Definição de marketing e contribuições da sociologia

A definição de marketing é um tema amplamente debatido nas ciências sociais, pois essa área transcende sua concepção tradicional como uma ferramenta de vendas ou promoção de produtos. Segundo Kotler (2018), o marketing pode ser entendido como um processo social e gerencial pelo qual indivíduos e grupos obtêm aquilo de que necessitam e desejam por meio da criação, oferta e troca de produtos de valor com outros. Essa definição ampla revela que o marketing não se limita ao campo econômico, mas também está profundamente enraizado nas relações humanas, culturais e políticas.

Este texto busca explorar a definição de marketing sob uma perspectiva crítica das ciências sociais, destacando suas múltiplas dimensões – econômica, cultural e política – e analisando seus impactos na sociedade contemporânea. Serão apresentadas reflexões teóricas de autores consagrados, como Bourdieu (1989), Bauman (2007) e Castells (1997), que contribuem para uma compreensão mais profunda e contextualizada deste tema. Além disso, serão discutidas as implicações éticas e sociais do marketing no contexto globalizado.


O Conceito de Marketing: Fundamentos Teóricos

Marketing como Processo Social

O marketing é frequentemente associado à ideia de venda e publicidade, mas sua essência vai além dessas funções práticas. Para Kotler (2018), o marketing é um processo social que envolve a identificação de necessidades e desejos humanos, seguido pela criação de soluções que atendam a essas demandas de forma satisfatória. Essa abordagem coloca o consumidor no centro do processo, enfatizando a importância de entender comportamentos, valores e preferências individuais.

No entanto, o marketing não é apenas uma prática técnica; ele está intrinsecamente ligado às dinâmicas sociais e culturais. Bourdieu (1989) argumenta que os consumidores são influenciados por formas de capital – econômico, cultural e social – que moldam suas escolhas e percepções de valor. Assim, o marketing reflete e reforça as desigualdades sociais, promovendo produtos e serviços que muitas vezes estão acessíveis apenas a determinados grupos privilegiados.

História e Evolução do Marketing

A história do marketing está intimamente ligada às transformações econômicas e tecnológicas que moldaram as sociedades modernas. Durante o século XIX, o surgimento da Revolução Industrial trouxe uma mudança significativa na produção em massa, exigindo novas estratégias para atrair consumidores (Levy & Weitz, 2004). Nesse período, o marketing era centrado na distribuição e na propaganda, com foco em aumentar as vendas de produtos industrializados.

Com o advento da globalização e das tecnologias digitais, o marketing passou por transformações profundas. Castells (1997) destaca que a sociedade em rede criou um ambiente onde informações e produtos circulam rapidamente, permitindo que empresas alcancem consumidores em escala global. Essa conectividade intensificou a competição no mercado, levando ao desenvolvimento de estratégias de marketing personalizadas e baseadas em dados.


Marketing e Cultura: A Construção de Desejos

Consumo como Prática Cultural

O marketing desempenha um papel fundamental na construção de desejos e necessidades, influenciando diretamente a cultura de consumo. Segundo Bauman (2007), vivemos em uma “sociedade de consumo”, onde o ato de consumir tornou-se uma forma de expressão individual e social. O marketing alimenta essa cultura ao criar narrativas que associam produtos a sonhos, status e identidade pessoal.

Essa relação entre marketing e cultura é evidente na indústria da moda, por exemplo. Marcas globais utilizam campanhas publicitárias para promover não apenas roupas, mas estilos de vida e valores culturais. Esse processo, no entanto, pode levar à homogeneização cultural, onde tradições locais são substituídas por padrões globais de consumo (Ritzer, 2004).

Simbolismo e Identidade

Os produtos comercializados através do marketing muitas vezes carregam significados simbólicos que transcendem sua utilidade prática. Para Douglas e Isherwood (1996), os bens de consumo funcionam como símbolos que comunicam identidade e pertencimento. Por exemplo, o uso de determinadas marcas de tecnologia pode sinalizar modernidade e status, enquanto certos alimentos podem representar tradições culturais.

No entanto, essa simbolização pode exacerbar desigualdades sociais. Indivíduos de classes menos privilegiadas muitas vezes enfrentam dificuldades para acessar produtos que conferem prestígio social, perpetuando ciclos de exclusão e marginalização.


Marketing Digital e Transformações Contemporâneas

Big Data e Personalização

A era digital trouxe mudanças significativas no campo do marketing, especialmente com o uso de big data e inteligência artificial. Empresas agora têm acesso a vastas quantidades de informações sobre os consumidores, permitindo a criação de campanhas altamente personalizadas (Chaffey & Ellis-Chadwick, 2019). Essa personalização tem o potencial de melhorar a experiência do consumidor, oferecendo produtos e serviços alinhados às suas preferências.

No entanto, o uso de dados pessoais para fins de marketing levanta preocupações éticas. Floridi (2019) argumenta que a coleta e o processamento de dados sem consentimento explícito violam a privacidade dos indivíduos, gerando riscos de vigilância massiva e manipulação comportamental.

Influenciadores e Redes Sociais

As redes sociais transformaram a forma como o marketing é realizado, com influenciadores digitais desempenhando um papel central na promoção de produtos e marcas. Esses influenciadores, muitas vezes vistos como figuras confiáveis, têm o poder de moldar opiniões e comportamentos de consumo (Abidin, 2016). No entanto, essa prática também gera críticas, especialmente quando influenciadores promovem produtos sem transparência sobre parcerias comerciais.

No Brasil, plataformas como Instagram e TikTok tornaram-se espaços privilegiados para campanhas de marketing direcionadas a jovens e adolescentes. Essa tendência reflete a crescente importância das mídias digitais na formação de hábitos de consumo.


Impactos Sociais do Marketing

Desigualdades e Exclusão

O marketing pode tanto incluir quanto excluir diferentes grupos sociais. Enquanto campanhas bem-sucedidas podem democratizar o acesso a produtos e serviços, elas também podem reforçar preconceitos e estereótipos. Por exemplo, a representação limitada de minorias raciais e étnicas em anúncios publicitários contribui para a invisibilização desses grupos na sociedade (Hooks, 2000).

Além disso, o marketing frequentemente prioriza consumidores urbanos e de classes médias e altas, negligenciando populações rurais e de baixa renda. Essa exclusão é particularmente visível no Brasil, onde milhões de pessoas ainda enfrentam barreiras de acesso a bens e serviços essenciais (Souza, 2015).

Manipulação e Consumismo

Uma das críticas mais recorrentes ao marketing é seu papel na promoção do consumismo. Adorno e Horkheimer (1947) argumentam que a indústria cultural utiliza estratégias de marketing para criar falsas necessidades, levando os consumidores a adquirirem produtos de que não precisam. Esse processo resulta em uma sociedade obcecada pelo consumo, onde o valor de um indivíduo é medido por suas posses materiais.

No contexto brasileiro, o consumismo é exacerbado por campanhas sazonais, como as relacionadas ao Natal e ao Dia dos Namorados, que incentivam o gasto excessivo em detrimento de práticas de consumo consciente (Silva, 2018).


Marketing e Sustentabilidade: Um Novo Paradigma?

Responsabilidade Social Corporativa

Nos últimos anos, cresceu a pressão sobre empresas para adotarem práticas de marketing sustentável. A responsabilidade social corporativa (RSC) tornou-se uma estratégia importante para promover produtos e serviços que respeitem o meio ambiente e os direitos humanos (Carroll & Shabana, 2010). Campanhas que destacam atributos como “orgânico”, “reciclável” e “sustentável” ganharam popularidade entre consumidores conscientes.

No entanto, nem todas as iniciativas de marketing sustentável são genuínas. O greenwashing, ou “lavagem verde”, ocorre quando empresas fazem declarações enganosas sobre suas práticas ambientais para atrair consumidores (Lyon & Maxwell, 2011). Essa prática compromete a credibilidade do movimento em direção à sustentabilidade.

Economia Circular e Consumo Consciente

A economia circular surge como uma alternativa ao modelo linear de produção e consumo, promovendo a reutilização e reciclagem de materiais. O marketing desempenha um papel crucial nessa transição, educando consumidores sobre práticas de consumo consciente e incentivando a adoção de produtos sustentáveis (Geissdoerfer et al., 2017).

No Brasil, iniciativas como a logística reversa de embalagens plásticas demonstram o potencial do marketing para promover mudanças positivas no comportamento dos consumidores (Martins, 2020).


Conclusão

A definição de marketing, quando analisada sob uma perspectiva crítica das ciências sociais, revela-se como um conceito dinâmico e multifacetado. Ele engloba não apenas aspectos técnicos e econômicos, mas também dimensões culturais, éticas e políticas que refletem as complexidades da sociedade contemporânea. A crítica sociológica ao marketing nos convida a refletir sobre as desigualdades estruturais que perpetuam a exclusão social e a buscar alternativas que promovam uma convivência mais justa e inclusiva.

Diante dos desafios globais, como o consumismo, a exclusão digital e as crises ambientais, torna-se urgente repensar os fundamentos do marketing. Ele emerge, assim, como um campo de luta e transformação, fundamental para a construção de um futuro mais equitativo e sustentável.


Referências Bibliográficas

ABIDIN, C. Visibility Labour: Engaging with Influencers’ Fashion Brands and #OOTD Advertorial Campaigns on Instagram . Media International Australia, 2016.

ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento . Rio de Janeiro: Zahar, 1947.

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MARTINS, R. Logística Reversa no Brasil: Desafios e Oportunidades . São Paulo: Atlas, 2020.

RITZER, G. The McDonaldization of Society . Thousand Oaks: Pine Forge Press, 2004.

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SOUSA, M. Exclusão Digital e Marketing no Brasil . Brasília: Editora UnB, 2015.

Roniel Sampaio Silva

Doutorando em Educação, Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais e Pedagogia. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Teresina Zona Sul.

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