Como começou a escravização e o comercio do Povo Africano?

Como começou a escravização
Como começou a escravização e o comércio do Povo Africano? Falar do início da escravidão do Negro Africano é muito complicado porque temos dois lados muito sujos nessa história: o lado dos brancos que compravam e o lado dos negros que vendiam.
Temos os motivos de guerras internas e também o capitalismo como motivo principal dessa atividade, que manchou pra sempre a imagem do que um ser humano pode fazer com o outro. Mas pra entender como chegaram ao “pico” de cinco milhões de negros trazidos, somente para o Brasil, e cerca de trezentos mil mortos, que ficaram pelo caminho, é preciso voltar no tempo e ver onde a crueldade começa. E creia, ela começa pela Igreja.
Como começou a escravização e o comercio do Povo Africano? Início: A igreja
A história que aprendemos é que os portugueses invadiram a África e simplesmente levaram os negros, pois tinham armas, e resolveram espalhar escravos para todo planeta, mas a coisa não é simples assim. A história não é feita de achismos, ela é feita de documentos.
Que a Igreja mandava em praticamente tudo no século XVI nós já sabemos. Que tudo o que um Papa decretava virava lei e fim de papo também já sabemos. E que a Igreja sempre teve interesses financeiros, também já estamos “carecas” de saber.
Após a batalha de Avis, os portugueses haviam expulsado os Mouros e Portugal ficou sem mão de obra escrava. Desde 1426 já haviam alguns negros trazidos da África (da época chamada de Costa da Guiné); então, em 1452, o Papa Nicolau V, na Bula Dum Diversas, prescreve uma autorização para Portugal capturar e escravizar qualquer povo não cristão e trazer para Portugal, afinal, eles precisavam salvar aquelas almas para o Cristianismo. E assim começa a sede de caça ao paganismo pelo mundo. Os portugueses começaram pelos Sarracenos, que eram os “Mulçumanos” da época; só que os muçulmanos não eram mansinhos, eles quebravam o pau também, já haviam conquistado parte da Europa, aí Portugal decidiu que ia partir pra África que talvez fosse mais tranquilo e três anos depois o Papa prescreveu outra Bula, chamada Romanus Pontifex, confirmando a anterior como lei. Para os portugueses foi como um fado aos ouvidos, porque já eram chegados em meter a mão grande na terra dos outros.
Vamos viajar no tempo para aquele momento da História. A mão de obra escrava sempre existiu, desde que o mundo é mundo.
Como começou a escravização e o comercio do Povo Africano?A fundamentação teológica
Lembram que tem até a passagem bíblica onde os filhos de Jacó vendem um dos irmãos como escravo e ele acaba dando a sorte grande e caindo na casa do Faraó? Pois bem, se irmão vendia irmão, imagine um estranho? Acreditando na veracidade da Bíblia ou não, o que está escrito nela é uma narrativa daquele momento da História. E essa prática se estendeu durante muitos séculos. Os mais fortes, os vencedores, aprisionavam seus inimigos e os escravizavam. Estamos falando de épocas que não havia prestadores de serviço e mão de obra paga, não existia a classe média. Ou você era nobre e precisava de mão de obra escrava, ou você era pobre e vivia do que plantava, ou você era escravo. Não tinha plano B. O pobre vivia do que produzia e o rico não produzia nada, comprava do pobre, e para ter mão de obra ele precisava de escravos. Só que haviam muito mais pobres do que nobres e o pobre não fazia a economia circular, eles não produziam especiarias, não produziam joias, não produziam tecidos, isso eles encontravam já na parte oriental do planeta, mais desenvolvida na época, então eles precisavam conquistar o Oriente e trazer esse contrabando pra Europa porque já sabiam que batata e trigo não iria deixar ninguém mais rico. E a Europa estava em um momento de mudança muito radical. Esse radicalismo tinha nome e sobrenome: Império Otomano.
Como começou a escravização e o comercio do Povo Africano? O Império Otomano
Ah, mas o que era o Império Otomano?
Hoje seriam os Turcos, que vinham da parte oriental, alcançando a Europa (que não era a Europa ainda, pelo menos não a que conhecemos). Eles vinham avançando igual tratores, desde o início do século XIII. Nesse momento da História, as cidades eram protegidas e cercadas por muralhas, certo? E os caras trazem o quê do Ocidente? Trazem canhões, e esses canhões eram abastecidos com pólvora (o que não tinha na Europa), e começam a explodir os muros e conquistar tudo. Assim, conquistaram Constantinopla. Inclusive, chamam de “A queda de Constantinopla” justamente porque colocaram as muralhas no chão e trouxeram a capital do Império Otomano, lá da conchinchina, pra ficar ali, bem colada no que hoje delimitamos como continente Europeu. Lembrem-se que nessa fase a delimitação só estava organizada em Portugal. O que sobrou do Império Romano estava ainda quebrando o pau pra ver o que era o quê no mapa. E como Constantinopla era o melhor caminho de comércio entre o Oriente e o Ocidente, a mão de obra escrava daquele momento parou de ser fornecida. Os Turcos gritaram: Aqui não, violão!
Enfim, os escravos eram deles e pronto e acabado. Então, o Clero vendo a confusão que ia dar, faltar o cara pra limpar o banheiro, limpar a Igreja, dar massagem nos ombrinhos, levar a carta correndo, experimentar a comida pra ver se estava envenenada, gritou:
– Podem trazer tudo que é pagão pra cá na espada. É tiro, porrada e bomba. Portugal já gostava de uma guerrinha e meteu as caras. Eles podiam conquistar tudo!
Assim, um belo dia, mar tranquilo, tudo correndo bem, o Capitão Diogo Cão, atento à terra que podia estar à vista ou à prazo, Páh… chega ao Reino do Congo.
Descem da Nau pra fazer aquela inspeção básica, ele e a tripulação são capturados e levados ao Rei.
– Pegamos esses branquelos xeretando nosso litoral. E aí? Matamos?
– Não, vamos aprender a língua deles primeiro.
Como começou a escravização e o comercio do Povo Africano? Rei Nizinga
O Rei Nizinga não era nenhum bobo.
E é nesse clima de amizade que começa a treta. O português ensina a língua para o Rei e mais, ensina com ela que o “Sr é seu pastor e nada lhe faltará”. Entenderam? Ele evangeliza o Rei e convence ele a ser Cristão. Em 1491, o Rei Nizinga aceita Jesus e Nico Nizinga vira João I do Congo. Mas foi seu filho, que mudou o nome para Afonso I, que decidiu que o Congo todo iria ser cristão. Não pensem que os portugueses fizeram uma guerra ou arruaça pra isso, eles não eram doidos, afinal o Congo tinha três vezes mais guerreiros que Portugal inteira tinha de população. Os portugueses eram mais espertos que vocês imaginam. E quem resiste a um pastel de Belém ou um bolinho de bacalhau? Ninguém né? Assim, Diego e o Filho do Rei fizeram laços culturais e econômicos. Libertaram Diego e Afonso I do Congo foi com ele conhecer a “Zoropa”. Enfim, tudo na paz!
Quando os portugueses chegaram no Congo, já havia ali um sistema todo organizado de escravagista: eles já capturavam as tribos inimigas e já vendiam essas tribos para outras. As tribos africanas viviam em constante guerra e algumas dessas tribos capturadas tinham que ser exterminadas porque se deixassem vivos podiam de alguma forma fugir ou arrumar um jeito de matar o Rei, então devia dar um trabalho danado lutar, matar, enterrar e tal. Assim, o Rei do Congo negociou o primeiro lote.
– Amigo, o que você acha de me comprar uma meia dúzia desses caras aqui? Eles são de uma tribo vizinha, adoram um tal de Xangô.
– Ihhhh Xangô pra lá, vamos levar eles.
– Vai pagar quanto?
– Bora fazer um escambo? Te trago tecido, ferro e azeitona.
– Mas o que é azeitona?
– Ah, tu vais amar… um bagulhinho verde raro em Portugal.
– Fechado, quero azeitona.
E o Portuga saiu rindo à toa “se eles souberem que azeitona dá em qualquer esquina” .
Assim começou a maior atrocidade humana da história: o comércio de escravos. Todo o início dessa negociação está documentada através de cartas trocadas pelos dois reinos, muitas dessas preservadas e guardadas na Torre do Tombo em Lisboa, organizadas cronologicamente e de acesso digital. O valor dessas cartas é incalculável. Em algumas, o Rei do Congo chega a chamar o Rei de Portugal de fiel irmão em Cristo e agradece as armas trocadas por mil peças “pagãs”.
Assim seguiram por quarenta anos, até que o Rei começa a perceber que os portugueses não estão negociando só com ele, que já haviam nobres no Congo com muitas armas e muitos bens que podiam a qualquer momento se rebelarem contra ele. Então, esse rei estabelece que para sair qualquer navio do Congo, seria preciso a presença e inspeção de pelo menos três homens de sua confiança e que o comércio de escravos estava proibido. E aí Portugal começa a pensar no plano B, e o plano B era Angola.
Portugal tinha o poder de barganhar com o arcabuz, que era a arma usada pelos snipers da época, e o Rei que tinha um arcabuz mandava e desmandava em tudo na África. As tribos ainda lutavam com lanças. Mas o Rei do Congo não gostou dessa parada e escreveu ao rei de Portugal. O Rei respondeu que as armas eram enviadas por Deus, e o Rei do Congo que não era besta, pensou logo: essa arma é do “Temônio”. E se Angola ficasse negociando com Portugal logo poderiam bater na porta deles. Solução? Libera tudo, podem levar quantos quiserem, deixem os bolinhos de bacalhau aí na mesa, encham seus navios, mas não negociem armas com Angola. Em 1538 o Rei de Portugal suspende as negociações com Angola, pois no Congo tinham mais facilidade. O Rei do Congo pediu à Portugal para lhe emprestar mão de obra, como carpinteiros, para construção de escolas, e pediu cinquenta padres para ajudar a catequizar os pagãos. Em troca, só entre 1538 e 1540, saíram mais de vinte e cinco mil escravos do Congo para o Brasil. Do Congo, eles levavam os escravos pra Ilha de São Tomé para se prepararem para serem levados para o Brasil, era uma espécie de Alfândega.
Como começou a escravização e o comercio do Povo Africano? Rei do Congo
Em 4 de dezembro de 1540, o Rei do Congo começa a negociar com dinheiro esse tráfico de escravos e agradece em carta ao Rei Sebastião de Portugal, pois o comércio de escravos havia levado progresso ao Congo, com a abertura de novas estradas para passarem os escravizados. Só que Portugal não havia descartado o plano B, e alguns informantes lá de São Tomé avisam que os navios de Angola estão saindo mais abarrotados que os deles.
O Rei do Congo fica puto e ameaça cortar o comércio novamente.
Assim, Dom Sebastião proíbe de vez o comércio com Angola, mas na encolha libera para os demais países africanos.
O que podemos ver nessa troca de cartas é que não havia troca de farpas. O comércio era amigável entre os dois reinos, o tráfico de humanos era tratado por ambas as partes como algo favorável às suas economias, e mesmo havendo em muitos documentos a citação de elevado número de perdas (mortes) das peças, nenhum dos dois tratavam os humanos escravizados como humanos.
Como começou a escravização e o comercio do Povo Africano? Diego Cão
Apenas em 1620, um século depois da chegada de Diego Cão, que esses laços são quebrados, pois Portugal já estava catando negros na África quase toda e o Congo já não era tão interessante pra eles.
O comércio nunca foi tratado como algo racial, era meramente econômico e religioso, ou seja, não era por serem negros que eram escravizados. Se Portugal achasse a mesma facilidade em qualquer outro lugar do planeta, o tráfico aconteceria independente da raça, tanto que tentaram fazer o mesmo com os indígenas encontrados no Brasil, só que os indígenas brasileiros não eram fortes como os negros, nem tão altos, somente os Goitacáz eram altos, mas extremamente selvagens e violentos, e mesmo assim, sua imunidade não era resistente o suficiente: se levassem uma chicotada, aquilo inflamava e morriam. Índio não tinha resistência e ainda assim, muitos foram escravizados.
Como começou a escravização e o comercio do Povo Africano? Motivos de captura
Só que os motivos da captura lá na África eram diferentes. O interesse na África era territorial, os escravos lá não trabalhavam para eles, eles eram prisioneiros, só davam despesa. Aqui no Brasil vieram para trabalhar como máquinas. Em outro texto meu sobre a ‘História do Café’ eu faço uma comparação: o que eles colocavam de terra para um escravo cuidar, eles davam para dez famílias de imigrantes italianos pós-abolição, e as famílias ainda assim não aguentaram, mesmo recebendo e não sendo açoitadas. Só ilustrando para entenderem o quanto foi cruel esse período da escravidão e o que a ganância e necessidade de produção de riquezas para a Coroa portuguesa abriu de ferida histórica que até os dias de hoje é irreparável. Já pararam pra analisar que vivemos em um país de quinhentos e vinte anos e que durante quase quatrocentos anos desses quinhentos e vinte os negros foram escravos no Brasil?
Sei que muita gente não aceita as cotas raciais pois não entende a necessidade de equiparação temporal necessária. Quem quiser entender um pouco desse assunto, assiste meu vídeo Impacto Negro, no Youtube, onde falo que fui na Áustria participar de um debate sendo eu contra as cotas e voltei totalmente a favor das mesmas.
Mas não pensem que o tráfico de negros começou com os portugueses, os muçulmanos já capturavam negros muito antes dos Portugueses, e os Gregos e Romanos também, só que existe um espaço de tempo muito grande de mais de mil e quinhentos anos, o que nos faz entender que os Portugueses e Congoleses sabiam exatamente o que estavam fazendo e viram a facilidade na escravização humana, e usaram puramente para enriquecimento.
Então, não há culpadinho ou culpadão nessa história. Quem vendia ganhou e quem comprava também, os únicos que perderam nessa foram os escravizados. E pra fechar esse primeiro post da nossa semana sobre a escravidão, saibam que até hoje a escravidão ainda existe na África e alguns lugares da Ásia. Há mais de dez milhões de escravos na África, e não tem ONU que se meta nessas guerras. Somente o comércio foi proibido, a captura ainda acontece.
Sem anacronismo, pensem como se vivessem naquela época. Não saiam xingando os coleguinhas Portugueses ou Congoleses.”
Texto “Como começou a escravização e o comercio do Povo Africano?”  de Izabelle Valladares
PS: Já que o assunto é polêmico e vão perguntar a fonte, essa é da História do Congo e da Monumenta Missionaria Africana, material disponível na Torre do Tombo de Lisboa além das cartas originais escritas pelos próprios monarcas que não deixam dúvidas ideológicas.

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

2 Comments

  1. Muita história da carochinha, muitas imprecisões muitas inverdades, se o rei do congo vendia escravos e os tugas compravam, porque o congo não se desenvolveu? Angola so foi criada com a colonização séculos depois, és um aldrabão

    • A escravidão é uma prática profundamente prejudicial, desumana e imoral, independentemente da origem étnica dos escravos ou daqueles que os vendem. É importante entender que a escravidão é, por natureza, uma violação dos direitos humanos e uma afronta à dignidade de qualquer indivíduo, independentemente de sua raça.

      Existem várias razões pelas quais a escravidão é considerada terrível, independentemente de quem está envolvido:

      Desrespeito à liberdade e dignidade humana: A escravidão envolve a privação das liberdades mais básicas de um ser humano. Escravos são tratados como propriedade, sem controle sobre suas vidas, sem a capacidade de tomar decisões para si mesmos e frequentemente submetidos a tratamentos cruéis.

      Exploração econômica: A escravidão muitas vezes visa a exploração econômica, na qual os escravos são forçados a trabalhar em condições desumanas, frequentemente sem remuneração adequada, em benefício dos proprietários de escravos. Essa exploração cria uma desigualdade profunda na sociedade.

      Transmissão de trauma intergeracional: A escravidão não afeta apenas as gerações que a vivenciam, mas também tem efeitos duradouros nas gerações subsequentes, criando ciclos de desvantagem e trauma. Mesmo se alguns indivíduos vendiam outros membros de sua própria comunidade, isso não muda o fato de que a escravidão é prejudicial para todos os envolvidos.

      Racismo estrutural: Mesmo que alguns indivíduos negros tenham participado do comércio de escravos, isso não invalida a existência do racismo estrutural, que continua a afetar as comunidades negras em todo o mundo. A escravidão é uma das raízes históricas do racismo, e suas consequências persistem até os dias de hoje.

Deixe uma resposta