uma falta de precisão se estaríamos nos referindo a um aspecto objetivo e consciente ou a aspectos subjetivo que envolve todos os que participam das regras de um dado campo social, apontando como alguns conceitos foram pensados por ele para fugir de uma visão objetivista da realidade social. A partir desse momento Bourdieu apresenta diversas questões relacionada a lógica de funcionamento dos campos sociais em contraposição a algumas das concepções do estruturalismo.

O segundo texto, da segunda parte, é intitulada “A codificação”. Trata-se de uma conferência apresentada em Neuchâtel, em 1986, tendo sido originalmente publicado na revista Actes de la Recherche em Sciences (n.64, 1986). Nela Bourdieu destaca a importância de alguns conceitos para a decodificação da realidade social (para dar forma), destacando o que passou e designar por habitus.

O terceiro texto dessa mesma parte tem um título bem sugestivo: “Sociólogos da crença e a crença dos sociólogos”. Nesse texto, resultado de uma conferência apresentada no congresso da Associação Francesa de Sociologia da Religião (1982), Bourdieu chama atenção para as dificuldades existentes ao se pesquisar a religião, indicando o necessário distanciamento e rigor científico e os perigos que envolvem os pesquisadores que estão emersos no campo religioso.

O texto seguinte também é resultante de uma conferência, desta vez em Estrasburgo, a qual compõe discutir aspectos obra Homo Academicus(1984). Aqui Bourdieu destaca a importância e as dificuldades de objetivar o objeto estudado, evidenciando a luta existente em todo do saber o que é o mundo social.

O texto sequente, intitulado “leitura, leitores, letrados, literatura”, é resultante de uma conferência de Bourdieu realizada em Grenoble, em 1981, tendo sido publicada em Recherches sur la Philosophie et le Langage no mesmo ano. Aqui Bourdieu trata da leitura, destacando que o intelectual é um leitor do leitor letrado e que é necessário não tomar o que ler dos letrados sem uma postura crítica epistemológica e sociológica. Chama atenção, ainda, para a necessidade de situar o texto e a leitura numa história de produção e transmissão cultural que envolve poder.

Terceira parte

Por fim, a terceira parte. Esta constitui-se de seis textos. No primeiro texto, resultante de uma conferência na Universidade de San Diego, em 1986, o leitor encontrará uma exposição em torno de dois conceitos caros à Sociologia de Bourdieu: espaço social e poder simbólico.

O segundo texto, “O campo intelectual, um mundo à parte”, é uma entrevista concedida em 1985, na qual é tratada talvez o exemplo mais consistente de campo social problematizado por Bourdieu: o campo intelectual. Nessa entrevista o leitor encontrará alguns elementos para compreender como funcionam os campos sociais e alguns dos seus aspectos constitutivos.

O texto seguinte, “Os usos do povo”, é a transcrição da conferência realizada em Lausanne, em 1982, em um colóquio sobre Sociologia, História e Arte. Nela destaca os vários usos das ideias de povo e de popular de acordo com as lógicas de funcionamento do campo social.

No texto, “A delegação e o fetiche político”, conferência de 1983, Bourdieu explora a delegação de poder, a alienação, a não representação que pode geral a delegação. O penúltimo texto, intitulado “Programa para uma Sociologia do Esporte”, também resultado de conferência (1983), há uma exposição de alguns indicativos metodológicos e epistemológicos para o estudo do esporte, frisando a necessidade de não considerar um esporte em particular sem levar em conta o conjunto de prática de esportes, ou seja, observando a estrutura do campo que o esporte a ser estudado está inserido.

Por fim, a obra traz seu último texto: “A sondagem – uma ‘ciência’ sem cientista”. Nesse texto, publicado em Pouvoirs (v.33, 1985), Bourdieu discute o fazer ciência, apontando as condições atuais – sobretudo pressionado pela lógica do mercado – que se impõem sobre a forma de coletar e analisar dados, especialmente sociais. Chama atenção para os problemas existentes em pesquisas de sondagem de opinião, sobretudo por não fazer as perguntas como exige o rigor científico, antes atendendo a demanda o mercado.

Finalizamos essa breve exposição da obra “Coisas ditas” reafirmando sua importância para a compreensão dos múltiplas abordagens com constitui o arcabouço teórico de Pierre Bourdieu, se constituindo como um autorretrato intelectual que auxilia os interessados em compreender seu legado – um dos maiores da segunda metade do século XX.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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