Filme sobre Israel e Palestina

Filme sobre Israel e Palestina “Sem chão” dá uma dimensão do conflito. Em um cenário cinematográfico frequentemente dominado por narrativas distantes e análises geopolíticas abstratas, o documentário Sem Chão (No Other Land, 2024) emerge como uma obra visceral que rompe com a neutralidade e mergulha nas entranhas do conflito israelo-palestino. Dirigido por um coletivo formado por Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor, o filme é fruto de uma colaboração inédita entre palestinos e israelenses, unidos não apenas por laços profissionais, mas por uma causa comum: documentar e denunciar a destruição sistemática da comunidade de Masafer Yatta, na Cisjordânia ocupada.

A gênese do projeto remonta a 2019, quando Basel Adra, ativista palestino nascido e criado em Masafer Yatta, e Yuval Abraham, jornalista israelense fluente em árabe, uniram forças para registrar as demolições e expulsões promovidas pelo exército israelense. Ao longo de quatro anos, com recursos limitados e enfrentando constantes ameaças, eles construíram um retrato íntimo e devastador da realidade vivida pelos palestinos na região. A produção contou ainda com a participação de Hamdan Ballal e Rachel Szor, que contribuíram para a direção e fotografia, consolidando a obra como um testemunho coletivo de resistência e solidariedade.

O filme transcende a mera documentação de eventos; ele se posiciona como um ato de resistência, utilizando a câmera como arma para expor as injustiças e violências perpetradas contra a população palestina. A narrativa é construída a partir de imagens cruas e impactantes, capturadas em tempo real, que revelam a brutalidade das operações militares e a resiliência dos moradores locais. A ausência de uma estrutura tradicional e a escolha por uma abordagem direta e pessoal conferem à obra uma autenticidade que ressoa profundamente com o espectador.

Sem Chão não busca oferecer respostas fáceis ou soluções simplistas para um conflito complexo; ao contrário, ele convida à reflexão e ao questionamento, desafiando o público a confrontar as realidades muitas vezes ignoradas ou distorcidas pelas narrativas dominantes. Ao dar voz aos que frequentemente são silenciados, o documentário se estabelece como um marco no cinema político contemporâneo, evidenciando o poder da arte como instrumento de denúncia e transformação social.

II. Masafer Yatta: A Terra que Resiste à Destruição

Masafer Yatta, situada na região sul de Hebron, na Cisjordânia ocupada, é composta por um conjunto de vilarejos palestinos que enfrentam há décadas a ameaça constante de expulsão e demolição por parte das autoridades israelenses. Desde os anos 1980, o exército de Israel designou a área como “Zona de Fogo 918”, alegando a necessidade de treinamento militar, o que resultou em ordens de despejo para centenas de famílias palestinas. Apesar de sua presença ser reconhecida em mapas desde o século XIX, a Suprema Corte de Israel rejeitou apelos dos habitantes, não reconhecendo a existência legal de Masafer Yatta.

O documentário “Sem Chão” captura, ao longo de cinco anos (2019-2023), a resistência dos moradores contra a destruição sistemática de suas casas, escolas e infraestrutura básica. As Forças de Defesa de Israel (IDF) impõem restrições severas à população, incluindo prisões arbitrárias e demolições de construções essenciais. Em uma cena impactante, o pai de Basel Adra, Nasser, é detido durante um protesto pacífico, exemplificando a repressão enfrentada pelos residentes.

A narrativa do filme também destaca a violência perpetrada por colonos israelenses, que, armados e protegidos pelo exército, aterrorizam a população palestina. Em outubro de 2023, durante as filmagens, um colono atira à queima-roupa em Zakriha Adra, primo de Basel, evidenciando a escalada da violência na região.

“Sem Chão” não apenas documenta a destruição física de Masafer Yatta, mas também a resiliência de sua comunidade, que, mesmo diante de adversidades extremas, continua a lutar por sua terra e dignidade.

III. Basel e Yuval: Uma Amizade Complexa

No cerne de Sem Chão está a relação entre Basel Adra, um jovem ativista palestino de Masafer Yatta, e Yuval Abraham, um jornalista israelense de Be’er Sheva. Desde a infância, Basel testemunha e resiste à destruição de sua comunidade pela ocupação israelense. Yuval, por sua vez, se aproxima da causa palestina ao conhecer Basel, formando uma aliança marcada por solidariedade e tensões. Enquanto Basel vive sob constante ameaça e violência, Yuval desfruta de liberdade em Israel, evidenciando as disparidades entre suas realidades.

A amizade entre os dois é construída ao longo de cinco anos de colaboração na documentação das demolições em Masafer Yatta. Essa parceria é desafiada pelas diferenças em suas condições de vida: Basel enfrenta opressão e violência constantes, enquanto Yuval goza de liberdade e segurança. O filme retrata essa complexidade, mostrando como, apesar das divergências, a amizade entre Basel e Yuval se fortalece em meio à luta comum por justiça.

Sem Chão não apenas documenta a destruição física de Masafer Yatta, mas também a resiliência de sua comunidade e a solidariedade que transcende fronteiras. A relação entre Basel e Yuval simboliza a possibilidade de empatia e colaboração entre indivíduos de lados opostos de um conflito, oferecendo uma perspectiva humana e íntima sobre a resistência palestina.

IV. Reconhecimento Internacional e Impacto

Desde sua estreia no Festival Internacional de Cinema de Berlim em fevereiro de 2024, onde conquistou o Prêmio do Público Panorama de Melhor Documentário e o Prêmio de Documentário da Berlinale, Sem Chão vem acumulando reconhecimento internacional. A obra também foi agraciada com o Spirit Awards e o Gotham Awards como melhor documentário nos Estados Unidos, além de prêmios no European Film Awards e no IDA Documentary Awards em Los Angeles.

A consagração veio com a vitória no Oscar 2025 de Melhor Documentário. Durante a cerimônia, os diretores Basel Adra e Yuval Abraham utilizaram o palco para denunciar as ações militares israelenses em Gaza e na Cisjordânia. Adra compartilhou sua esperança de que sua filha não precise viver sob a constante ameaça de violência e deslocamento forçado, enquanto Abraham destacou as desigualdades entre suas realidades, enfatizando que “não há outro caminho” senão a liberdade e segurança para ambos os povos.

Apesar do sucesso, o filme enfrentou resistência. O ministro da Cultura de Israel, Miki Zohar, instou instituições culturais a não exibirem o documentário, alegando que ele “serve aos inimigos do Estado”. Além disso, o codiretor palestino Hamdan Ballal foi agredido e detido por soldados israelenses após filmar um ataque de colonos à sua aldeia, em um episódio que ele descreveu como “vingança pelo nosso filme”.

Sem Chão não apenas documenta a destruição física de Masafer Yatta, mas também simboliza a resistência e a solidariedade entre palestinos e israelenses que buscam justiça e coexistência. Seu impacto transcende o cinema, tornando-se um poderoso instrumento de denúncia e reflexão sobre os conflitos no Oriente Médio.

V. Conclusão: “Sem Chão” — Um Chamado à Consciência Global

Sem Chão transcende o formato tradicional de documentário para se tornar um poderoso instrumento de denúncia e reflexão sobre as realidades vividas pelos palestinos em Masafer Yatta. Através de uma narrativa íntima e crua, o filme expõe as injustiças e violências perpetradas contra uma comunidade que, apesar de décadas de opressão, continua a resistir e a lutar por sua terra e dignidade.

A obra destaca a complexa amizade entre Basel Adra, um jovem ativista palestino, e Yuval Abraham, um jornalista israelense, simbolizando a possibilidade de empatia e colaboração entre indivíduos de lados opostos de um conflito. Essa relação, marcada por solidariedade e tensões, oferece uma perspectiva humana e profunda sobre a resistência palestina e os desafios enfrentados por aqueles que buscam justiça em meio à opressão.

O reconhecimento internacional de Sem Chão, culminando com a vitória no Oscar de Melhor Documentário em 2025, evidencia a importância de dar voz às narrativas frequentemente silenciadas. Apesar das tentativas de boicote e censura, o filme alcançou um público global, provocando debates e incentivando uma análise mais crítica sobre o conflito israelo-palestino.

Ao assistir Sem Chão, somos convidados a confrontar as realidades muitas vezes ignoradas pelas narrativas dominantes e a refletir sobre nosso papel na promoção da justiça e da paz. O documentário não oferece respostas fáceis, mas nos desafia a enxergar além das fronteiras políticas e a reconhecer a humanidade compartilhada por todos os envolvidos.

Em última análise, Sem Chão é um testemunho da resiliência do povo palestino e um apelo urgente à consciência global. É uma obra essencial para compreender as nuances da resistência palestina e os desafios enfrentados por aqueles que buscam justiça em meio à opressão.

Roniel Sampaio Silva

Doutorando em Educação, Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais e Pedagogia. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Teresina Zona Sul.

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