Documentário quem somos nós [dica de filme]

O filme “Quem Somos Nós?” (“What the Bleep Do We Know!?”), lançado em 2004, propõe uma interseção entre física quântica e espiritualidade, sugerindo que a consciência humana influencia diretamente a realidade física. Embora tenha alcançado considerável popularidade, especialmente entre públicos interessados em novas espiritualidades e autoajuda, o filme foi alvo de críticas contundentes por parte da comunidade científica.

1. Contextualização do Filme “Quem Somos Nós?”

“Quem Somos Nós?” combina entrevistas com cientistas e pensadores, animações e uma narrativa ficcional para explorar a relação entre física quântica e consciência. O filme sugere que a realidade é maleável e pode ser influenciada pelos pensamentos e emoções individuais, uma ideia que, embora atraente para muitos, carece de fundamentação científica sólida.

2. A Perspectiva da Física: Deturpação dos Conceitos Quânticos

A física quântica é um campo da ciência que descreve o comportamento de partículas em escalas subatômicas. Seus princípios são frequentemente contraintuitivos e complexos, o que os torna suscetíveis a interpretações equivocadas. “Quem Somos Nós?” é criticado por distorcer conceitos quânticos para apoiar afirmações não científicas. Por exemplo, o filme sugere que a observação consciente pode colapsar funções de onda e, assim, criar a realidade desejada pelo observador. Essa interpretação extrapola o princípio da superposição quântica e ignora o contexto específico em que tais fenômenos ocorrem, levando a uma compreensão errônea da física quântica (Sokal, 1996).

3. A Perspectiva Sociológica: Pseudociência e Cultura Contemporânea

Do ponto de vista sociológico, a popularidade de “Quem Somos Nós?” reflete tendências culturais contemporâneas, como a busca por espiritualidade alternativa e a desconfiança em relação às instituições científicas tradicionais. A pseudociência, caracterizada pelo uso de terminologia científica sem rigor metodológico, encontra terreno fértil em sociedades onde o conhecimento científico é valorizado, mas nem sempre compreendido em profundidade (Hansson, 2009). O filme utiliza jargões científicos para conferir credibilidade às suas afirmações, explorando a autoridade da ciência para promover ideias não comprovadas.

4. O Problema da Demarcação: Ciência vs. Pseudociência

A distinção entre ciência e pseudociência é um tema central na filosofia da ciência. Karl Popper propôs a falseabilidade como critério de demarcação, argumentando que uma teoria científica deve ser passível de refutação por meio de experimentação (Popper, 1934). As afirmações apresentadas em “Quem Somos Nós?” não atendem a esse critério, pois não oferecem hipóteses testáveis ou suscetíveis a refutação, situando-se, portanto, no domínio da pseudociência.

5. O Caso Sokal e as Implicações para a Credibilidade Acadêmica

O “Caso Sokal” ilustra os perigos da falta de rigor na interseção entre ciências naturais e humanidades. Em 1996, o físico Alan Sokal submeteu um artigo intencionalmente sem sentido à revista “Social Text”, que o publicou sem perceber a fraude (Sokal, 1996). Esse episódio revelou como discursos pseudocientíficos podem ser aceitos em círculos acadêmicos quando alinhados com certas predisposições ideológicas, ressaltando a necessidade de critérios rigorosos na avaliação de trabalhos que buscam integrar diferentes campos do conhecimento.

6. A Influência de Pensadores Controversos: Amit Goswami e a “Física Quântica da Consciência”

Amit Goswami, físico teórico, é um dos entrevistados em “Quem Somos Nós?” e defensor da ideia de que a consciência é a base da realidade física. Suas propostas, no entanto, são amplamente criticadas pela comunidade científica por carecerem de fundamentação empírica e por extrapolarem os limites da física quântica (Goswami, 1993). A promoção dessas ideias em mídias populares contribui para a disseminação de conceitos pseudocientíficos sob a aparência de legitimidade científica.

7. Implicações Sociais e Educacionais da Disseminação da Pseudociência

A difusão de conteúdos pseudocientíficos como os apresentados em “Quem Somos Nós?” tem implicações significativas para a educação e a percepção pública da ciência. A aceitação acrítica de tais ideias pode levar à desvalorização do método científico e ao enfraquecimento do pensamento crítico, essenciais para a tomada de decisões informadas na sociedade contemporânea (Pilati, 2022). Além disso, a pseudociência pode influenciar negativamente áreas como a saúde, quando, por exemplo, promove tratamentos sem eficácia comprovada.

8. Estratégias para Combater a Pseudociência na Sociedade

Para enfrentar a disseminação da pseudociência, é fundamental investir em educação científica de qualidade, que enfatize a compreensão dos métodos e princípios da ciência, além de promover o pensamento crítico. A comunicação científica deve ser acessível e transparente, desmistificando conceitos complexos e tornando a ciência mais compreensível ao público leigo. Instituições acadêmicas e científicas devem também se posicionar ativamente contra a pseudociência, destacando a importância do rigor metodológico e da ética na produção e divulgação do conhecimento (Hansson, 2009).

 

 

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Roniel Sampaio Silva

Doutorando em Educação, Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais e Pedagogia. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Teresina Zona Sul.

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