O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) tornou-se um dos principais mecanismos de acesso ao ensino superior no Brasil. Criado em 1998 pelo Ministério da Educação (MEC), o exame, inicialmente voltado para avaliar a qualidade do ensino médio, consolidou-se como ferramenta fundamental para ingresso nas universidades, seja por meio do Sistema de Seleção Unificada (SISU), do Programa Universidade para Todos (PROUNI) ou de outras iniciativas. Este artigo busca compreender, a partir das Ciências Sociais, as implicações do ENEM e de seu resultado na vida dos estudantes, considerando aspectos estruturais, culturais e econômicos.
ENEM Resultado: a Estratificação Social
A educação, segundo Bourdieu e Passeron (1975), é um dos principais meios de reprodução das desigualdades sociais. O ENEM, ao se tornar o critério predominante de ingresso no ensino superior, influencia diretamente as oportunidades educacionais e, consequentemente, a mobilidade social dos indivíduos. Apesar de sua proposta de democratização do acesso às universidades, estudos apontam que estudantes de classes sociais mais favorecidas tendem a apresentar melhores desempenhos, devido ao acesso a melhores escolas, cursos preparatórios e uma rede de apoio estruturada (NOGUEIRA; AGUIAR, 2018).
O conceito de “capital cultural”, cunhado por Bourdieu (1986), explica como os estudantes provenientes de famílias com maior nível de escolaridade possuem vantagens no ENEM. Essas vantagens incluem maior exposição à leitura e escrita, acesso a bens culturais e maior suporte no processo de escolha e inscrição nas universidades.
O Impacto do Resultado do ENEM no Futuro dos Estudantes
O resultado do ENEM não apenas define a possibilidade de acesso ao ensino superior, mas também influencia decisões de carreira e perspectivas econômicas. De acordo com pesquisas sobre estratificação educacional, jovens com ensino superior possuem maiores chances de inserção no mercado de trabalho formal e melhores salários ao longo da vida (SOUZA, 2019). Assim, a nota obtida no ENEM pode representar um divisor de águas para estudantes, especialmente aqueles de classes sociais mais baixas, que veem na educação uma possibilidade de ascensão social.
Contudo, a relação entre educação e mercado de trabalho não é linear. Conforme analisado por Trow (2006), o fenômeno da massificação do ensino superior também gera um processo de diferenciação entre as instituições e os diplomas. Dessa forma, não apenas a aprovação em uma universidade é relevante, mas também o prestígio e a qualidade da instituição em que o estudante ingressa.
As Desigualdades Regionais e o ENEM
Outro ponto crítico sobre o ENEM e seu resultado é a desigualdade regional. Estudos apontam que alunos de regiões mais desenvolvidas economicamente tendem a obter melhores notas, refletindo disparidades estruturais na qualidade do ensino oferecido pelo sistema público e privado (OLIVEIRA; SILVA, 2020). A existência de cotas e outros mecanismos de inclusão são tentativas de mitigar essas desigualdades, mas ainda são insuficientes para corrigir o desequilíbrio estrutural.
A desigualdade digital também se mostrou um fator relevante na pandemia de COVID-19, quando muitos estudantes de baixa renda tiveram dificuldades para acompanhar as aulas remotas e se preparar para o ENEM (GOMES; ALVES, 2021). O acesso limitado a dispositivos eletrônicos e à internet reforçou a diferença de desempenho entre os estudantes.
O Papel das Políticas Públicas
Diante desse cenário, políticas públicas são fundamentais para promover maior equidade no acesso ao ensino superior. Programas como o PROUNI e o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) buscam ampliar as oportunidades de ingresso de estudantes de baixa renda, mas enfrentam desafios, como altos índices de endividamento estudantil e a qualidade das instituições privadas envolvidas (MENEZES, 2017).
Além disso, o fortalecimento da educação básica é essencial para garantir condições mais igualitárias para os estudantes. Investimentos em formação de professores, infraestrutura escolar e material didático de qualidade são estratégias necessárias para reduzir as desigualdades na educação pública e, consequentemente, no resultado do ENEM.
O ENEM e seu resultado exercem um papel central na educação brasileira, sendo um mecanismo de seleção que reflete tanto as possibilidades de mobilidade social quanto as desigualdades estruturais do país. A partir das Ciências Sociais, é possível compreender como fatores como capital cultural, estratificação social e desigualdades regionais impactam os resultados do exame e as trajetórias educacionais dos estudantes.
Para que o ENEM cumpra seu papel de democratização do ensino superior, é fundamental que sejam desenvolvidas políticas públicas mais eficazes para reduzir as desigualdades educacionais, garantindo que todos os alunos tenham reais condições de concorrer em igualdade de oportunidades.
Referências
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 1986.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 1975.
GOMES, Cláudio; ALVES, Fernanda. “Desigualdade digital e educação durante a pandemia”. Revista Brasileira de Educação, v. 26, n. 2, p. 1-20, 2021.
MENEZES, Mariana. “O impacto do FIES no acesso ao ensino superior privado no Brasil”. Caderno de Políticas Públicas, v. 12, n. 1, p. 34-52, 2017.
NOGUEIRA, Maria Alice; AGUIAR, Maurício. “Capital cultural e desempenho escolar no Brasil”. Educação e Sociedade, v. 39, n. 143, p. 1037-1058, 2018.
OLIVEIRA, Ricardo; SILVA, Tatiane. “Desigualdade regional e resultados educacionais no Brasil”. Revista de Políticas Educacionais, v. 9, n. 3, p. 87-105, 2020.
SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Estudo do Brasil, 2019.
TROW, Martin. “Reflections on the transition from elite to mass to universal access: Forms and phases of higher education in modern societies since WWII”. International Handbook of Higher Education, v. 18, p. 243-280, 2006.